Acórdão nº 50030230620218210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50030230620218210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002311638
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003023-06.2021.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

APELANTE: VINICIUS CAMPOS GUADALUPE DE SOUZA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação penal proposta em face de VINICIUS CAMPOS GUADALUPE DE SOUZA, a quem atribuiu o Ministério Público a prática da conduta prevista no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.

Isso porque:

No dia 28 de dezembro de 2020, por volta das 17h, na residência localizada na Rua Vinte, nº 46, Jardim Europa, nesta Cidade, o denunciado VINICIUS CAMPOS GUADALUPE DE SOUZA guardava e tinha em depósito, para fins de traficância, 109 (cento e nove) porções (tijolos) de MACONHA, pesando, em sua totalidade, aproximadamente 54kg (cinquenta e quatro quilos); um tijolo de COCAÍNA, pesando, aproximadamente, 1250g (mil e duzentos e cinquenta gramas) e 14 (quatorze) porções de CRACK, pesando, em sua totalidade, aproximadamente 78g (setenta e oito gramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, conforme Auto de Apreensão do evento 01 do Inquérito Policial.

Na oportunidade, uma equipe de policiais civis cumpriu mandado de busca e apreensão na residência do denunciado, o qual já vinha sendo investigado por sua atuação no tráfico de drogas, quando encontraram as drogas acima descritas, MACONHA, COCAÍNA E CRACK, acondicionadas em uma mala e duas caixas, drogas destinadas à comercialização ilícita. As drogas apreendidas foram submetidas a exame preliminar de constatação da natureza da substância, restando constatado que se tratavam, efetivamente, de maconha, cocaína e crack, substâncias causadoras de dependência física e psíquica, conforme atestam os laudos constantes no evento 01 do IP.

Por essas razões, o denunciado foi preso em flagrante delito, sendo encaminhado à DP. (processo 5003023-06.2021.8.21.0022/RS, evento 27, ADITDEN1)

Oferecida denúncia, foi o acusado notificado, apresentando defesa prévia, sendo recebida a peça incoativa. Oferecido aditamento, o acusado foi novamente notificado, seguindo-se regular instrução do feito, oferecendo as partes memoriais em substituição aos debates.

Sobreveio, então, decisão em que o magistrado, julgando procedente a denúncia, condenou o denunciado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, à pena de onze anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de mil dias-multa, à razão de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato, a unidade.

Irresignado, apela o acusado, suscitando as prefaciais de nulidade do mandado de busca e apreensão, pois não houve investigação prévia a ensejar o deferimento da medida e por não ter sido feita a leitura do documento antes do seu cumprimento; nulidade do auto de apreensão, dos laudos periciais e do auto de extração de dados do aparelho de telefonia móvel, em razão da quebra da cadeia de custódia; ausência de prova robusta da materialidade, pois a metodologia utilizada pelo IGP no laudo pericial não é a mais adequada; afirma que o IGP nem sequer consta no rol de acreditação do INMETRO e a defesa não foi intimada para acompanhar a produção do laudo; nulidade pela negativa da garantia da presença da advogada em audiência, pelo uso de algemas durante a solenidade e pela ofensa ao princípio da incomunicabilidade das testemunhas. No mérito, busca solução absolutória, ao argumento da insuficiência probatória. Subsidiariamente, requer a aplicação da minorante prevista no artigo 33, §4º, do referido diploma legal, no patamar máximo; a pena-base no mínimo legal ou a sua redução; a atenuante do artigo 66 do Código Penal; a isenção ou redução da pena de multa; regime diverso do fechado; a restituição do veículo apreendido; a revogação da prisão ou a concessão da prisão domiciliar, pois é responsável por criança menor de doze anos de idade; a detração, com o cômputo em dobro da pena cumprida em condições degradantes; e a isenção das custas processuais.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta instância onde exarou parecer o Dr. Procurador de Justiça, manifestando-se pelo desprovimento do apelo.

VOTO

Prefacial de nulidade do mandado de busca e apreensão.

Suscita a defesa a nulidade do mandado de busca e apreensão e dos atos dele decorrentes, por ausência de fundamentação idônea a autorizá-lo. Afirma que não houve investigação prévia e o pedido da autoridade policial estava fundado somente em denúncias anônimas.

Sem razão, no entanto, porquanto, contrariamente ao sustentado, a expedição do mandado de busca e apreensão foi antecedida de investigação em que, diante de reiteradas informações dando conta de que Vinícius realizava a distribuição de substâncias entorpecentes para outros traficantes, passou a autoridade policial a monitorar sua residência, constatando que o réu se dirigia a pontos conhecidos de tráfico de drogas, entrando em contato com traficantes, o que determinou a representação acolhida pelo magistrado, intruída com fotos do apelante e de sua residência, a fim de identificá-lo (processo 5012637-69.2020.8.21.0022/RS, evento 1, MANDBUSCAAPREENS1).

Avulta, portanto, a circunstância consistente em que às denúncias se seguiram as diligências passíveis de serem realizadas, sem prejuízo às investigações, o que estava a autorizar a expedição do mandado de busca que, diga-se, resultou na apreensão de vultosa quantidade de substâncias entorpecentes.

Mais, não vislumbro qualquer prejuízo à defesa do acusado na eventual inobservância da formalidade da leitura do mandado de busca e apreensão (diga-se encontra-se na palavra do acusado, tão-somente), que não guarda relação a substância da ação policial judicialmente autorizada.

Oportuno salientar, ainda, que dispondo o acusado das substâncias entorpecentes, a natureza permanente do crime de tráfico de drogas tornava dispensável, até mesmo, a expedição do mandado de busca e apreensão, pois tal circunstância tornava consumada a infração, com o que o ingresso na residência prescindia de autorização judicial.

Prefacial de nulidade do auto de apreensão e do auto de extração em razão da quebra da cadeia de custódia.

Registro, por primeiro, mostrar-se despropositada a alegação de quebra da cadeia de custódia, ao argumento de que a apreensão dos objetos não foi individualizada, por não terem sido identificados os locais da residência em que foram apreendidas as substâncias, as balanças de precisão e os aparelhos de telefonia móvel.

Ora, guarda relação a cadeia de custódia com a autenticidade da prova, e a idoneidade dos vestígios relacionados com a infração penal, como forma de evitar qualquer dúvida acerca de sua origem e preservação, gerando a confiabilidade necessária para que o magistrado possa considerá-los ao proferir a decisão.

E a ausência da individualização reclamada não provoca a alegada quebra, porquanto não gera qualquer dúvida acerca da origem da droga apreendida, bastando a consignação, no auto respectivo, do endereço em que cumprida diligência, da data e horário, dos agentes policiais responsáveis, do apreensor e do detentor dos objetos individualizados e da apreensão de cento e dois tijolos de maconha, pesando quinhentos gramas; sete porções da mesma substância, pesando duzentas e dezesseis gramas; uma porção de cocaína, com peso de 1.250kg; quatorze porções de crack, pesando setenta e oito gramas (evento 1, P_FLAGRANTE1, fls. 09-10), para que não se tenha dúvida acerca da circunstância de que efetivamente o acusado dispunha da droga em sua totalidade.

Mais, quanto à alegada nulidade da perícia realizada nos aparelhos de telefonia móvel apreendidos - ao argumento de não haver comprovação do método utilizado para a extração dos dados pelos agentes públicos - ressalto que do artigo 159, § 1º, do Código de Processo Penal1, se extrai que inexistindo peritos oficiais, é possível que sejam designadas duas pessoas idôneas, portadoras de curso superior para realizar a extração dos dados, não havendo óbice algum a que a nomeação recaia sobre agentes policiais. E quanto ao método utilizado, bem consignou a magistrada que não se trata de procedimento complexo: "o Relatório de Investigações 26/2021 deixa claro qual foi o aparelho celular manuseado e do qual estão sendo extraídos os dados. Tal diligência, inclusive, não possui nenhuma complexidade, pois apenas foi aberto o aplicativo WhatsApp e analisadas as conversas (as quais haviam sido apagadas) e lista de contatos".

Prefacial de ausência de provas da materialidade e nulidade dos laudos periciais.

Sustenta a defesa, ainda – novamente sem razão –, a nulidade dos laudos periciais – questão que diz com a existência do crime de tráfico de drogas e, por conseguinte, com o mérito da demanda criminal –, não merecendo guarida a pretensão defensiva, porquanto o fato de a metodologia utilizada pelo IGP não ser aquela pretendida pela defesa não gera nenhuma irregularidade na prova técnica questionada.

Isso porque desnecessária a obrigatoriedade de obter a acreditação junto ao INMETRO, afigurando-se evidente, que os produtos utilizados na confecção dos laudos - contra os quais não houve nenhuma objeção - foram suficientes para a constatação da presença dos princípios ativos nas amostras das drogas examinadas.

Ademais, diversamente do sustentado pela defesa, não paira qualquer dúvida acerca da existência da infração, como bem destacou o magistrado, verbis:

Acerca da nulidade dos laudos periciais, conforme bem ressaltado pelo Ministério Público, também não merece prosperar. Não há nenhuma obrigatoriedade na legislação brasileira acerca da...

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