Acórdão nº 50027747920218210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50027747920218210014
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003178500
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002774-79.2021.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação (art. 180)

RELATORA: Juiza de Direito CARLA FERNANDA DE CESERO HAASS

APELANTE: RODRIGO BORGES RAMOS (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Esteio/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra RODRIGO BORGES RAMOS, nascido em 11/06/1992, dando-o como incurso nas sanções do art. 180, caput, combinado com o artigo 61, inc. II, “j”, ambos do Código Penal.

Narrou a peça vestibular acusatória, in verbis (1.1):

No dia 22 de maio de 2021, entre às 03h e às 19h, em local incerto e próximo ao n.º 191 da Rua Luis e Jardim, na via pública, em Esteio, o denunciado, RODRIGO BORGES RAMOS, recebeu e conduziu, em proveito próprio, o automóvel VW/GOL, cor branca, placa IJJ-7666; e um estepe preto, marca GS Type, G 26, 185/60 R14, coisas que sabia serem produtos de crime, de propriedade de Fabiano Freitas Viana.

Na ocasião, policiais militares foram informados de que o denunciado estava dirigindo um veículo em situação de furto nas proximidades da Vila Cruzeiro. A guarnição, então, dirigiu-se ao endereço e conseguiu localizar o denunciado no momento em que ele desembarcava do veículo. Ato contínuo, Rodrigo tentou empreender fuga, porém os policiais lograram êxito em prendê-lo na frente de sua residência. Foi confirmado que o veículo estava em situação de furto, sendo encontradas, na posse do denunciado, chaves de outros veículos. Dentro da residência de Rodrigo, foi encontrado o estepe do automóvel.

O automóvel foi avaliado em R$ 4.875,00 (quatro mil, oitocentos e setenta e cinco reais), conforme auto de avaliação indireta do inquérito policial e era oriundo da prática delitiva de furto, conforme ocorrência policial n.º 7326/2021/100825, registrada no dia 22/05/2021, às 16h13min.

O imputado praticou o delito descrito durante a vigência do Decreto n.º 55.128/2020, editado pelo Governo Estadual em 19 de março de 2020, o qual decretou estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19.

Recebida a peça acusatória em 14/06/2021 (3.1), o réu foi citado e, por intermédio de Defensora Pública, apresentou resposta à acusação.

Ausente hipótese de absolvição sumária, foi designada a audiência de instrução, procedendo-se à oitiva da vítima e das testemunhas, optando, o réu, em fazer uso de seu direito de permanecer em silêncio (36.1).

O Ministério Público e a Defensoria Pública apresentaram memoriais em substituição às alegações finais orais (39.1 e 42.1).

Atualizados os antecedentes criminais do imputado (44.1).

Em 15/06/2022, resultou prolatada sentença (45.1), julgado procedente o pedido formulado pela acusação, ao efeito de condenar o réu RODRIGO BORGES RAMOS como incurso nas sanções do artigo 180, caput, c/c artigo 61, incisos I e II, alínea “j”, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime semiaberto, e à multa de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo. Custas pelo condenado, com exigibilidade do pagamento suspensa.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação (53.1). Em suas razões, arguiu, em preliminar, a nulidade da prova obtida mediante invasão de domicílio, ao argumento de que realizadas as buscas no interior da residência sem a existência de mandado judicial ou autorização de ingresso pelo indigitado. No mérito, postulou a absolvição do apelante por insuficiência de provas, aduzindo embasado o decreto condenatório unicamente nos relatos policiais. Subsidiariamente, requereu a redução da pena-base imposta e o afastamento da agravante do estado de calamidade pública (59.1).

Apresentadas as contrarrazões ministeriais (67.1) e pessoalmente intimado o sentenciado acerca do veredicto (72.1), subiram os autos a esta Egrégia Corte, manifestando-se a Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do apelo (7.1).

Conclusos os autos para julgamento.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, sendo observado o disposto no art. 207, inc. II, do RITJRS e no art. 609 do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

O voto, adianto, encaminha-se pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo provimento do apelo defensivo.

Da preliminar de nulidade da prova. Invasão de domicílio.

Não prospera a preliminar arguida, de que forçado o ingresso no domicílio do réu e maculada a prova obtida.

Com efeito, colhe-se do expediente investigativo, subtraído o veículo Gol CL, modelo 1989, placa IJJ7766, na madrugada do dia 22/05/2021 (BO 7326/2021/10.08.05 - processo 5002403-18.2021.8.21.0014/RS, evento 1, P_FLAGRANTE1, fls. 11/12), tão logo comunicada a ocorrência, de posse das informações repassadas pelo Setor de Inteligência da Brigada Militar a indicar a presença do aludido automotor em deslocamento nas imediações da Vila Cruzeiro, no Município de Esteio, os policiais André Luís e Tiago, encetadas as buscas, avistaram o suspeito, de alcunha "Diguinho", por volta das 19h10min, no exato momento em que desembarcava de tal veículo, com ele encontrada também uma chave micha. E, nesse contexto, flagrado em via pública na posse do automóvel em ocorrência de furto, ao que consta, o indigitado ainda teria confidenciado que deixara o estepe em sua residência, onde de fato localizado e apreendido tal bem, juntamente com dois rádios veiculares e diversas chaves de automotores.

Deste desencadear dos acontecimentos, exsurge a situação de flagrância, o suspeito, abordado em via pública na posse do automóvel em ocorrência de furto, em tese indicando onde depositado o estepe apreendido, a autorizar a vulneração da inviolabidade do domicílio, a teor do inc. XI do art. 5º da Constituição Federal, despicienda autorização judicial por meio de Mandado de Busca e Apreensão.

Nesse sentido, decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA O INGRESSO FORÇADO DE POLICIAIS. DILIGÊNCIAS PRÉVIAS. FUNDADAS RAZÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial para busca e apreensão é legítimo se amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, principalmente nos delitos permanentes.
2. Afere-se a justa causa para o ingresso forçado em domicílio mediante a análise objetiva e satisfatória do contexto fático anterior à invasão, considerando-se a existência ou não de indícios mínimos de situação de flagrante no interior da residência.
3. Investigação policial originada de informações obtidas por inteligência policial e por diligências prévias que redunda em acesso à residência do acusado não se traduz em constrangimento ilegal, mas sim em exercício regular da atividade investigativa promovida pelas autoridades policiais.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC n. 163.572/MT, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 8/8/2022.)

Não se descuida, ainda, que a Sexta Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, em sessão realizada em 02/03/2021, estabeleceu o standard probatório para ingresso no domicílio de suspeito sem mandado judicial, assentando que [e]m todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo. Todavia, fora concedido o prazo de um ano para permitir o aparelhamento e treinamento das polícias, de modo que inaplicável esta exigência ao fato em comento, perpetrado em 22/05/2021.

Da insuficiência de provas para a condenação.

Emerge do expediente investigativo, a ocorrência do furto foi levada a registro perante a autoridade policial às 16h13min do dia 22/05/2021, dando conta de que, em tese, subtraído o veículo Gol CL, placa IJJ7766 - que se encontrava estacionado em frente à residência do vitimado, situada na Rua Lajeado, nº 117, Centro de Esteio -, após as 03h da madrugada (1.1, fls. 11/12).

Depreende-se, ainda, que, por volta das 19h10min do mesmo dia 22/05/2021, o indigitado foi surpreendido pelos policiais militares André Luís e Tiago ao desembarcar do aludido automotor, com ele sendo encontrada também uma chave micha.

Ocorre que, muito embora demonstrada a posse do bem pelo apelante, flagrado, ademais, com o estepe do veículo já depositado em sua moradia, a conduta que lhe foi atribuída na exordial acusatória é agir que não está revelado nos autos, insuficientes, no aspecto, os substratos probatórios colacionados ao feito para estampá-la, existentes indícios de que o apelante seria, em realidade, o autor do delito de furto antecedente.

Em...

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