Acórdão nº 50028225020228211001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50028225020228211001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002936394
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002822-50.2022.8.21.1001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: ANNANIAS DIAS DE ANDRADE (AUTOR)

APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

ANNANIAS DIAS DE ANDRADE interpõe recurso de apelação em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos por si formulados contra BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., nos seguintes termos:

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para manter as estipulações pactuadas nos contratos ora analisados. Condeno a parte autora, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador da requerida. Suspensa a exigibilidade à parte autora, em razão da AJG.

Em suas razões, a parte apelante sustenta a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado. Pugna pela compensação do indébito, bem como pela condenação do réu ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Eminentes colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprio e tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

Deixa-se, entretanto, de conhecer do ponto relativo ao "VALOR DESTINADO PARA LIQUIDAÇÃO DAS OPERAÇÕES ANTERIORES" porque, ao que se verifica, não foi ventilado na peça exordial ou em réplica, e tampouco foi enfrentado em sentença, de modo a caracterizar, neste momento, inovação recursal.

Assim, vai conhecido em parte o recurso, o qual passo a analisar.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação revisional dos contratos de empréstimo pessoal nsº 230473699, 230473524 e 230473729, na qual a sentença julgou improcedentes os pedidos formulados pela parte autora.

Em recurso de apelação, o consumidor insurge-se, defendendo a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado. Solicita a devolução dos valores pagos a maior e, por fim, requer indenização por danos morais.

A instituição financeira ré, em contrarrazões, pede a revogação da benesse de gratuidade da justiça concedida ao autor em 1° grau.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. REVOGAÇÃO DA AJG.

Em suas razões a parte ré assevera a inexistência nos autos de qualquer elemento que indique a condição de miserabilidade da parte agravada. Diante disso, requer a revogação do benefício da AJG deferido à parte contrária.

No caso verifico que a parte autora, efetivamente, necessita da assistência judiciária gratuita para poder discutir o seu alegado direito, até porque os elementos colacionados comprovam que ele não tem condições de bancar as elevadas custas judiciais.

Ao mais, a impugnação é por demais genérica e sequer traz prova de modificação da situação financeira do apelado, sem nenhum elemento concreto das alegações, motivo pelo qual deve ser mantido o benefício da Assistência Judiciária Gratuita deferido em primeira instância.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Este colegiado, com a convicção de que se está frente à relação de consumo, entende aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados com instituições financeiras, como na espécie, na esteira de maciça jurisprudência e da Súmula 297 do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Paralelo a isso, impende referir que é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de, em havendo indícios de abusividade, ser possível a apreciação do contrato e de suas cláusulas com o intuito de afastar eventuais ilegalidades, mesmo em face das parcelas já pagas, em homenagem ao princípio que impede o enriquecimento sem causa, sendo inclusive prescindível a discussão a respeito de erro no pagamento.

A única ressalva a respeito do tema, contudo, é a inadmissibilidade de revisão ex officio das cláusulas contratuais consideradas abusivas, ainda que incidentes as regras do Estatuto Consumerista na espécie, na exegese da Súmula nº 381 da Corte Superior: Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

Destarte, tem-se por possível a revisão da relação contratual havida entre as partes, limitada, entretanto, às questões suscitadas pela parte interessada.

JUROS REMUNERATÓRIOS

Sabe-se que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não mais sofrem as limitações da Lei da Usura, consoante determinando na Súmula nº 596 do STF:

Súmula nº 596: As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

No mais, a limitação dos juros remuneratórios a partir da aplicação do Código de Defesa do Consumidor depende da comprovação da abusividade, verificada caso a caso, a partir da taxa média de mercado registrada pelo BACEN à época da contratação e conforme a natureza do crédito alcançado (crédito pessoal, cheque especial, capital de giro), ou seja, que não se caracteriza somente pelo fato da pactuação ser em percentual superior a 12% ao ano. Esse, ademais, é o sentido da Súmula n.º 382 do STJ: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Consequentemente, quando restar demonstrada a exorbitância do encargo, admite-se o afastamento do percentual de juros avençado pelas partes contratantes.

Nesse contexto, o Julgamento efetuado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.061.530/RS, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos:

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

Assim, no norte trilhado pelo eg. STJ, para verificação da configuração, ou não, de abusividade, deve-se fazer o confronto entre as taxas de juros cobradas pela instituição financeira e as constantes da tabela divulgada pelo BACEN para as mesmas operações de crédito1.

Dito isso é que, no presente caso, em consulta as ferramentas disponibilizadas pelo BACEN, verifica-se que os encargos praticados nos contratos revisandos excedem à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central - série 25468, sendo, portanto, abusivos os juros, que deverão ser revistos.

N° do Contrato Taxa de juros pactuada Taxa média de mercado
230473699 1,59% a.m. 1,57% a.m.
230473524 1,59% a.m. 1,57% a.m.
230473729 1,73% a.m. 1,57% a.m.

O REsp nº 1.061.530/RS, foi julgado sob o farol protetivo das regras do CDC, concluindo-se, como corolário do princípio da coerência, que o patamar mais adequado ao consumidor, não pode ser superior ao da taxa média. Assim, as taxas previstas nos contratos, ultrapassam a tabela do Banco Central, o que configura abusividade.

Quanto a questão pontual da margem de tolerância, importante referir que a mais alta Corte infraconstitucional elegeu, sob a égide dos dispositivos consumeristas, e à falta de outro parâmetro mais incisivo, a taxa medida mensal dos juros cobrados no mercado bancário, homologada e publicada pelo BACEN, como baliza para a aferição do eventual excesso na cobrança dos juros.

O pressuposto é de que essa taxa média é não apenas o parâmetro para a redução do excesso de juros como, também, para a aferição dele. Isso, a partir da evidência lógica de que, devendo o excesso encontrado ser reduzido ao valor expresso na taxa média, aquilo que estiver além desta deve ser considerado como excessivo.

Quando a taxa média mensal é ultrapassada, a conclusão é a de que há excesso passível de redução por “processos de revisão bancária” (sic), porque “os juros estão acima do mercado.”(sic). Acrescentar-se à média outro valor, implica na distorção da própria média, com a agravante dessa distorção voltar-se contra o mutuário prejudicado e beneficiar quem está na busca de lucros maiores além dos já altos juros da média, o que colide frontalmente com os princípios regentes do Código do Consumidor.

Desse modo, no ponto, vai provido o recurso da autora, para limitar os juros remuneratórios dos contratos sub judice à taxa média de mercado, considerando a natureza de cada contrato e a época de cada contratação.

REPETIÇÃO DO INDÉBITO/COMPENSAÇÃO DE VALORES

Nas ações revisionais, como aqui em exame em que reconhecidas cláusulas abusivas, perfeitamente possível a ocorrência de pagamento de valores a maior por parte do consumidor demandante. A compensação desses valores pagos a mais e o montante do débito persistente é decorrência natural da revisão.

Tal postulado decorre de uma combinação entre o que preveem os artigos. 876 e 940 do Código Civil

Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo...

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