Acórdão nº 50028413120208210062 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50028413120208210062
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002240764
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5002841-31.2020.8.21.0062/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio Simples (art. 121 caput)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na 1ª Vara Judicial da comarca de Rosário do Sul/RS, o Ministério Público denunciou CAIAN SOARES DOS SANTOS, com 25 anos de idade na época dos fatos (nascido em 27/09/1995), pela suposta prática do crime previsto no artigo 121, caput, na forma do artigo 14, inciso II, todos do Código Penal.

É o teor da peça acusatória (evento 1, INIC1):

No dia 06 de dezembro de 2020, por volta das 23h30min, na rua Riachuelo esquina com a rua Garibaldi, 1.612, bairro Santo Antonio, em Rosário do Sul/RS, CAIAN SOARES DOS SANTOS tentou matar a vítima Carlos Alexandre Marques Ramos, vulgo Curto, mediante golpe de arma direcionado à região abdominal, causando-lhe exposição das alças intestinais (ficha de atendimento ambulatorial), somente não consumando o seu intento por circunstâncias alheias a sua vontade, na medida em que a vítima recebeu pronto e eficaz atendimento médico no Hospital Local.

Na oportunidade, o denunciado se dirigiu até a residência de Luciana, ocasião em que encontrou a vítima Carlos Alexandre. Devido a suposto desentendimento do ofendido com Doralina Soares, mãe de CAIAN, o denunciado interpelou o agredido, momento em que lhe convidou para se dirigir ao lado externo da casa para resolver a contenda.

Ato contínuo, no instante em que discutiam na frente da residência, CAIAN, previamente munido de uma arma branca, sacou o artefato e desferiu um golpe na região abdominal da vítima, causando-lhe graves lesões como acima descrito.

No mais, para evitar desnecessária tautologia, assim como homenagear o trabalho do nobre Colega a quo, Dr. José Leonardo Neutzling Valente, reproduzo abaixo o relatório trazido na sentença, que bem narrou a marcha processual:

Decretada a prisão preventiva do acusado, em 15/12/2020, conforme expediente n° 5002310-42.2020.8.21.0062/RS.

Recebida a denúncia, em 18/12/2020 (E03).

O réu foi citado (E08) e apresentou resposta à acusação (Evento 11).

Determinado o prosseguimento do feito (E16), com a designação de audiência de instrução.

Durante a instrução, procedeu-se à oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como ao interrogatório do acusado (E57, 138, 178 e 244).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais, certificando-se os antecedentes criminais do réu (E249).

Em memoriais, o Ministério Público requereu a pronúncia do acusado, nos termos da denúncia (E251).

A defesa, por sua vez, sustentou a ausência de animus necandi do agir do acusado, bem como discorreu sobre a aplicação da excludente da legítima defesa. Requereu a absolvição sumária do acusado, em razão da legítima defesa ou, subsidiariamente, a desclassificação para o crime de exercício arbitrário das próprias razões. Pugnou pela isenção das custas, diante da hipossuficiência financeira do réu. Requereu a revogação da prisão preventiva (E261).

Acostado novo documento pelo Ministério Público (E257), foi renovada vista à defesa, a qual manifestou-se no E265.

Por sentença publicada em 19/11/2021, o réu CAIAN SOARES DOS SANTOS foi PRONUNCIADO como incurso nas sanções do artigo 121, "caput", c/c o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, sendo-lhe facultado o direito de recorrer em liberdade - revogada a prisão preventiva (evento 267, SENT1).

O Ministério Público opôs embargos de declaração (evento 283, EMBDECL1), os quais foram acolhidos, extirpando-se trecho da pronúncia, com o escopo de evitar excesso de linguagem (evento 286, DESPADEC1).

Inconformado, o Ministério Público recorreu (evento 1, RAZRECUR2), pugnando pelo restabelecimento da prisão cautelar do denunciado.

Esta Segunda Câmara Criminal, em sessão virtual de julgamento realizada em 21/3/2022, deu parcial provimento ao recurso, decretou a prisão cautelar do acusado (evento 13, EXTRATOATA1)

Inconformada com a sentença de pronúncia, recorreu a Defesa (evento 280, PET1).

Em suas razões, pugnou pela absolvição sumária em razão de que o acusado agiu em legítima defesa. Subsidiariamente, requereu a despronúncia do réu, com base no artigo 414 do Código de Processo Penal. Ainda subsidiariamente, pleiteou a desclassificação do fato para o delito de exercício arbitrário das próprias razões (evento 293, RAZRECUR1).

Apresentadas contrarrazões (evento 298, CONTRAZ1), o decisum combatido foi mantido em juízo de retratação (evento 300, DESPADEC1).

Os autos foram remetidos a este Sodalício, sendo distribuídos à minha Relatoria (evento 4, INF1).

Nesta instância, em parecer exarado pelo Dr. Eduardo Bernstein Iriart, Procurador de Justiça, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso (evento 9, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, passo à análise do mérito.

I - Requisitos do artigo 413 do Código de Processo Penal

De início, importante destacar que, na decisão de pronúncia, veda-se ao Julgador análise "exaustiva, percuciente do processo, como se estivesse julgando um crime de sua competência"1, porquanto somente ao Conselho de Sentença, diante de expressa determinação no texto constitucional, incumbe o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Exige-se do Juiz togado, tão somente, nesta decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra o judicium accusationes, a indicação de prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, a teor do artigo 413 do Código de Processo Penal.

Nessa toada, descabe ao Juiz togado, nesta fase processual, realizar exame percuciente do almanaque probatório, bem como a integralidade de fatores que permeiam a acusação, tal apreciação acurada competindo ao Conselho de Sentença, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVIII, “d”, da Constituição Federal.

Entretanto, como preleciona Campos (2021, p. 341/342):

Deve-se tomar redobrado cuidado na interpretação do art. 413, § 1º do CPP que limita a fundamentação da pronúncia à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Isso porque, numa leitura literal de tal dispositivo, a fundamentação, da decisão de pronúncia limitar-se-ia, tão somente, a indicar páginas referentes ao laudo de exame de corpo de delito ou necroscópico e aquelas onde constam os depoimentos colhidos e mais nada! Ora, não se pode aceitar essa indicação de provas como fundamento da decisão; é preciso que o magistrado, além de apontar onde constatou as evidências de materialidade e autoria, analise sua eficácia probante, se suficiente ou não para levar o processo a ser julgado pelo Tribunal do Júri, sem inocorrer; é claro, em exageros terminológicos que poderiam comprometer a imparcialidade dos jurados.2

À luz de tais diretrizes, verifica-se que a materialidade do crime restou evidenciada pela comunicação de ocorrência (evento 1, AP-INQPOL2, fl. 3), ficha de atendimento ambulatorial (evento 1, AP-INQPOL2, fls. 18/27), laudo pericial (evento 257, LAUDO2), além da prova oral colhida em Juízo.

No que se refere à alegação defensiva de suposta contradição entre o auto de exame de corpo de delito e o laudo pericial vinculado aos autos, assim como já bem delineado na sentença de pronúncia, inexistem dúvidas acerca das características do instrumento utilizado para causar as lesões registradas pelo ofendido, qual seja, um disco de arado.

Nesse sentido, o laudo pericial acostado aos autos (evento 257, LAUDO2), elaborado por Perito Médico-Legista vinculado ao Instituto-Geral de Perícias, no quesito nº 2, aponta de forma clara a utilização de instrumento cortante, sendo plenamente compatível com o restante do caderno probatório, de modo que plenamente comprovada a materialidade delitiva.

Ademais, ainda atrelado à fundamentação exposta na sentença, verifica-se que possivelmente o auto de exame de corpo de delito apesenta erro material, na medida em que descreve lesões alheias aos fatos descritos na denúncia, bem como relata a ocorrência de suposto acidente de trânsito, que em nada se relaciona com o delito contra a vida objeto da presente ação penal.

Da mesma forma, indícios suficientes de autoria.

No aspecto, com o escopo de evitar desnecessária tautologia, homenageando o trabalho do colega a quo, peço vênia para transcrever o resumo da prova oral procedido na sentença, realizado com precisão e propriedade:

A vítima Carlos Alexandre Ramos, vulgo Curto, inicialmente, alegou que jamais ameaçou ou agrediu a mãe do denunciado. Confirmou que, na data do fato, o réu Caian lhe desferiu golpes de arma branca no abdômen. Relatou que se dirigiu até a casa do seu amigo, sendo que, logo após, Caian ingressou na residência. Disse que Caian interpelou a vítima sobre a suposta agressão a sua mãe, mas negou, pois frisou que não ameaçou, nem agrediu a mãe do denunciado. Frisou que fazia mais de uma semana que não conversava com a mãe do réu, e negou ter brigado ou discutido com ela. Asseverou que, então, o réu o golpeou no abdômen. Afirmou que, após o primeiro golpe, um falecido amigo separou a contenda. Sustentou que esteve muito perto da morte, já que um médico o contou que tinha 80% de chance de falecer. Falou ter ficado nove dias hospitalizado. Contou que sempre conheceu e conviveu com Caian. Confirmou que havia ingerido bebida alcoólica naquele dia. Disse que seu amigo José Alessandro, alcunha Badi (vítima recente de homicídio) foi quem apartou a briga. Mencionou que depois do golpe não visualizou mais o...

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