Acórdão nº 50028975320178210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50028975320178210132
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002331677
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002897-53.2017.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATORA: Desembargadora WALDA MARIA MELO PIERRO

APELANTE: BANCO DO BRASIL S/A (RÉU)

APELADO: ANTONIO MANUEL PEREIRA JUNIOR (AUTOR)

APELADO: FAUSTO MARTINS DIAS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por BANCO DO BRASIL S/A contra a sentença que, nos autos da ação anulatória ajuizada por ANTÔNIO MANUEL PEREIRA JÚNIOR E OUTRO, julgou-a parcialmente procedente, ao efeito de declarar o direito de desistência dos autores acerca da arrematação do imóvel referido na inicial, bem como condenar o requerido a devolução dos valores pagos. As custas foram atribuídas à metade, sendo os honorários fixados em 10% sobre o proveito econômico que os autores deixaram de auferir em favor do procurador do réu e 10% sobre o valor da condenação ao patrono dos autores. Suspensa, porém, a exigibilidade aos demandantes em razão da AJG concedida.

Em suas razões, o réu sustenta, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva, bem como a formação de litisconsórcio passivo, sob a alegação de caracterização de enriquecimento indevido dos executados, uma vez que teriam a quitação da sua obrigação sem que de fato tenham adimplido o débito com a instituição financeira. No mérito, declara a impossibilidade de anulação da arrematação, visto que os arrematantes tiveram ciência da existência de ação de usucapião, tanto que a contestaram, assim como menciona ser descabida a devolução de valores, pois ausente justa causa para tanto. Por fim, requer a modificação do decaimento sucumbencial, bem como a revogação do benefício da AJG concedida aos autores, além de prequestionar a matéria.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Conforme se depreende da leitura dos autos, os autores arremataram um imóvel que havia sido penhorado pela instituição financeira em execução movida contra terceiros, porém, posteriormente, tiveram ciência de que tal imóvel era objeto de ação de usucapião, a qual inclusive transitou em julgado, razão de ser da propositura da presente ação anulatória.

Aclarada a situação fática, de pronto, tenho que não há falar em ilegitimidade passiva da instituição financeira e formação de litisconsórcio necessário com os então executados, pois o cotejo dos autos retrata que o produto da arrematação foi depositado pelos autores e levantado pela parte ora demandada.

Nesta linha, tem-se claro que a instituição financeira é quem deve figurar no polo passivo, uma vez que é quem de fato recebeu os valores cuja restituição é pretendida, cumprindo mencionar, também, que não irá ocorrer o enriquecimento indevido dos executados a partir de tal devolução, uma vez que estes não estão eximidos da sua obrigação advinda da execução.

Tal situação resta evidente porque a instituição financeira continuará a perseguir o seu crédito junto aos executados, pois, por consequência lógica, a anulação da arrematação também acarreta no não adimplemento da execução, mormente porque o bem então constrito sequer está mais no acervo patrimonial dos executados.

Assim, rejeito as preliminares.

Quanto ao mérito propriamente dito, entendo que melhor sorte não atinge ao recorrente, porquanto a jurisprudência admite a extensão daquilo descrito no art. 903, § 5º, do Código de Processo Civil, para outros casos nos quais o arrematante seja impossibilitado de usufruir de forma plena da posse por situação alheia a sua vontade, exatamente a hipótese em exame.

Isso porque, do compulsar dos autos, verifica-se que os arrematantes foram surpreendidos com a existência de um posseiro no imóvel após a arrematação, o que redundou inclusive na propositura de ação de usucapião que sequer fora mencionada no edital do leilão.

Nesta linha, tem-se que houve descumprimento daquilo disposto no art. 686, V, do anterior diploma processual pátrio, vigente à época do edital, uma vez que não foi mencionada neste a pendência de ação sobre o bem.

Desta forma, desimporta que posteriormente os arrematantes tenham apresentado contestação na ação de usucapião na tentativa de manter a aquisição, porquanto foi reconhecida a procedência da ação, situação que, por consequência, lhes impediu de usufruir do bem arrematado.

Assim, resta evidente a declaração de nulidade da arrematação, devendo ocorrer a devolução dos valores já recebidos pela instituição financeira, sob pena de enriquecimento indevido desta, pois estaria recebendo valores por negócio ao qual o comprador não pôde manter por situação alheia a sua vontade.

No ponto, a fim de evitar tautologia, bem como servindo de substrato a presente fundamentação, peço vênia para transcrever parte da sentença de lavra do Dr. Felipe Só dos Santos Lumertz:

"(...) a relação jurídica, neste caso, é travada exclusivamente entre os arrematantes FAUSTO MARTINS DIAS e ANTONIO MANUEL PEREIRA JUNIOR e o credor do processo executivo, no caso, o BANCO DO BRASIL S.A., não afetando diretamente a situação jurídica dos executados CESAR AUGUSTO WALLAUER, AMADOR JOSE WALLAUER e ILSE HELLA WALLAUER.

Isso porque, no caso de procedência da ação, terá o BANCO DO BRASIL direito a buscar dos devedores, nos autos da execução, o valor ao qual foi obrigado a restituir, sem que os Executados sejam afetados pela decisão judicial, até porque o imóvel cuja arrematação está em discussão já foi incorporado ao patrimônio jurídico de terceiros por meio de ação de usucapião.

Desta forma, a legitimidade passiva para responder à presente ação é exclusiva do BANCO DO BRASIL, não se podendo cogitar, nestes autos, de litisconsórcio passivo necessário com os Executados CESAR AUGUSTO WALLAUER, AMADOR JOSÉ WALLAUER e ILSE HELLA WALLAUER.

(...)

Não se enquadra nas hipóteses legais o fato de o imóvel estar ocupado por terceiros, bem como de propositura de ação de usucapião e superveniente reconhecimento do direito destes à aquisição da propriedade pela posse prolongada pelo tempo.

Ainda assim, admite a Jurisprudência a ampliação das hipóteses legais, desde que reste caracterizada a impossibilidade de o arrematante usufruir da posse do bem por circunstâncias alheias à sua vontade.

(...)

No caso dos autos, está provado que o edital de hasta pública do imóvel de Transcrição nº 5.770 do Registro de Imóveis de Sapiranga não descrevia nenhum gravame ou causa pendente sobre o bem (fl. 228 da execução e fl. 12 dos presentes autos).

Assim, no dia 17.11.2008, FAUSTO MARTINS DIAS e ANTONIO PEREIRA JUNIOR arremataram o imóvel de Transcrição nº 5.770 do Registro de Imóveis de Sapiranga, pelo preço de R$ 35.000,00, o qual foi depositado em 03.12.2008 (fls. 249/250 da execução e fls. 14 e 18/19 dos presentes autos).

Restou demonstrado que, em 03.02.2004, LEONIR SALETE TAPPARELLO havia ajuizado a ação de nº 132/1.04.0000351-2, na qual postulou a aquisição do imóvel de Transcrição nº 5.770 do Registro de Imóveis de Sapiranga, eis que se encontrava na posse do bem desde agosto de 1985 (fls. 49/55).

Os arrematantes contestaram o feito (fls. 70/71).

Na primeira instância, o MM. Juiz julgou improcedente a ação de usucapião, por entender que a penhora do imóvel, levada a efeito em 14.04.2003, desnaturou a posse sem oposição da Autora da ação de usucapião (fls. 74/76).

Todavia, o Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso interposto por LEONIR SALETE TAPPARELLO, para reconhecer-lhe o direito à aquisição da propriedade do imóvel de Transcrição nº 5.770 do Registro de Imóveis pela usucapião (fls. 77/83), em sessão 30.10.2014.

Conforme informação obtida na página eletrônica do Tribunal de Justiça, esta decisão transitou em julgado no dia 03.02.2015.

Por isso, a contar desta data, os Autores e arrematantes ficaram definitivamente impedidos de usufruir o imóvel que adquiriram por meio de hasta pública.

Note-se que, à época da publicação do edital, não foi observada a regra do art. 686, V, do Código de Processo Civil de 1973, vigente por ocasião do ato processual (...).

E a impossibilidade definitiva de os arrematantes fruírem da posse do imóvel somente ocorreu com o trânsito em julgado da ação de usucapião, em 03.02.2015.

Por isso, não há como negar o direito dos Autores à restituição dos valores pagos, pois o dispositivo do art. 694, § 1º, do CPC/73, bem como a atual regra do art. 903, § 5º, do CPC/2015, não é exaustivo, de modo que, restando impossibilitada a fruição do imóvel por circunstância alheia à vontade dos arrematantes – isto é, ajuizamento de ação de...

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