Acórdão nº 50027617420218210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50027617420218210016
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003256788
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002761-74.2021.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)

APELADO: IVANIR MARIA PIACESKI JOVANOVICHS (AUTOR)

RELATÓRIO

CREFISA SA CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS interpôs apelação cível em face da sentença que julgou parcialmente procedente a ação revisional e reconvenção que contende com IVANIR MARIA PIACESKI JOVANOVICHS, que assim constou na parte dispositiva:

ISSO POSTO:

a) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por IVANIR MARIA PIACESKI JOVANOVICHS contra CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, para o fim de, revisando o contrato n. 033020023067, limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado (82,37% ao ano para pessoa física- crédito pessoal não consignado), afastando a mora e encargos dela decorrentes, julgando improcedentes os demais pedidos,

b) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a reconvenção ofertada por Crefisa S.A. - Crédito, Financiamento e Investimentos contra IVANIR MARIA PIACESKI JOVANOVICHS, para condenar esta a pagar àquela o valor referente ao contrato antes mencionado, cujo saldo deverá ser apurado mediante recálculo do débito, nos termos da revisional, devidamente atualizado pelo IGP-M desde o vencimento de cada parcela e acrescido de juros de mora a contar da citação.

Tendo em vista a sucumbência recíproca, fica assim distribuída a sucumbência:

a) na ação revisional, deverão as partes ratear as custas, sendo 70% pela requerida e 30% pela autora, bem como pagar honorários ao procurador da parte adversa, que fixo em 15% do valor da causa atualizado, a seer pago na mesma proporção (70% de tal valor ao procurador da autora, e 30% ao procurador da ré), considerando a ausência da instrução, a natureza da lide e o tempo de tramitação, nos termos do art. 85, §2º, do NCPC, verbas estas que ficam suspensas quanto à autora, em face da AJG deferida.

b) na reconvenção, arcará a reconvinda com 70% das custas processuais e honorários ao procurador do reconvinte, que fixo em 10% do valor da condenação, atualizado, e o reconvinte arcará com o pagamento de 30% das custas processuais e honorários ao procurador da reconvinda, que fixo em 05% do referido valor, nos termos acima referidos, considerando os mesmos critérios, verbas estas que ficam suspensas quanto à reconvinda, em face da AJG deferida na ação revisional, que estendo à reconvenção.

Intimem-se.

Nada sendo requerido e não havendo custas pendentes, arquive-se com baixa.

Dra. SIMONE BRUM PIAS, Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Ijuí.

Em suas razões de apelo, a ré sustenta:

a) a ausência de abusividade da taxa de juros remuneratórios incidente no contrato, devendo ser mantida hígida a contratação nos termos pactuados entre as partes. Alega que a taxa do Bacen é mero parâmetro, não podendo ser utilizada como ferramenta exclusiva para aferir a abusividade. Salienta ser necessária a análise do caso concreto, com a observância do perfil de risco de crédito do contratante, as condições e garantias ofertadas na operação, bem como o histórico do cliente;

b) a caracterização da mora;

c) a impossibilidade de repetição do indébito;

d) a minoração dos honorários advocatícios de sucumbência.

Não foram oferecidas contrarrazões, vindo os autos a este Tribunal conclusos para julgamento.

Foram cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo e preparado (evento 29), estando preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal.

RELAÇÃO CONTRATUAL SUB JUDICE

Trata-se de ação revisional que tem por objeto:

  • Contrato de Empréstimo Pessoal nº 033020023067, no valor de R$ 1.797,87, datado de 29/07/2020, com a incidência de juros remuneratórios de 22% ao mês e 987,22% ao ano. Juntado o contrato (evento 1 - contrato 4).

De início, consigno que o apelo restringe-se a impugnar o julgamento de parcial procedência da ação revisional.

ENCARGOS DA NORMALIDADE

JUROS REMUNERATÓRIOS

No tocante aos juros remuneratórios, as orientações do Superior Tribunal de Justiça, extraídas do julgamento do Recurso Especial n. 1.061.530/RS, datado de 22/10/2008, enfrentado para os efeitos do art. 1.036 do CPC são:

(...)

I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.

ORIENTAÇÃO. 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

(...)

Neste norte, impende referir que este colegiado adotou como um dos parâmetros para apuração da existência de abusividade na contratação, a taxa média de mercado registrada pelo Banco Central do Brasil – BACEN, à época da contratação, e em conformidade com a respectiva operação, somada ao percentual de 30% (trinta por cento), considerada como margem tolerável.

Além disso, também devem ser analisadas as peculiaridades inerentes ao caso concreto, de modo que deve haver criteriosa ponderação em relação ao tipo de operação de crédito contratado, a época em que firmado o contrato, o valor disponibilizado ao consumidor, bem como o prazo de pagamento e/ou financiamento, os custos inerentes à captação de recursos, a capacidade econômica do contratante, as garantias eventualmente exigidas, e ainda, a imprescindível análise do perfil de risco de crédito do contratante.

Portanto, a taxa média de juros divulgada pelo Bacen é apenas um referencial a ser ponderado para fins de constatação da prática abusiva dos juros, contudo, não impõe um limite que deve ser obrigatoriamente observado pelas instituições financeiras, na medida em que esta deve ser aplicada somente na hipótese de comprovação de cobrança exorbitante de juros.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA ABUSIVA. REVISÃO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A circunstância de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média do mercado não induz, por si só, à conclusão de cobrança abusiva, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras. 2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a cobrança abusiva (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento concreto. 3. No caso dos autos, a Corte de origem concluiu pelo caráter abusivo da taxa de juros remuneratórios porque fixada em valor exorbitante em relação à média de mercado, em contratos assemelhados. A modificação de tal entendimento é inviável em sede de recurso especial, nos termos das Súmulas 5 e 7 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1579114/RS AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2019/0269776-7, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 08/08/2022 Data da Publicação/Fonte DJe 19/08/2022) grifei

Com efeito, para aferir-se a abusividade ou não, dos juros remuneratórios contratados pelas partes, é necessário traçar um paralelo entre as taxas pactuadas e aquelas divulgadas no site do Banco Central do Brasil https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do? method=prepararTelaLocalizarSeries, conforme segue:

OPERAÇÃO

DATA DA CONTRATAÇÃO

TAXA PACTUADA MÉDIA BACEN +30%
1 Contrato de Empréstimo Pessoal nº 033020023067, no valor de R$ 1.797,87. Juntado o contrato (evento 1 - contrato 4).


29/07/2020


22% ao mês
987,22% ao ano


5,13% ao mês
82,37% ao ano


6,66 % ao mês
107,08% ao ano

No caso concreto, verifica-se que as taxas de juros são muito superiores às divulgadas pelo Bacen, à época da contratação correspondente, já acrescidas do percentual de 30%, o que se mostra exorbitante, diante das peculiaridades que envolvem a contratação, em especial, o tipo de operação, o valor disponibilizado, o prazo ajustado para pagamento, bem como o perfil do contratante, restando configurada a abusividade alegada.

Saliento, ainda, que embora a alegação da parte ré a respeito do risco da contratação, é sua a discricionariedade de conceder empréstimos a determinado segmento de clientes, em concorrência com as demais instituições financeiras atuantes no mercado, não podendo, assim, com tal argumento, pretender justificar a adoção de juros muito superiores à média.

Assim, cabível a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen, à época da contratação correspondente (Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado), conforme determinado na sentença.

No ponto,...

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