Acórdão nº 50029525020158210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 11-08-2022

Data de Julgamento11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50029525020158210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002463844
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002952-50.2015.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Locação de imóvel

RELATORA: Desembargadora JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS

APELANTE: ELVIS SALINES DUARTE (RÉU)

APELANTE: ROSANGELA DE FATIMA KELLER DOS SANTOS (RÉU)

APELADO: LIDIA DA SILVA BERTIN (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo locatário ELVIS SALINES DUARTE e pela fiadora ROSANGELA DE FÁTIMA KELLER DOS SANTOS contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação de despejo por falta de pagamento contra eles movida por LIDIA DA SILVA BERTIN, cujo dispositivo tem o seguinte teor (evento 24):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, condenando solidariamente os réus ao pagamento, em favor da autora, de R$ 12.584,59, com correção monetária pelo IGP-M(FGV) e juros moratórios de 1% ao mês desde 21.8.18.

Ipso facto, condeno solidariamente os réus ao pagamento das despesas processuais e dos honorários do procurador da autora, que, considerando a natureza e importância da demanda, bem como o grau de zelo e o trabalho realizado, fixo em 15% do valor da condenação, com base no artigo 85, § 2.º, do CPC.

O processo foi digitalizado na origem (evento 3).

Em suas razões (evento 29), o locatário, representado por curador especial, suscita preliminar de nulidade da citação por edital, alegando não terem sido esgotadas as diligências para sua localização. No mérito, requer a improcedência da ação por negativa geral. Subsidiariamente, pede seja aplicado indexador para atualização monetária distinto do IGP-M, fazendo considerações a respeito da correção monetária, em virtude da evolução positiva excessiva e desproporcional desde 2019. Ainda, requer a concessão de AJG para processamento do recurso.

A fiadora (evento 31) pede, liminarmente, a concessão do benefício da AJG, isentando-a do pagamento dos ônus sucumbenciais, inclusive no que tange o preparo recursal. No mérito, reproduz, na íntegra os parágrafos da contestação, ao requerer sejam aplicadas, no caso concreto, as vantagens inseridas nos arts. 827 e 383 do CCB, ou seja, que a apelante/fiadora só possa ser responsabilizada pelo pagamento da dívida após a execução dos bens do devedor principal; a redução da multa contratual por inadimplemento, invocando as regras do CDC e sustentando se tratar de contrato de adesão. Além disso, requer a fixação de índice diverso de atualização monetária por decisão judicial, condizente com a realidade inflacionária nacional, quais sejam, o IPCA-E ou o INPC.

Apresentadas as contrarrazões (evento 36).

Foi observado o disposto nos artigos 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

Por questão de ordem, verifico a omissão da sentença no tocante à análise do pedido de AJG formulado pela demandada, ora apelante, na contestação, que passo a suprir, com base no art. 1.013, § 3º, do CPC.

No contrato de locação, a fiadora foi qualificada como "doceira", presumindo-se não possuir comprovante de rendimentos (art. 374, inc. I, do CPC). Além disso demonstrou, com a contestação, que não constava declaração na base de dados da Receita Federal (p. 37, mandado de citação 2 do evento 2).

Em consulta ao sítio da Receita Federal, é possível verificar que ela, efetivamente, não declara imposto de renda.

Como desde a edição da Instrução Normativa RFB nº 864/2008, de 25.07.08, deixou de existir a declaração anual de isento, possível a concessão do benefício com base na declaração escrita apresentada (p. 35, mandado de citação 2 do evento 2), nos termos do art. 1º, caput, da Lei 7.115/83.

Em razão disso, concedo o benefício da AJG à fiadora, com efeitos ex tunc, já que o pedido foi formulado na primeira oportunidade em que se manifestou nos autos, com dispensa do preparo recursal.

Porém, é caso de não conhecimento do apelo da fiadora, no tocante aos parágrafos que se referem aos tópicos "3. Da aplicação do CDC", "3.1. Do contrato de adesão e das cláusulas abusivas", "a) Da fiança e do benefício de ordem" e "3.2. Da multa contratual por atraso no pagamento dos aluguéis", por ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença e por afronta ao princípio da dialeticidade, consagrado no art. 1.010, incisos II e III, do CPC.

A exigência de “exposição do fato e do direito” e das "razões do pedido de reforma” da decisão constitui requisito imprescindível para a admissibilidade da apelação, tratando-se de ônus do apelante declinar de forma específica os fundamentos para embasar o pedido de reforma da decisão, não bastando para devolver a matéria ao Tribunal a mera repetição de argumentos expostos na contestação/impugnação.

A respeito do tema, importante a lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, ao comentarem a previsão do art. 1.010 (in Código de processo civil comentado [livro eletrônico]. 4. ed. rev., atual e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018):

“O art. 1.010, II e III, CPC, impõe ao recorrente o ônus de contrastar efetivamente a sentença nas suas razões recursais. Já se decidiu que “ao interpor o recurso de apelação, deve o recorrente impugnar especificamente os fundamentos da sentença, não sendo suficiente a mera remissão aos termos da petição inicial e a outros documentos constantes nos autos” (STJ, 5ª Turma, REsp 722.008/RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 22.05.2007, DJ 11.06.2007, p. 353)”.

No caso, o apelante limitou-se a reproduzir, na íntegra, ipsis litteris dos parágrafos da contestação, denominados de "3.2 Da legislação pertinente" (p. 15/17), "3.3. Do contrato de adesão e das cláusulas abusivas" (p. 17/19), "a) Da fiança e do benefício de ordem" (p. 19/21), e "b) Da multa contratual por atraso no pagamento dos aluguéis" (p. 23, todos do evento 2, mandado de citação 4), o que é insuficiente para conhecimento da matéria.

Ressalto, por oportuno, ainda que o recurso fosse conhecido, seria caso de desprovimento, porque o contrato de locação está baseado nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual, não se sujeitando às regras do CDC e à revisão pretendida pela fiadora. Ela expressamente obrigou-se ao pagamento da multa compensatória (cláusula décima quinta) e renunciou ao benefício de ordem (cláusula décima nona), consoante entendimento pacificado pelo STJ, que vem sendo adotado pelo Colegiado:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.
CONTRATO DE LOCAÇÃO.
NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. AÇÃO DE COBRANÇA. MULTA MORATÓRIA. MANUTENÇÃO CONFORME ESTIPULADO EM CONTRATO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar conteúdo contratual (Súmula 5/STJ) bem como matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1488052/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 27/08/2020).

APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL. [...] 5. INAPLICABILIDADE DO CDC. LOCAÇÕES. REGULAÇÃO POR LEI ESPECÍFICA. 6. MULTA MORATÓRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO PARA 2% AFASTADO, POR NÃO SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ABUSIVIDADE NÃO RECONHECIDA. [...] RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS (Apelação nº 5000078-93, 16ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Desa. Vivian Cristina Angonese Spengler, julgado em 10.12.20).

No mais, presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos, dispensando o curador especial do preparo recursal, a fim de viabilizar o acesso ao duplo grau de...

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