Acórdão nº 50030037820188210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50030037820188210132
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003161991
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003003-78.2018.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: ENTONI GUSTAVO CAVALHEIRO RODRIGUES (AUTOR)

APELADO: JORNAL A OPINIAO LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

ENTONI GUSTAVO CAVALHEIRO RODRIGUES interpõe recurso de apelação em face da sentença de improcedência proferida nos autos da presente ação indenizatória ajuizada em desfavor de JORNAL A OPINIÃO LTDA.

Adoto o relatório da sentença (evento 13), que transcrevo:

ENTONI GUSTAVO CAVALHEIRO RODRIGUES ajuizou ação indenizatória contra JORNAL A OPINIAO LTDA, ambos qualificados. Aduziu que foi abordado pela Brigada Militar, acusado de perturbação do sossego, em razão de uso de som automotivo em valor acima do permitido. Na ocasião, a guarnição localizou um aparelho no seu carro, e, acreditando ser um “Jammer”, utensílio utilizado para roubo de veículos, o apreendeu e conduziu o requerente até a Delegacia de Polícia. Disse que esclareceu à autoridade policial que o objeto era um controle remoto e não teve nenhum registro contra si. Asseverou que o réu noticiou que o autor tinha sido preso, inclusive fazendo menção à existência de antecedentes, o que não corresponde à realidade. Argumentou que a conduta do réu ultrapassou o dissabor e causou abalo moral ao requerente. Requereu, liminarmente, a exclusão da matéria do site do requerido. Postulou a procedência do pedido constante na inicial, para recebimento de indenização pelo dano moral sofrido. Pediu AJG e juntou documentos.

Realizada audiência de conciliação, informado que a matéria foi retirada do site de forma voluntária.

Citado, o réu alegou a carência da ação por ausência de interesse processual, pois não demonstrados os danos suportados. No mérito, afirmou que não houve excedeu o direito de informar, não expôs nomes. Disse que não há dano a ser indenizado. Pediu a improcedência do pedido. Juntou documentos.

Houve réplica.

Durante a instrução, produzida prova oral.

Com memoriais das partes, vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

Ante o exposto, com base no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios devidos ao procurador da parte requerida, que fixo no valor equivalente a 10% do valor da causa, corrigido pelo IGPM a contar da publicação desta sentença e juros de mora de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado, nos termos do art. 85, § 2º do CPC, levando em consideração o tempo de tramitação da demanda, o trabalho despendido e a realização de instrução processual. Fica por ora suspensa a exigibilidade, eis que beneficiária da Gratuidade Judiciária.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais (evento 17), a parte autora afirma que a matéria veiculada trouxe inverdades e que não se pode diminuir o desconforto causado ao autor. Alega que os documentos acostados aos autos evidenciam que a ré veiculou foto do autor à reportagem na qual o réu apareceu de costas algemado e ainda, trouxe as iniciais do seu nome, o que foi suficiente que parentes e amigos o identificassem. Aduz que a prova testemunhal colhida nos autos não deixa dúvidas quanto os impactos negativos que a matéria inverídica publicada causou na sua vida pessoal. Salienta que, a única infração cometida foi estar com som automotivo alto em local onde impera a lei do silêncio das 22h00min às 06h00min. Afirma que não possui histórico criminal e que as provas produzidas pela ré deixam claro não houve comprovação de averiguação de qualquer dado mínimo a comprovar a veracidade das informações antes da veiculação da notícia, ônus que lhe competia, pois, embora haja a liberdade de informação, não é plausível que ocorra a divulgação de informações inverídicas. Requer o provimento do recurso, para reformar a sentença, a fim de condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais.

Dispensado do preparo.

Em contrarrazões (evento 21), a parte alega que o direito de informar não foi exercido em excesso, uma vez que a matéria jornalística veiculou exatamente as informações divulgadas pela Brigada Militar publicadas na rede social facebook do perfil do Comando Regional de Polícia Ostensiva do Vale do Rio dos Sinos (CRPOVRS), a qual não expôs o nome dos envolvidos, apenas informou as iniciais no nome e se tratarem de dois homens, um de 19 anos e outro de 34 anos, ou seja, houve cautela no resguardo da identificação pessoal dos envolvidos, o que afasta até mesmo a ideia de dano “in re ipsa”.

Regularmente distribuídos, vieram os autos conclusos a esta Corte.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Em não havendo preliminares arguidas, passo diretamente ao exame do mérito.

Trata-se de ação indenizatória, que com a improcedência dos pedidos na origem, a parte autora pugna, neste grau recursal, a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, em razão da publicação de matéria jornalística que vinculava, indevidamente, seu nome a um crime.

Pois bem.

O presente caso trata de direito de imagem versus direito da liberdade de imprensa.

De início, cumpre ressalvar que a Constituição Federal destaca a importância do direito à imagem, como primado do Estado Democrático, conforme infere-se dos seguintes dispositivos constitucionais:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XIV - e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

Segundo a doutrina, o direito à imagem consiste no direito que a pessoa tem de impedir que outrem utilize, sem seu consentimento, aquilo que se caracteriza como sua "expressão externa", consubstanciada no "conjunto de traços e caracteres que a distinguem e a individualizam"1.

Ao tratar do direito à imagem, Carlos Alberto Bittar2 leciona: "isso se conforma à própria natureza do direito em tela, que se relaciona à faculdade que a pessoa tem de escolher as ocasiões e os modos pelos quais deve aparecer em público. Baseia-se, como os demais direitos dessa ordem, no respeito à personalidade humana, tendo sua origem histórica no denominado ‘right of privacy’, evitando-lhe exposições públicas não desejadas. Mas, com a evolução, acabou por assumir contornos próprios, envolvendo a defesa da figura humana em si, independentemente do local em que se encontra, consistindo, em essência, no direito de impedir que outrem se utilize - sem prévia e expressa anuência do titular, em escrito revestido das formalidades legais - de sua expressão externa, ou de qualquer dos componentes individualizadores ".

De forma muito sintética, por outro lado, podemos dizer que contrapõe-se ao direito à imagem, o direito à liberdade de imprensa, o qual é respaldado no artigo 220 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

É verdade que, em razão da convivência em sociedade cada vez mais intensa, exsurgem conflitos entre os princípios constitucionais. Assim, estamos diante da necessidade de ponderação de princípios em colisão.

Aliás, as matérias abordadas neste recurso, tal qual o dizer do Min. Dias Tóffoli no julgamento da ARE 833248 RG/RJ, apresentam nítida densidade constitucional, uma vez que abordam tema relativo à harmonização de importantes princípios dotados de status constitucional: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada.

Não obstante a tutela constitucional do direito à imagem e do direito à honra, entendo que a liberdade de imprensa deve ser valorizada e preservada, pois é fundamental ao exercício da democracia.

A atividade jornalística deve ser livre para exercer, de fato, seu mister, ou seja, informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, ajudando a formar opiniões críticas, em observância ao princípio constitucional consagrador do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF/88), pois a liberdade de imprensa é a capacidade de um indivíduo de publicar e dispor de acesso à informação através de meios de comunicação em massa, sem interferência do Estado.

Não se pode esquecer da distinção que se faz de...

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