Acórdão nº 50027672020218210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50027672020218210004
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001553670
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002767-20.2021.8.21.0004/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, contrário à sentença proferida nos autos da ação revisional que lhe move ANA FELICIA BRIAO DWORAKOWSKI.

A fim de evitar tautologia, adoto o relatório da sentença:

"ANA FELICIA BRIÃO DWORAKOWSKI ajuizou a presente ação revisional de contrato contra PORTOCRED S. A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, postulando a revisão dos contratos firmados com a requerida (n.ºs 3801119802, 3801291283, 3801292254, 3801513988 e 3801514260), a fim de que sejam declaradas abusivas e nulas as cláusulas que preveem a cobrança de juros remuneratórios superiores à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para o mês da contratação, bem como sejam restituídos os valores pagos a maior, acrescidos de juros e correção monetária. Pediu, ainda, a inversão do ônus da prova e a concessão de gratuidade judiciária. Juntou documentos (Evento 1).

Foi deferida a gratuidade judiciária e procedida a anotação de sigilo no sistema (Evento 3).

Regularmente citada, a requerida contestou o feito, arguindo, preliminarmente, a carência de interesse processual pela impossibilidade de revisão dos contratos quitados, porquanto foram liquidados pela parte com base nas parcelas contratadas. Suscitou, em preliminar, a prescrição trienal em relação à pretensão de repetição de indébito, sendo devido, em caso de eventual condenação, o ressarcimento das parcelas pagas a partir de 03.05.2018. No mérito, impugnou os cálculos apresentados pela parte autora, ao argumento de que foram aplicadas equivocadamente as taxas e períodos de carência, e o pedido de repetição de indébito, fazendo ressalva de que, em caso de eventual procedência, os valores devem ser compensados com o saldo devedor existente. Asseverou, ainda, que não restaram preenchidos os requisitos para inversão do ônus da prova e que inexiste qualquer ilegalidade/abusividade nas operações celebradas. Por fim, argumentou que a taxa média de mercado divulgada pelo Bacen constitui mera informação, não sendo obrigatória a limitação dos juros remuneratórios de acordo com o referido parâmetro, e que é incabível a repetição de valor referente à dívida livremente contraída pela autora e já paga. Pugnou pelo acolhimento das preliminares arguidas e, no mérito, pela improcedência dos pedidos. Aportou documentos (Eventos 9 e 10).

Houve réplica (Evento 13).

Instadas a se manifestarem acerca do interesse na produção de outras provas, as partes quedaram inertes (Eventos 19 e 21).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É O RELATÓRIO."

E o dispositivo sentencial assim decidiu o feito:

"ISTO POSTO, com base no artigo 487, inciso I, do CPC, julgo procedentes os pedidos aforados por ANA FELICIA BRIÃO DWORAKOWSKI contra PORTOCRED S. A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, para limitar a cobrança de juros remuneratórios nos contratos firmados entre as partes à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para os meses das contratações (contratos n.ºs 3801119802 – 5,06% ao mês e 80,89% ao ano; 3801291283 - 1,76% ao mês e 23,33% ao ano; 3801292254 - - 1,76% ao mês e 23,33% ao ano; 3801513988 - 1,70% ao mês e 22,38% ao ano e 3801514260 - 1,70% ao mês e 22,38% ao ano), bem como para condenar a requerida a restituir os valores pagos a maior pela autora, em razão da determinação acima mencionada, restando autorizada, desde já, a compensação com eventual saldo devedor, nos termos da fundamentação.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do procurador da autora, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, a teor do artigo 85, § 2º, do CPC, levando em conta o trabalho realizado pelo profissional, bem como a natureza e a repercussão econômica da ação."

Em suas razões recursais, a parte ré arguiu a carência da ação, ante a impossibilidade de revisão de contratos já findos. Suscitou prejudicial de mérito, alegando que, no presente caso, com relação à pretensão de restituição do indébito, aplica-se a prescrição trienal, cujo prazo já se implementou. No mérito, discorreu acerca da impossibilidade de revisão contratual, uma vez que inexiste abusividade na cobrança dos encargos financeiros previstos na avença. Juntou os contratos firmados com a autora. Disse que, desse modo, descabe o pleito de repetição de valores, porquanto lícita a cobrança e devidos os pagamentos realizados. Requereu o acolhimento das preliminares e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos.

Intimada, a parte autora apresentou Contrarrazões.

Subiram os autos a este Tribunal de Justiça, tendo sido distribuídos a minha relatoria.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Da preliminar de carência da ação.

De início, cumpre ser afastada a preliminar de carência da ação arguida pela ré, uma vez que o fato de o contrato ter sido extinto pelo pagamento não impede o exercício do direito de revisão da contratação e repetição do indébito, ante a alegação de ilegalidades praticadas na relação jurídica.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. USUAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATOS BANCÁRIOS QUITADOS. REVISÃO.

POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA A LEI FEDERAL. SÚMULA 284/STF. INCIDÊNCIA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE.

1. Não há falar em usurpação de competência do Superior Tribunal de Justiça pela Corte Estadual, sob o argumento de que houve o ingresso indevido no mérito do recurso especial por ocasião do juízo de admissibilidade, porquanto constitui atribuição do Tribunal a quo, nessa fase processual, examinar os pressupostos específicos e constitucionais relacionados ao mérito da controvérsia, a teor da Súmula 123 do STJ.

2. Os contratos bancários são passíveis de revisão judicial, ainda que tenham sido objeto de novação, conforme enunciado da Súmula 286/STJ.

3. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a violação genérica de lei federal não enseja a abertura da via especial, aplicando-se, por analogia, a Súmula 284 do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia".

4. Admite-se a repetição do indébito ou a compensação de valores, independentemente da comprovação do erro no pagamento.

5. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 60.103/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 07/05/2012).

Em consonância com esse posicionamento, este Tribunal de Justiça uniformizou entendimento no sentido da possibilidade de revisão ou modificação de contratos extintos, pelo pagamento voluntário, em razão da configuração de ato jurídico perfeito, consoante o art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal e Súmula 286, do STJ.

Assim, rejeito a preliminar de carência da ação arguida pelo réu.

Da prescrição.

Sem razão o réu/apelante ao sustentar que a pretensão da parte autora encontra-se abarcada pela prescrição, por força do art. o art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, que prevê a incidência do prazo prescricional trienal.

No tópico, consigno que a prescrição aplicável ao caso dos autos é a decenal, prevista no art. 205 do CC, sendo o termo inicial de sua contagem a data de vencimento do instrumento contratual ou do último pagamento realizado.

Neste sentido é a orientação do colendo STJ, a qual, inclusive, é seguida por este Tribunal:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. BANCÁRIO. LANÇAMENTOS NA CONTA-CORRENTE DO AGRAVADO. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO (CÓDIGO CIVIL DE 1916) OU DECENAL (CÓDIGO CIVIL DE 2002). PRAZO PRESCRICIONAL DO CDC. INAPLICÁVEL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o prazo prescricional para as ações revisionais de contrato bancário, nas quais se pede o reconhecimento da existência de cláusulas contratuais abusivas e a consequente restituição das quantias pagas a maior, é vintenário (sob a égide do Código Civil de 1916) ou decenal (na vigência do novo Código Civil), porquanto fundadas em direito pessoal. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1.504.037/Bellizze).

“RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO RESTOU COMPROVADA A EXISTÊNCIA DE ANATOCISMO. REEXAME DE PROVAS E INTERETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE.

I.- O prazo prescricional para as ações revisionais de contrato bancário, nas quais se pede o reconhecimento da existência de cláusulas contratuais abusivas e a conseqüente restituição das quantias pagas a maior, é vintenário (sob a égide do Código Civil de 1916) ou decenal (na vigência do novo Codex) pois fundadas em direito pessoal. Precedentes. (...)

Agravo Regimental improvido.” (AgRg no REsp 1057248 / PR; DJe 04/05/2011; Relator Ministro SIDNEI BENETI).

“AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE MÚTUO. FUNDAÇÃO CORSAN. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. PRELIMINAR REJEITADA. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO RELATIVAMENTE A PARTE...

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