Acórdão nº 50029577320198210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50029577320198210029
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003091055
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002957-73.2019.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro

RELATOR: Juiz de Direito ROBERTO ARRIADA LOREA

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de recurso de Apelação interposto por T.M.W., inconformado com a sentença que, nos autos da Ação de Representação oferecida pelo Órgão Ministerial, reconheceu a prática do ato infracional disposto no art. 217-A, caput, do Código Penal, aplicando-lhe a medida socioeducativa de Liberdade Assistida pelo prazo mínimo de 06 (seis) meses, cumulada com Prestação de Serviços à Comunidade pelo prazo de 06 (seis) meses, 05 (cinco) horas por semana, medidas a serem cumpridas sob a supervisão da Secretaria de Assistência Social do Município de Eugêncio de Castro.

Em suas razões recursais, o apelante alega que, quanto à educação sexual no seio familiar, o assunto não é abordado em casa, bem como os genitores desconhecem se possui outra fonte de aprendizagem que o estimule a esses conhecimentos. Os genitores entendem que a escola é quem tem função de levantar a temática. Destacam os genitores que a criação sempre foi pautada em um ensino voltado ao aprendizado das atividades do campo, buscando qualificar o futuro herdeiro da propriedade familia. Assevera estar despreparado para os anseios e desejos que a adolescência desperta, na medida em que o mesmo não possui uma base familiar que lhe ensine e acolha a suas curiosidades. Menciona que a psicóloga, L.A.M., percebeu que no seio familiar assuntos acerca de sexualidade não são pautados, tampouco possui amigos que lhe ofereçam esse suporte. Pondera que há carência familiar acerca dos debates intímos. Aduz que se mantida a medida socioeducativa de liberdade assistida cumulada com prestação de serviços à comunidade, em nada irá contribuir com o objetivo das diretrizes legais. Intenta, subsidirariamente, caso seja mantida a procedência da representação, seja afastada a Prestação de Serviços a Comunidade. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso com a devida reforma da sentença.

Foram apresentadas contrarrazões.

Subiram os autos a esta Corte e, em parecer, opinou a Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e desprovimento do recurso, vindo conclusos os autos.

É o relatório.

Decido.

VOTO

O recurso, porque preenchidos os requisitos de admissibilidade, resta conhecido.

Cuida-se de analisar a procedência à representação oferecida pelo Ministério Público, em que fora imputado ao adolescente a prática de ato infracional análogo ao crime capitulado no art. 217-A, caput, do Código Penal

A conduta restou assim descrita na representação:

"No período que compreendeu aproximadamente os mesesjunho e julho de 2019, em horários não devidamente precisados, no Rincão dos Anjos, interior de Eugênio de Castro/RS, o representado TUILER MATIOR WRASSE praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima MARIA YSIS DA SILVA PINTO, com três anos de idade à época do fato, conforme certidão de nascimento de fl. 06.

Ao que se apurou, o representado TUILER MATIOR WRASSE, prevalecendo-se da relação amistosa que mantinha com a ofendida e com os pais dela, da proximidade de residências, pois moravam no mesmo terreno, em casas vizinhas, bem como aproveitando-se da ausência de vigilância e da pouca idade de Maria Ysis, praticou com ela atos libidinosos diversos d conjunção carnal, por duas vezes, consistentes em passar/encostar seu pênis nos órgãos genitais da ofendida, bem como no fato de a ter submetido a concretizar sexo oral nele, atos realizados mediante violência presumida em razão da idade da vítima."

Em razão da procedência da representação, restou aplicada medida socioeducativa de Liberdade Assistida pelo prazo mínimo de 06 (seis) meses, cumulada com Prestação de Serviços à Comunidade pelo prazo de 06 (seis) meses, 05 (cinco) horas por semana, medidas a serem cumpridas sob a supervisão da Secretaria de Assistência Social do Município de Eugêncio de Castro.

Do coligido aos autos, além do ato infracional praticado em face da vítima M.Y., que restou devidamente caracterizada a autoria e materialidade em face de do registro ocorrência, laudos psicológicos, ofícios, bem como pela prova oral produzida nos autos.

A prática do ato infracional em comento é extremamente grave, sobretudo considerando que à época dos fatos a vítima contava com apenas 3 (três) anos de idade e o adolescente com 14 (quatorze) anos, idade suficiente para ter discernimento acerca a reprovabilidade de sua conduta.

Oportuno referir que em atos infracionais análogos aos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima assume especial relevância, desde que roborada pelas demais provas, indícios e circunstâncias, sendo que no caso em exame, merece registro que seu depoimento foi colhido na modalidade especial, ou seja, por profissional habilitada para tanto e não restou evidenciado nos autos qualquer justificativa para que tivesse imputado falsamente ao adolescente a prática do ato pelo qual foi responsabilizado.

Ainda, merece relevo o fato de que atos dessa naturezas são praticados, via deregra, na clandestinidade, sem a presença de testemunhas, justamente para garantir a consumação e evitar eventual punição.

Nesse contexto, imperativa a procedência da representação, não havendo cogitar insuficiência probatória.

Assim, a fim de evitar tautologia e por bem apurar os elementos vertidos nos autos, colaciono trecho do parecer da eminente Procuradora de Justiça Marcia Leal Zanotto Farina, a qual peço vênia a transcrever:

"(...)

O representado, TUILER, nascido em 27/12/2004, com 14 anos na época, em juízo, negou a prática do ato infracional. Afirma que brincava com a vítima e seus irmãos, mas que sempre havia pessoas por perto. Menciona não saber o motivo pelo qual a ofendida inventou os fatos (eventos 2 e 21).

A vítima, ARIA YSYS, referiu que “estava duro uma coisa lá, a perereca dele, que era muito grande e ele queria mijar”. Disse que estava brincando quando o representado convidou a depoente para andar de cavalo e que ele fez xixi nas calças, mas não mostrou para ela. Menciona que ele pediu para ver seu órgão genital, mas ela se recusou a mostrar. Afirma que o representado pegou em seu órgão genital e pediu para ela pegar no dele (eventos 2 e 41).

(...)

Realizada avaliação psicológica com MARIA YSYS, a conclusão foi no sentido de que “é identificável que a criança apresenta indicadores psicológicos compatíveis com a hipótese de violência sexual, pelo sofrimento emocional acentuado e quadro psicopatológico característico do Transtorno do Estresse Pós -Traumático na infância (TEPT)” (evento 2 – PROCJUDIC14, fls. 13/25).

A testemunha TAINAH, médica do SUS com atuação no município de Eugênio de Castro, relata que a menina apresentava uma postura introvertida, nunca vista antes pela equipe. Afirma que, na linguagem infantil, ela disse que o representado havia encostado o órgão genital nela. Menciona que não foi realizado exame detalhado por conta de falta de colaboração da infante, que estava muito nervosa e receosa. Destaca ter sido constatado que a região íntima da menina estava bem vermelha e que, segundo ela, o representado havia encostado o “pipi” na sua “pepeca” e em sua boca, além de ter feito “xixi” nela. Segundo informações dos pais, após o fato, a vítima não queria comer e apresentava ardêcia para urinar (evento 2).

ÉRICA, genitora da ofendida, afirma que o representado e a vítima costumavam brincar juntos e que a menina teria dito que ele tinha “uma pepeca dura” e havia colocado o órgão genital na boca dela, feito xixi, e mexido no órgão gential dela com as mãos. Menciona que sua filha era bem espontânea e agora toma banho toda hora por se achar suja, não dorme direito, chora bastante e passou a urinar na cama. Acredita que o fato tenha acontecido no estábulo, perto dos cavalos (evento 2). No mesmo sentido, o depoimento do genitor, CLEVERSON, que teria tomado conhecimento do ocorrido através da esposa. Afirma que a filha teria dito diretamente para ele que “o Tuiler tava com a perereca dura, mandou eu colocar a mão e mijou em mim uma coisa branca” (evento 2).

O depoimento dos pais de TUILER não constribuiram para a solução do fato. Acreditam que o filho não tenha realizado os fatos narrados na representação (evento 2).

Desta feita, a prova carreada aos autos é cistalona em demonstrar a prática da infração. Como bem aponta o diligente Promotor de Justiça, Dr. Renato Moura Tirapelle (evento 41):

“Percebe-se, portanto, para além da verbalização em juízo da criança, o que efetivamente chamou a atenção ao confirmar o ato, que na idade dela os sinais exteriores balizados pelo comportamento posterior ao ato, afiguram-se em elemento probatório de envergadura, prestando-se evidentemente,...

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