Acórdão nº 50029309220188210072 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50029309220188210072
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002272042
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002930-92.2018.8.21.0072/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS

APELANTE: SOELI CARVALHO BERNARDO (AUTOR)

APELADO: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)

APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por SOELI CARVALHO BERNARDO contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de nulidade e inexistência de débitos cumulada com ressarcimento e indenização por danos morais movida contra BANCO ITAÚ CONSIGNADO S. A. E BANCO PAN S. A., cujo dispositivo tem o seguinte teor (fls. 352/356):

"Ante o exposto, julgo improcedente esta ação e condeno a autora a pagar a Taxa Única, as despesas e honorários aos advogados de cada um dos réus, que fixo em R$2.000,00, atualizados pelo IGP-M a partir desta data, assim o fazendo em atenção ao art. 85, § 2º, I, III e IV, e § 8º, do CPC. Condenações suspensas, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC."

Em suas razões, postula a reforma da sentença, a fim de anular os contratos de empréstimos firmados pelas partes, em razão da ausência de capacidade da autora. Pediu a restituição dos valores pagos e a reparação a título de danos morais (fls. 358/373).

Foram apresentadas as contrarrazões (fls. 377/393 e 399/408).

O processo foi digitalizado na origem.

Nesta instância recursal, o Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (evento 9).

Foi observado o disposto nos artigos 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos legais de admissibilidade, conheço do recurso.

É sabido que as contratações realizadas com pessoa declarada absolutamente incapaz tornam os negócios jurídicos nulos de pleno direito, nos termos do art. 166, inc. I, do CC1.

No caso em análise, entretanto, os contratos que a autora pretende anular foram firmados em 27.07.2012 e 17.05.2013, enquanto a sentença de interdição judicial somente foi proferida em 26.03.2019, com trânsito em julgado da decisão no dia 16.05.2019.

Ademais, a sentença de interdição somente possui eficácia e publicidade após a devida averbação no Registro Civil das Pessoas Naturais, quando, a partir de então, tem-se por presumidamente nulos quaisquer negócios em que o interditado figure sem a assistência do curador.

A respeito do tema, colhe-se a seguinte lição da doutrina especializada2:

"A sentença que declara a interdição produz efeitos desde logo, ainda que seja interposto recurso. A apelação, pois, tem efeito apenas devolutivo e o curador nomeado pelo juiz passará desde logo a zelar pelos interesses do interditado (curatelado). Na ação de interdição, o juiz poderá, em sede de liminar, nomear curador provisório, para que passe a representar o incapaz enquanto tramita a ação. Para que produza efeitos perante terceiros, a sentença de interdição deve ser publicada duas vezes pela imprensa local e uma vez pelo órgão oficial, com intervalo de dez dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da curatela. Além do mais, deve ser inscrita no Registro Civil de Pessoas Naturais. A sentença tem força constitutiva, mas depende, no caso de interdição, da publicidade ativa consistente no registro e da divulgação em edital, como complemento imposto pela lei. A inscrição no registro de pessoas naturais e a publicação editalícia são indispensáveis para assegurar a eficácia erga omnes da sentença de interdição." (grifei)

O registro da interdição da apelante somente foi efetivado com a expedição de ofício, em 04.12.2019, quando então passou a produzir efeitos contra todos (erga omnes).

Logo, não havia como os demandados verificarem que a autora estava incapacitada para os atos da vida civil, não sendo possível alegar a nulidade dos negócios jurídicos aos credores que agiram de boa-fé.

Acerca do instituto da boa-fé nos negócios jurídicos, ensina Flávio Tartuce3 que: "a boa-fé blinda o adquirente que ignorava a situação do interdito, prevalecendo o negócio celebrado, se hígido for na substância e na forma. Destaque-se que pelo sistema do Código Civil de 2002, a boa-fé deve ser tida como presumida, e não a má-fé".

Nesse sentido, colaciono precedente desta Corte:

"APELAÇÃO CÍVEL. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CONTRATO FIRMADO POR INCAPAZ (INTERDITADO). SENTENÇA DE INTERDIÇÃO NÃO REGISTRADA EM REGISTRO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE EFICÁCIA PERANTE TERCEIROS. RÉU DE BOA-FÉ. MANUTENÇÃO, DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS PARTICULARES DO CASO, DA VALIDADE DA CONTRATAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS MANTIDA. 1. O ordenamento jurídico pátrio, como os alienígenas, protege os interesses dos incapazes. Todavia, tal proteção não vai ao ponto de garantir que possam se beneficiar à custa de outrem que aja de boa-fé. 2. No caso, a sentença de interdição não foi levada a registro, forma legal de lhe dar a necessária publicidade e eficácia erga omnes, razão pela qual é inoponível contra terceiros de boa-fé. Doutrina e jurisprudência. 3. No caso, o autor, apesar de formalmente incapaz, aparentemente mantinha vida de relação normal, celebrando negócios jurídicos, dentre os quais um empréstimo bancário, creditado em sua conta, cujo valor foi por ele utilizado. 4. Caso se deferisse o pleito de restituição dobrada dos pagamentos efetuados, mediante desconto em folha de pagamento, acrescido de danos morais, com a anulação do negócio, não só o autor teria garantido o benefício do valor creditado em sua conta, nada pagaria pelo mesmo e ainda auferiria vantagem superior ao dobro do capital mutuado. 5. Manutenção da sentença de improcedência das pretensões. Apelação desprovida." (Apelação Cível Nº 70071633648, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 14/12/2016) (grifei)

Por outro lado, o fato de a autora ser idosa e analfabeta, à época da assinatura dos contratos, não...

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