Acórdão nº 50029822320138210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
ÓrgãoDécima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50029822320138210021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002850049
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002982-23.2013.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora THAIS COUTINHO DE OLIVEIRA

APELANTE: COMERCIAL ZAFFARI LTDA (RÉU)

APELANTE: DORI ALIMENTOS S.A. (RÉU)

APELADO: GREICE KELLY DOS SANTOS KURTZ (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Recursos de Apelação apresentado pelas partes demandadas, COMPANHIA ZAFFARI COMÉRCIO E INDÚSTRIA e DORI ALIMENTOS S.A., da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na ação de indenização por danos morais decorrente alimento impróprio para consumo ajuizada por GREICE KELLY DOS SANTOS KURTZ.

A sentença encontra-se veiculada no evento 3, processo judicial 8, fls. 10/23, cujo dispositivo restou assim redigido:

Em razões recursais, DORI ALIMENTOS S.A. defendeu que lhe fora atribuído, ante a inversão do ônus da prova, fazer prova diabólica. Afirmou que a autora não comprovou os supostos danos ocasionados pela relação de consumo. Referiu que a perita (química, sem experiência em indústria alimentícia) não dispõe de conhecimento técnico sobre as etapas de fabricação do produto (bala mastigável Yogurte 100), razão pela qual não há como concluir que os insetos sejam provenientes do processo de fabricação. Asseverou que o inseto não estava incrustado no produto (e sim na superfície da bala), que é cozinhado a mais de 100ºC, o que levaria ao dissolvimento do corpo estranho ou pelo menos a não identificação a olho nu. E que, conforme reconhecido na própria sentença, um dos insetos foi localizado solto no pacote, o que também corrobora a versão de que a contaminação pode ser ocorrido no armazenamento e que a perícia ficou prejudicada pelo advento do tempo. Referiu que a testemunha Silvia Cristina Pinas trabalha na empresa há mais de 22 anos, com vasto conhecimento técnico do processo de produção de balas. Discorreu sobre a ausência de ilícito e sobre a inexistência de dano moral indenizável, mormente diante a ausência de prova de que o produto foi contaminado pelo fabricante. Colacionou jurisprudência. Requereu, no final, o provimento do apelo para reformar a sentença; alternativamente, pugnou pela minoração do valor arbitrado a título de danos morais. Requereu, ainda, o prequestionamento da matéria (evento 4, processo judicial 8, fls 27/40).

A corré, COMPANHIA ZAFFARI COMÉRCIO E INDÚSTRIA, a seu turno, reiterou a preliminar de ilegitimidade passiva vez que se limita comercializar produtos, dentre eles o pacote de balas sabor iogurte, fabricado pela corré. Afirmou que não participa da cadeia produtiva e que o produto em questão chega nas lojas embalado e lacrado, que a empresa fabricante está perfeitamente identificada, que o produto estava dentro do prazo de validade e sua conservação foi adequada, situação que exclui sua responsabilidade nos termos do art. 13 do Código de Defesa do Consumidor. No mérito, afirmou que não houve falha na prestação de serviço e tampouco ingestão do produto a justificar a indenização pretendida. Requereu, ao final, a reforma da sentença para julgar improcedente a demanda. Alternativamente, pugnou pela redução do quantum fixado pelos danos morais. (evento 4, processo judicial 8, fls. 43 e seguintes).

Apresentadas contrarrazões (evento 17).

Vieram os autos conclusos, após revisão de autuação.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas,

Na exordial, relata a parte autora que em julho/2013 comprou nas dependências do supermercado co-demandado um pacote de balas de iogurte, produzido pela também demandada Dori. Afirmou que ao consumir o produto encontrou inseto incrustado em uma das balas, o que se repetiu em várias outras "as quais continham diversos insetos ou pedaços de insetos incrustados". Requereu a condenação dos réus ao pagamento de danos morais.

Contestado e instruído o feito, inclusive com prova pericial e oral, sobreveio sentença que (i) afastou preliminar de cerceamento de defesa e falta de interesse processual; (ii) rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva do comerciante; (iii) condenou às rés a pagar solidariamente R$ 5.000,00 à título de danos morais.

Apelam ambas as rés.

1) Preliminar de ilegitimidade passiva do supermercado comerciante

A aquisição do produto junto ao supermercado co-demandado é fato incontroverso dos autos, bem como indubitável que o pacote de balas se encontrava dentro do prazo de validade.

Versa a hipótese retratada sobre de fato do produto, que ocorre quando a utilização do produto provoca danos ao consumidor (acidente de consumo), expondo a sua segurança e sua saúde.

E, em se tratando de responsabilidade por fato do produto (acidente de consumo), o comerciante é subsidiariamente responsável, nos casos em que ficar configurada alguma das hipóteses do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

Nesse sentido, leciona Sergio Cavalieri Filho (in Programa de Direito do Consumidor, São Paulo: Atlas, 2009, p. 249):

Já dissemos que o comerciante, pelos acidentes de consumo, teve a sua responsabilidade excluída em via principal. O Código, em seu art. 13, atribuiu-lhe apenas uma responsabilidade subsidiária. Pode ser responsabilizado em via secundária quando o fabricante, o construtor, o produtor ou importador não puderem ser identificados; o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador ou – hipótese mais comum – quando o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis. São casos, como se vê, em que a conduta do comerciante concorre para o acidente de consumo, merecendo destaque os chamados ‘produtos anônimos’ – legumes e verduras adquiridos no supermercado sem identificação da origem; os produtos mal-identificados e aqueles outros produzidos por terceiros, mas comercializados com a marca do comerciante.

Ainda que o Código de Defesa do Consumidor estipule em seu artigo 7º, parágrafo único1, a responsabilidade solidária como regra, no caso de fato do produto a lei consumerista prevê hipóteses de responsabilidade solidária do comerciante quando evidenciado alguma das hipóteses: (i) fornecedor não puder ser identificado; ii) produtos anônimos; iii) produtos perecíveis mal conservados, o que ocorreu no caso concreto, nos termos do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor acima transcrito.

Esta é a orientação do E. STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPARAÇÃO. FATO DO PRODUTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTAMENTO DO DEVER DE REPARAÇÃO. ACÓRDÃO ESTADUAL EM CONFORMIDADE COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO COMERCIANTE NÃO CONFIGURADA. FABRICANTE IDENTIFICADO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Esta eg. Corte Superior firmou entendimento de que, uma vez identificado o fabricante do produto impróprio para consumo, não há que se falar em responsabilização solidária do comerciante. Incidência da Súmula 83/STJ. Precedentes. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1298531/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 25/04/2018)

E também de precedentes desta Corte de Justiça Estadual:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS ORAIS. ACIDENTE DE CONSUMO. LARVAS DENTRO DE BARRA DE CHOCOLATE. FATO DO PRODUTO EVIDENCIADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO COMERCIANTE POR SER A SUA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. O comerciante possui responsabilidade subsidiária à do fabricante, do produtor, do construtor e do importador nos casos de fato do produto, salvo se evidenciada alguma das hipóteses do artigo 13 do CDC, quando responderá solidariamente com aqueles. Caso concreto em que a barra de chocolate continha larvas em seu interior, sem qualquer atribuição de conduta específica ao comerciante. Identificação da fabricante. Ilegitimidade passiva da corré mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70083096115, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em: 20-11-2019)

Ocorre que, na hipótese, o acidente de consumo também tem relação com a má conservação do alimento vez que o inseto que alegadamente se encontrava no interior do produto é um caruncho e, conforme teses defensivas, pode ser proveniente do armazenamento incorreto no depósito do supermercado ou na casa da consumidora pois a embalagem pode ser perfurada por este tipo de bicho.

Destarte, diferentemente do que alega a corré/apelante Companhia Zaffari, no caso concreto eventual responsabilidade pelo fato do produto (acidente de consumo) pode ser imputada a si, ainda que possível a identificação do fabricante.

Como corolário lógico, de ser afastada a ilegitimidade do comerciante para a causa.

Dito isto, conheço dos recursos e passo ao exame conjunto das inconformidades recursais.

2) Responsabilidade das corrés

Registro, inicialmente, que as teses aventadas no decorrer do feito são plausíveis: enquanto a autora defende que os insetos estavam incrustados em mais de uma bala dentro do pacote, a fabricante do alimento defende que o corpo estranho não tem relação com o processo produtivo e que a presença de inseto na bala no momento da produção não é possível; o supermercado...

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