Acórdão nº 50029203320208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50029203320208210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002873535
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002920-33.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Restabelecimento

RELATORA: Desembargadora MARILENE BONZANINI

APELANTE: MARIA HELENA PIRES DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - IPERGS (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto o relatório do evento 7, PARECER1:

"Trata-se de apelação cível interposta por Maria Helena Pires dos Santos contra decisão que, nos autos da ação ajuizada contra o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul, julgou improcedente a pretensão (evento 95 – autos originários).

Em razões, a recorrente busca a reforma da decisão. Após historiar o feito, alega, em síntese, que a prova testemunhal demonstrou que a autora não teve uma união estável. Destaca que apenas mora no imóvel do pai de seus filhos por uma gentileza do genitor. Aduz que o julgamento do agravo de instrumento levou em consideração apenas indícios, o que pode ser alterado em cognição exauriente. Alega que a nova sindicância foi realizada por perseguição do IPERGS, sem apurar qualquer fato novo. Assevera que a autora recebeu a pensão por catorze anos, o que ataca o direito à segurança. Tece considerações acerca da situação da autora, pessoa idosa e que não poderá se inserir no mercado de trabalho. Afirma que deve ser observada a coisa julgada, uma vez que reconhecido seu direito na ação nº 70001638154. Sustenta que a Administração Pública possui prazo de 5 anos para anulação de seus atos. Postula, ao final, o provimento do recurso (evento 100).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 104)".

O Ministério Público, em parecer de lavra do Procurador de Justiça Julio Cesar da Silva Rocha Lopes, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

A discussão é saber se a apelante, pensionista do IPERGS, efetivamente perdeu o direito à pensão por morte, na qualidade de filha solteira, em razão de convivência marital com Luis Fernando dos Santos Dias, conforme apurado em sindicância instaurada pela autarquia apelada, fato que culminou no cancelamento administrativo do benefício, nos termos do artigo 14, alínea “e”, da Lei Estadual nº 7.672/82 (processo 5002920-33.2020.8.21.0022/RS, evento 1, OUT4), ora impugnado.

Na inicial, alegou a ora apelante que: (i) é filha solteira de servidor público e percebeu pensão por morte na condição de filha solteira maior de 21 anos por mais de 40 anos, sob matrícula nº 1100120855033; (ii) a autarquia estadual, ainda que tenha instaurado sindicância para apurar indícios substanciais do descumprimento por parte autora, não obteve qualquer êxito em encontrar outras provas que viessem a corroborar suas alegações acerca da existência de relação marital entre a Sra. Maria Helena e Sr. Luis; (iii) jamais omitiu qualquer informação acerca do seu estado civil, inclusive, informando a existência de filhos, demonstrando sua boa-fé perante a situação; (iv) jamais negou que manteve breves relacionamentos, os quais a lei não veda, visto que, expressamente veda apenas a existência de união estável; (v) a autora e o Sr. Luis jamais residiram sob o mesmo tempo ou contraíram matrimônio/união estável; e que (vi) a autora e o Sr. Luis são amigos de longa data e em decorrência da proximidade tiveram alguns envolvimentos, que resultaram nos filhos da autora, que a mesma sempre criou como mãe solteira (evento 1, INIC1).

O IPERGS, em contestação, defendeu a legalidade do ato administrativo, ao fundamento de que: (i) o benefício em questão foi cancelado em decisão devidamente fundamentada, após regular procedimento administrativo, onde sempre foi dada à autora a oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa; (ii) a autora foi excluída do rol de dependente, após, ficar configurada sua convivência marital com o senhor Luis, seja por residirem no mesmo enderenço, seja pelos filhos havidos da constância da união; (iii) é da autora o ônus da prova da invalidade da conclusão elaborada após o procedimento administrativo realizado pelo IPERGS, não sendo suficiente, a toda a evidência, a mera negação dos fatos; (iv) situações como a da autora – em que as filhas de segurados do IPERGS vivem com seus companheiros, muitas vezes até casam no religioso, constituem famílias, etc., mas não regularizam sua situação civil no intuito de não perderam a condição de dependentes da autarquia previdenciária – são bastante comuns e visam única e exclusivamente a manter a condição de dependência; (v) situações como a dos autos devem ser combatidas e repelidas pelo Poder Judiciário, já que não passam de fraude à lei, bem como ao sistema previdenciário como um todo, que, como é sabido, carece de recursos para atender seus beneficiários, e não pode ter a sua situação financeira ainda mais deteriorada por causa de benefícios mantidos de forma ilegal (evento 20, PET1).

Sobreveio sentença de improcedência, ao fundamento, em síntese, de que "o endereço de décadas – casa de Luiz Fernando e água em seu nome – e os sete filhos comuns mostram que, por algum tempo ao menos, houve sim concubinato ou união estável, afetando a qualidade de dependente" (evento 95, DOC1), contra a qual se insurge a ora apelante.

A pretensão recursal, adianto, não prospera.

De início, necessário afirmar que o processo administrativo transcorreu normalmente, tendo sido franqueado à apelante o direito de defesa, não se vislumbrando, portanto, nenhuma irregularidade formal.

No que diz com questão central, o art. 14, ‘e’, da Lei 7.672/82 do Estado do Rio Grande do Sul assim prevê:

Art. 14 - A perda da qualidade de dependente, que é pressuposto da qualidade de pensionista, ocorrerá:

(...)

e) pelo casamento ou pelo concubinato;

Isso significa que a constituição de família por algum segurado dependente faz perder sua qualidade de dependente e, por consequência, haverá o cancelamento do benefício previdenciário que estava recebendo.

Nesse sentido, seguem alguns julgados desta Corte, os quais muito bem ilustram a situação da perda da qualidade de segurado em razão da constituição de família, por meio do casamento ou união estável:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. IPERGS. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO DE PENSÃO. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE IDADE. UNIÃO ESTÁVEL. NOS TERMOS DO ART. 14, LETRA “E”, DA LEI ESTADUAL Nº 7.672/82, A PERDA DA QUALIDADE DE DEPENDENTE, QUE É PRESSUPOSTO DA QUALIDADE DE PENSIONISTA, OCORRE PELO CASAMENTO OU CONCUBINATO. HIPÓTESE EM QUE A PROVA DOS AUTOS DEMONSTRA CABALMENTE QUE A AUTORA VIVE/VIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL, O QUE JUSTIFICA O CANCELAMENTO DA PENSÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50360978520198210001, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em: 30-06-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO PÚBLICO. IPERGS. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE VINTE E UM ANOS. CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REGULAR, COM OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. POSSIBILIDADE. UNIÃO ESTÁVEL CONFIGURADA. O direito ao pensionamento da filha solteira maior de idade rege-se pela regra do art. 73 da Lei nº 7.672/1982, condicionada a manutenção do pagamento do benefício à presença dos pressupostos legais. Situação concreta em que o conjunto probatório evidenciou que a segurada manteve relação de união estável com o pai de seu filho, caracterizada pelos atributos da convivência more uxório, publicidade e notoriedade, bem como da intenção de constituir família. REPETIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELA SEGURADA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. EXCLUSÃO. Sobre o valor do indébito apurado na esfera administrativa deve incidir juros simples em decorrência da ausência de previsão legal para a cobrança de juros compostos. APELO PROVIDO EM PARTE.(Apelação Cível, Nº 70084275742, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em: 27-08-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. FILHA SOLTEIRA. UNIÃO ESTÁVEL CONFIGURADA. CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO. 1. Os argumentos referentes ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à violação à coisa julgada são absolutamente improcedentes, porquanto não houve anulação nem revogação do ato de concessão da pensão, mas, sim, o cancelamento do benefício pela posterior perda da condição de dependente, em face da alteração de seu estado marital. 2. Hipótese em que suficientemente comprovada a união estável entre a autora e o pai de seus dois filhos a justificar o cancelamento da pensão. Precedentes. APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70066739293, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 16-12-2015)

No caso concreto, a decisão pela instauração de sindicância restou assim fundamentada (evento 20, OUT6):

Com efeito, os fatos que deram ensejo ao cancelamento do benefício (a coabitação e sete filhos em comum), dos quais se extraiu a presunção, amparada nas mais básicas regras de experiência, de que a apelante manteve união estável, são incontroversos e se encontram alicerçados na prova produzida na esfera administrativa (informação do endereço comum prestada pelo SANEP e relação dos filhos em comum disponibilizada pela Secretaria de Segurança Pública - evento 20, OUT8).

Conforme adiante quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 5079940-84.2021.8.21.7000/RS, a narrativa trazida pela autora no sentido de que "as relações entre a Sra. Maria Helena e o Sr. Luis sempre foram esporádicas"; de que o imóvel, embora do Sr. Luís, seria "a única ajuda que o mesmo deu à mãe de seus filhos durante toda a vida"; bem como...

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