Acórdão nº 50028468320218210073 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50028468320218210073
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001667398
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002846-83.2021.8.21.0073/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou CLEBER DA SILVEIRA DUARTE, dando-o como incurso nas sanções dos arts.33 e 35, c/c artigo 40, incisos III e VI, todos da Lei n.º 11.343/06, e no artigo 244-B da Lei n.º 8.069/90., pela prática dos seguintes fatos delituosos:

1º FATO:

No dia 12 de março de 2021, por volta das 21h30min, na Avenida Ipiranga, n.º 1.053, Bairro Ipiranga, em Imbé, RS, o denunciado CLEBER DA SILVEIRA DUARTE e o inimputável Wesley Gabriel Coimbra dos Santos (DN: 19/01/2004), então com 17 anos de idade, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, traziam consigo e guardavam, para fins de fornecimento a consumo de terceiros, 01 (um) tijolo de cannabis sativa, pesando, aproximadamente, 364g (trezentos e sessenta e quatro gramas), 01 (uma) porção da cannabis sativa, pesando, aproximadamente, 21g (vinte e uma gramas), droga que possui o princípio ativo tetraidrocanabinol, vulgarmente conhecidas por “maconha”, e 23 (vinte e três) porções de cocaína em forma de pedra, vulgarmente conhecida como “crack”, pesando, aproximadamente, 2g (duas gramas), sem autorização e em desacordo com disposição legal e regulamentar, substâncias causadoras de dependência física e psíquica, drogas proscritas pela Portaria n.º 344/98 – SVS/MS.

Na ocasião, guardas municipais receberam o comunicado de que indivíduos estariam traficando drogas no local supracitado. Passo seguinte, os agentes deslocaram-se ao endereço, onde, então, flagraram o denunciado e o adolescente, em atitudes suspeitas, momento em que eles correram em fuga, sendo alcançados e detidos pelos guardas.

Ato contínuo, os guardas efetivaram busca pessoal em cada um deles. O denunciado CLEBER trazia consigo, embaixo de sua camiseta, 01 (um) tijolo de cannabis sativa, pesando, aproximadamente, 364g (trezentos e sessenta e quatro gramas). O adolescente Wesley, por sua vez, trazia consigo, no bolso de sua bermuda, 01 (uma) porção da cannabis sativa, pesando, aproximadamente, 21g (vinte e uma gramas) e 23 (vinte e três) porções de cocaína em forma de pedra, vulgarmente conhecida como “crack”, pesando, aproximadamente, 2g (duas gramas).

Além das drogas, com o denunciado e o inimputável os guardas municipais apreenderam, ainda, o valor de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais) em moeda corrente nacional e 01 (uma) balança de precisão

O denunciado foi preso em flagrante e conduzido à Delegacia de Polícia. Os objetos foram constritos.

2º FATO:

No dia 12 de março de 2021, por volta das 21h30min, na Avenida Ipiranga, n.º 1053, Bairro Ipiranga, em Imbé, RS, o denunciado CLEBER DA SILVEIRA DUARTE e o inimputável Wesley Gabriel Coimbra dos Santos (DN: 19/01/2004), então com 17 anos de idade, associaram-se para o fim de praticar o crime de tráfico ilícito de drogas.

Na ocasião, o denunciado CLEBER DA SILVEIRA DUARTE e o adolescente Wesley Gabriel Coimbra dos Santos reuniram-se para efetivar o tráfico da droga “crack”, subproduto da cocaína, e da substância cannabis sativa, vulgarmente conhecida por “maconha”.

3º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local descritas no primeiro e segundo fatos delituosos, o denunciado CLEBER DA SILVEIRA DUARTE corrompeu o adolescente Wesley Gabriel Coimbra dos Santos (DN: 19/01/2004), então com 17 anos de idade na época dos fatos, induzindo-o a praticar e com ele praticando as infrações penais descritas no 1º e 2 º fatos.

Na ocasião, o denunciado CLEBER induziu e praticou com o adolescente Wesley o crime de tráfico de drogas e de associação para o tráfico de drogas descritos no primeiro e segundo fatos.

A denúncia foi recebida em 12 de abrirl de 2021 (evento 18, DESPADEC1)

No decorrer da instrução foram ouvidas as testemunhas e, ao final, interrogado o acusado (evento 37, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, foi determinada a substituição dos debates orais por apresentação de memoriais, tendo sido atendido pelas partes (evento 39, MEMORIAIS1 e evento 49, MEMORIAIS1).

Sobreveio sentença (evento 51, SENT1), em 28/07/2021, julgando parcialmente procedente a denúncia para condenar o réu como incurso no artigo 33, §4º, c/c artigo 40, inciso VI, ambos da Lei n.º 11.343/06, às penas de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, mais 500 (quinhentos) dias-multa.

Inconformada, a defesa pugnou, preliminarmente, a ilicitude da prova obtida por meio da prisão em flagrante, tendo em vista que fora realizada por guardas municipais. No mérito, sustenta a ausência de provas da prática delitiva, ressaltando que não há elementos robustos para ensejar uma condenação. Postula, ainda, a desclassificação da conduta para aquela do art. 28 da Lei de Drogas, sustentando se tratar o acusado de mero usuário de drogas. Por fim, caso mantida a condenação, pede a exclusão da majorante do artigo 40, VI e elevação do quantum de redução de pena pelo reconhecimento da minorante do §4º da Lei de Drogas. Pede provimento. (evento 55, APELAÇÃO1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 76, CONTRAZ1).

Nesta instância, emitindo parecer, a Procuradoria de Justiça opina pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 7, PARECER1).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença proferida pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Tramandaí, que julgou parcialmente procedente a ação penal para condenar o réu às penas de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, mais 500 (quinhentos) dias-multa.

Ab initio, desarrazoada a alegação de nulidade da prova produzida, tendo em vista que o juízo singular apresentou argumentos suficientes para afastar a pretensão defensiva. Na mesma toada, a corroborar a sentença condenatória, o parecer ministerial apresentou o ponto nos termos aos quais me coaduno e adoto como razões de decidir, razão pela qual colaciono trecho da manifestação, com o fito de evitar a indesejada tautologia e afastar a insurgência:

(...)

"Sem razão a defesa técnica na pretensão de que se reconheça como ilícitas as provas decorrentes da atuação da guarda municipal em realizar busca pessoal no recorrente e, localizando as drogas, prendê-lo em flagrante.

Perceba-se, de plano, que o crime de tráfico, na modalidade de possuir entorpecentes para fins de mercancia, insere-se no bojo dos chamados crimes permanentes, como tal se compreendendo os delitos cuja consumação dá-se com uma única ação, postergando-se no tempo, contudo, o resultado, circunstância esta que viabiliza a prisão em flagrante do sujeito ativo durante todo o período da permanência.

E quanto ao sujeito ativo do flagrante, é questão regulada pelo art. 301 do Código de Processo Penal, dispondo este que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

Ora, é indiscutível que citado dispositivo incide em relação às guardas municipais, pois não haveria a menor razoabilidade em excluí-las de seu alcance. Vai-se mais longe, inclusive, para dizer que, para efeitos dessa incidência, inserem-se os seus integrantes na previsão da segunda parte do referido artigo, que institui o flagrante obrigatório, significando que não possuem eles simples faculdade de agir diante de situação de flagrância, mas, sim, um dever legal. Logo, despropositada, neste enfoque, a mínima sugestão em sentido oposto.

De outra banda, quanto à alegação no sentido de que a busca pessoal realizada pelos guardas municipais configurou ato de investigação, alheio às respectivas atribuições e, por isso mesmo, capaz de contaminar a prisão em flagrante que decorreu da revista, é tese que, igualmente, não prospera. Isto porque, embora ditas guardas não possuam atribuição de policiamento ostensivo, ex vi do disposto no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, a jurisprudência, de há muito, vem deliberando no sentido de que, a despeito dessa limitação, o citado dispositivo “não retira de seus membros a condição de agentes da autoridade, e como tal autorizados à prática de atos de defesa da sociedade”, validando, ainda, a orientação de que se os guardas municipais estão autorizados ao mais (realização de prisão em flagrante), certamente também estão ao menos (efetivação da revista na tentativa de localização do produto do crime)1 . Esta orientação, cabe registrar, firmou-se após o advento da Lei 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), sedimentando-se, então, a legitimidade da busca pessoal efetuada por guardas municipais, desde que presente a situação de fundada suspeita2. E tal linha de pensamento revelase absolutamente correta, mesmo porque, se como mencionado alhures, qualquer pessoa do povo pode efetuar a prisão em flagrante, não seria compreensível que guardas municipais não detivessem o poder para efetuar revista pessoal quando presentes os requisitos que a autorizam, conclusão esta, inclusive, referendada pelo disposto no art. 5º, XIV, da mencionada Lei 13.022/2014, segundo qual “são competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais: [...] encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário”.

[...]

Gize-se, por derradeiro, que a validade das provas obtidas a partir de operação levada a efeito pela guarda municipal, na espécie, não ficou comprometida pelo fato de tal atuação, de início, ter se dado em razão de denúncia...

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