Acórdão nº 50028033520218210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 22-02-2023

Data de Julgamento22 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50028033520218210013
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003182523
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002803-35.2021.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Transporte Terrestre

RELATOR: Desembargador GUINTHER SPODE

APELANTE: LUIZ CARLOS MORARI (AUTOR)

APELADO: VDA LOGISTICA E TRANSPORTES LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por LUIZ CARLOS MORARI, porquanto inconformado com a sentença de improcedência exarada na ação de cobrança ajuizada contra a VDA LOGÍSTICA E TRANSPORTES LTDA.

Adoto, inicialmente, o relatório constante da sentença recorrida:

LUIZ CARLOS MORARI, já qualificado nos autos, ajuizou AÇÃO DE INDENIZAÇÃO em desfavor de AFG LOGÍSTICA E TRANSPORTES DE CARGAS LTDA., igualmente qualificada. Aduziu, em síntese, que foi sub-contratado pela ré para a realização de alguns fretes, sendo que durante a realização do percurso da viagem, o veículo do autor passou por diversos trechos de rodovias concedidos à iniciativa privada, sem que a ré tenha fornecido o vale-pedágio. Diante disso, não tendo a ré destacado em campo específico os valores eventualmente repassados ao autor a título de vale-pedágio, presume-se que foi o transportador quem arcou com os referidos valores, fazendo, portanto, jus, o autor, à indenização pretendida. Ao final, requereu o julgamento procedente dos pedidos, com a condenação da demandada ao dobro dos valores dos fretes realizados, devidamente corrigidos. Juntou documentos (Evento 1).

A parte autora foi intimada a comprovar a necessidade do benefício da Gratuidade da Justiça (Evento 3), juntando documentos no Evento 6.

Recebida a inicial, foi deferido o benefício da Gratuidade da Justiça à parte autora e determinada a citação (Evento 8).

Foi designada audiência de conciliação (Evento 11), a qual foi cancelada em face do desinteresse da parte requerida (Evento 25).

Citada, a parte ré apresentou contestação (Evento 23), arguindo, em prefacial ao mérito, a prescrição. No mérito, alegou que o autor pleiteia indenização por supostamente não ter recebido vale-pedágio, no entanto, não traz aos autos qualquer comprovante de pagamentos dos supostos pedágios que alega existir na rota, podendo, quando da época dos fatos, inexistir pedágio, inexistir a cobrança no sentido do transito ou ainda poderia, na data dos fatos, caso existissem praças de pedágios nos trechos os mesmos não estarem em operação. Pugnou pelo julgamento improcedente dos pedidos. Juntou documentos.

Houve réplica (Evento 32).

Intimadas as partes sobre o interesse na produção de outras provas, ambas dispensaram a dilação probatória (Eventos 37 e 40).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É O RELATÓRIO.

Acrescento que o dispositivo da decisão recorrida possui o seguinte teor:

Diante do acima exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos da presente ação, proposta por LUIZ CARLOS MORARI em face de AFG LOGÍSTICA E TRANSPORTES DE CARGAS LTDA., com fundamento no artigo 487, I do CPC.

Sucumbente, condeno o requerente ao pagamento das custas e honorários advocatícios devidos à parte adversa, os quais fixo em R$ 1.500,00, nos termos do art. 85 §2º e § 8º, do CPC. Exigibilidade do pagamento da sucumbência suspensa, em razão da gratuidade da justiça anteriormente deferida à autora.

Em suas razões recursais, o autor pretende a reforma da sentença de improcedência sob o argumento de que não está cobrando o valor do pedágio, sendo totalmente desnecessário juntar o comprovante de pagamento, o objeto da presente demanda é a condenação da apelada ao pagamento de indenização em razão do não fornecimento do vale pedágio instituído pela Lei nº 10.209/01. Ademais, os comprovantes de pagamento de pedágios são impressos em papel termossensível cujas informações acabam durando poucos meses, razão pela qual a juntada dos mesmos pouco auxiliaria no deslinde da causa. Também refere que passou por diversas praças de pedágio ao longo do percurso, e, assim, faz jus à pretensão formulada. Aduz que o fornecimento do vale-pedágio não é uma obrigação de ressarcimento, pois deve ser antecipado ao transportador e o ônus dessa prova é do demandado. Requer o provimento do recurso.

Ausente o preparo, eis que o demandante litiga com amparo da gratuidade da justiça.

Nas contrarrazões a parte ré, reprisa preliminares suscitadas quanto à e violação do princípio da dialeticidade, bem como a revogação da gratuidade da justiça, e, no mérito, pugna pela ratificação da sentença recorrida.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Inicio pelo exame da preliminar contrarrecursal de violação do princípio da dialeticidade que, antecipo o desate no sentido de sua rejeição.

Da leitura das razões recursais, se pode concluir que elas se contrapõem com razoável suficiência aos fundamentos da sentença, deixando claro que busca a reversão do entendimento sufragado pelo magistrado a quo que, no caso, julgou improcedente a pretensão autoral.

Assim, entendo esteja atendido o requisito previsto no artigo 1.010, inciso II, do Código de Processo Civil não havendo falar que o recurso, submetido ao exame deste grau de jurisdição, possui razões dissociadas da sentença.

Melhor sorte não aguarda a apelada em sua pretensão de afastar a concessão da gratuidade em prol da demandante, eis não logrou êxito em demonstrar que a autora não faça jus ao amparo legal.

Passo ao exame do mérito recursal.

Trata-se de ação em que o autor postula a condenação da parte ré, ao pagamento da multa prevista na Lei nº 10.209/2001, em face da não antecipação do vale-pedágio obrigatório.

A Lei nº 10.209/2001, ao instituir o denominado "vale-pedágio obrigatório", estabeleceu que, se o transportador for veículo de carga, o custo será devido pelo "embarcador" ou pelo "equiparado" (contratante do serviço de transporte, proprietário ou não da carga, ou a empresa que subcontratar o serviço).

Ademais, prossegue a referida Lei, no § 2º do art. 3º, que “o Vale-Pedágio obrigatório deverá ser entregue ao transportador rodoviário autônomo no ato do embarque decorrente da contratação do serviço de transporte no valor necessário à livre circulação entre a sua origem e o destino.”

O artigo 8º da Lei nº 10.209/2001 tem o seguinte teor:

Art. 8º - Sem prejuízo do que estabelece o art. 5º, nas hipóteses de infração ao disposto nesta Lei, o embarcador será obrigado a indenizar o transportador em quantia equivalente a duas vezes o valor do frete.

Inicialmente, válido o registro de que o entendimento desta Câmara Cível, na esteira do decidido pelo egrégio Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI nº 6.031/DF, é no sentido da constitucionalidade da previsão legal acima destacada, tornando obrigatória a indenização equivalente a duas vezes o valor do frete, diante da não demonstração do adiantamento do vale-pedágio.

Reforça o entendimento supra, a orientação pacificada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a multa prevista no artigo 8º da Lei nº 10.209/2001 configura uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga. Assim sendo, incabível o cotejo da previsão da lei especial com as disposições dos artigos 412 e 413 do Código Civil, em face do que impossível a convenção das partes para lhe alterar o conteúdo.

Nesse sentido, colaciono:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. TRANSPORTE DE CARGA. VALE PEDÁGIO. LEI 10.209/2001. "DOBRA DO FRETE". NORMA COGENTE. INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA SUPRESSIO. PENALIDADE QUE NÃO ADMITE A CONVENÇÃO DAS PARTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não se aplica o instituto da 'supressio' na relação entre o transportador e o contratante do serviço de transporte a fim de tornar inexigível o pagamento do vale-pedágio de forma adiantada e em separado, tendo em vista a natureza cogente da norma que institui a multa denominada de "dobra do frete".
2. "A penalidade prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001 é uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga, razão pela qual não é possível a convenção das partes para lhe alterar o conteúdo, bem assim a de se fazer incidir o ponderado art.
412 do CC/02" (REsp 1.694.324/SP, Rel.
p/ acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe de 05/12/2018).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1532681/SP, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 13/02/2020)

Feitas essas indispensáveis considerações, passo ao exame da questão propriamente dita.

Do cotejo entre a legislação acima reavivada com o contexto debatido, forçoso concluir pela viabilidade de dar guarida ao pleito recursal que busca a reversão do juízo de improcedência da ação.

Isso porque resulta evidente da análise dos subsídios probatórios carreados ao feito que a transportadora ré, que contratou o demandante para realizar o transporte da carga, equivale ao embarcador e, assim, está obrigada a indenizar o transportador no equivalente a duas vezes o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT