Acórdão nº 50028717620208213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50028717620208213001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003082219
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002871-76.2020.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Perdas e danos

RELATOR: Desembargador PEDRO CELSO DAL PRA

APELANTE: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

APELADO: CECILIA DA SILVEIRA SEVERAL (AUTOR)

APELADO: MARCIAL DOS SANTOS SEVERAL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL contra a sentença (evento 84) que, nos autos da ação de reparação de danos movida por MARCIAL DOS SANTOS SEVERAL e CECILIA DA SILVEIRA SEVERAL, assim resolveu a lide:

"(...)

Diante disso, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por MARCIAL DOS SANTOS SEVERAL e CECÍLIA DA SILVEIRA SEVERAL em face de BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL -BANRISUL na AÇÃO ORDINÁRIA, para o fim de condenar a parte demandada a pagar à parte autora o valor de R$ 122.579,80, a título de danos materiais, a serem corrigidos monetariamente pelo IGPM a contar da data da operação irregular e acrescidos de juros moratórios à taxa legal, computados da citação;

Sendo recíproco o decaimento, condeno as partes nas custas processuais, na proporção de 1/4 pela autora e o restante pela ré, e nos honorários advocatícios do procurador da parte contrária, que, em atenção ao lavor desenvolvido, ao julgamento antecipado e ao proveito obtido, fixo da seguinte forma: ao procurador da autora, no equivalente a 10% do valor final e atualizado da condenação; ao procurador do réu em R$ 2.000,00, corrigido monetariamente pelo IGPM a contar desta data e acrescido de juros moratórios à taxa legal, computados do trânsito em julgado. Incabível a compensação dos honorários, em face de expressa vedação legal (artigo 85, §14, do CPC).

Suspendo a exigibilidade das verbas sucumbenciais devidas pelos autores, ante a concessão da AJG.

Caso haja apelação, considerando as disposições do Código de Processo Civil (art. 1.010), que determina a remessa do recurso independentemente de juízo de admissibilidade no primeiro grau, deverá o cartório intimar a parte recorrida para oferecer contrarrazões e, após, remeter os autos para a Instância Superior.

Publicada, registrada e intimadas as partes, automaticamente, via sistema.

Com o trânsito em julgado, não sendo nada requerido, no prazo de cinco dias, baixe-se. (...)"

O recorrente sustenta, em suas razões (evento 91), que a sentença enseja reparos. Suscita a negligência do autor com o cartão de crédito, porquanto possibilitou que terceiros descobrissem o número do seu cartão e senha. Reforça que todas as operações bancárias foram realizadas com emprego de senha pessoal e intransferível, não tendo como responsabilizá-lo pelo ocorrido. Colaciona jurisprudência semelhante para amparar sua tese. Defende a culpa exclusiva do consumidor. Pugna, ao fim, pelo julgamento de improcedência da ação ou, alternativamente, pela redução da condenação a título de danos morais. Pede o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 98).

Remetidos a este Tribunal de Justiça, vieram-me os autos conclusos para julgamento em 24/05/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas:

Trata-se de ação de reparação de danos na qual a parte autora alega, em breve síntese, ter sido vítima de golpe nominado "falso motoboy" em 17/06/2020, ocasião em que recebeu ligação telefônica de pessoa se passando por funcionário do réu, a qual noticiou a clonagem de seu cartão de crédito e que mandaria um motoboy recolhe-lo.

Em 19/06/2020 o autor Marcial dirigiu-se até a agência bancária na companhia da sua filha, co-autora, no intuito de obter informações sobre o procedimento, momento em que tomou conhecimento se tratar de um golpe e que foi retirada a quantia de R$ 122.579,80 (cento e vinte e dois mil reais, quinhentos e setenta e nove e oitenta centavos) entre diversas operações financeiras como saques, compras à vista, transferências, pagamento de títulos, etc.

Requereu o cancelamento dos débitos, a restituição integral da quantia, bem como a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais.

Ao regular processamento do feito, sobreveio sentença de procedência parcial dos pedidos iniciais.

Inconformado, apela o réu.

Inicialmente, observo que resta incontroversa a existência de fraude perpetrada por terceiro, conforme pode ser concluído da narrativa autoral somada à tese de defesa apresentada pela instituição financeira.

Resta saber se, no caso concreto, a instituição financeira responde pelo evento danoso.

Entendo que sim.

Adianto que não se desconhece a existência de respeitável entendimento jurisprudencial que tende a reconhecer a improcedência de pedidos semelhantes. Todavia, frente às peculiaridades da situação em análise, e tendo em conta, ainda, a responsabilidade objetiva do fornecedor, convenci-me de que procede o pedido inicial, no que tange aos danos materiais.

Conforme se depreende da exordial, em que pese a parte autora tenha fornecido seu cartão magnético aos fraudadores, tal situação só ocorreu em razão de ter recebido ligação telefônica de supostos funcionários da instituição financeira e, inclusive, o número identificador que apareceu no telefone do autor era o mesmo da agência Partenon, na qual a parte requerente mantinha conta bancária, conforme reproduções acostadas à inicial.

E nessa ligação (revestida de "verossimilhança", como dito) os fraudadores disseram a Marcial que seu cartão havia sido clonado, dando orientações, inclusive, para a solução do imbróglio mediante ligação aos canais de atendimento do réu.

Também corroboram o ardil as mensagens de texto remetidas pelos criminosos ao demandante, adiante reproduzidas, que, ausente a adoção, pelo réu, de medidas efetivas para dar segurança à sua comunicação com os clientes, atrai a sua responsabilidade pelo ato danoso.

Neste panorama, mesmo que se considere dever do correntista o sigilo e guarda de sua senha e dados pessoais, impraticável exigir que os autores, pessoas idosas, com mais de 80 (oitenta anos), pudessem supor que seriam vítimas de golpe, que logrou êxito em fraudar inclusive o identificador de chamadas e o emissor de mensagens de texto, com informações do réu.

Sobre mais, como já é de conhecimento geral, é de responsabilidade da instituição financeira diligenciar todas as medidas necessárias à guarda e preservação do sigilo dos dados pessoais de seus clientes, nos termos dispostos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais nº 13.709/2018).

Art. 46. Os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

§ 1º A autoridade nacional poderá dispor sobre padrões técnicos mínimos para tornar aplicável o disposto no caput deste artigo, considerados a natureza das informações tratadas, as características específicas do tratamento e o estado atual da tecnologia, especialmente no caso de dados pessoais sensíveis, assim como os princípios previstos no caput do art. 6º desta Lei.

§ 2º As medidas de que trata o caput deste artigo deverão ser observadas desde a fase de concepção do produto ou do serviço até a sua execução.

Art. 47. Os agentes de tratamento ou qualquer outra pessoa que intervenha em uma das fases do tratamento obriga-se a garantir a segurança da informação prevista nesta Lei em relação aos dados pessoais, mesmo após o seu término.

Art. 48. O controlador deverá comunicar à autoridade nacional e ao titular a ocorrência de incidente de segurança que possa acarretar risco ou dano relevante aos titulares.

§ 1º A comunicação será feita em prazo razoável, conforme definido pela autoridade nacional, e deverá mencionar, no mínimo:

I - a descrição da natureza dos dados pessoais afetados;

II - as informações sobre os titulares envolvidos;

III - a indicação das medidas técnicas e de segurança utilizadas para a proteção dos dados, observados os segredos comercial e industrial;

IV - os riscos relacionados ao incidente;

V - os motivos da demora, no caso de a comunicação não ter sido imediata; e

VI - as medidas que foram ou que serão adotadas para reverter ou mitigar os efeitos do prejuízo.

§ 2º A autoridade nacional verificará a gravidade do incidente e poderá, caso necessário para a salvaguarda dos direitos dos titulares, determinar ao controlador a adoção de providências, tais como:

I - ampla divulgação do fato em meios de comunicação; e

II - medidas para reverter ou mitigar os efeitos do incidente.

§ 3º No juízo de gravidade do incidente, será avaliada eventual comprovação de que foram adotadas medidas técnicas adequadas que tornem os dados pessoais afetados ininteligíveis, no âmbito e nos limites técnicos de seus serviços, para terceiros não autorizados a acessá-los.

Art. 49. Os sistemas utilizados para o tratamento de dados pessoais devem ser estruturados de forma a atender aos requisitos de segurança, aos padrões de boas práticas e de governança e aos princípios gerais previstos nesta Lei e às demais normas regulamentares.

No caso, porém, conforme demonstrado, os meliantes possuíam diversos dados pessoais dos demandantes, cuja origem, ao que tudo indica, só pode ter se originado nos cadastros ou sistemas do réu (vg. número da conta, número do cartão bancário, etc).

De outra banda, consoante se infere do conjunto probatório anexado ao caderno processual, os golpistas efetuaram diversas operações financeiras como saques, compras no cartão de crédito, empréstimos, dentre outras movimentações em um exíguo lapso temporal e de valores elevados, o que, conforme os extratos anexados, fugia, em muito, ao...

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