Acórdão nº 50030357420198210059 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 01-06-2022

Data de Julgamento01 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50030357420198210059
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002211736
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003035-74.2019.8.21.0059/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: MOACIR CARCUCHINSKI (AUTOR)

APELADO: DILCEU MEDEIROS LOPES (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MOACIR CARCUCHINSKI, inconformado com a sentença (Evento 3 - PROCJUDIC2, fls. 47/50 e PROCJUDIC2, fls. 01/05, origem) que julgou improcedente a ação de indenização por danos morais ajuizada em face de DILCEU MEDEIROS LOPES.

Em suas razões (Evento 3 - PROCJUDIC3, fls. 08/21, origem), a parte autora tece breve relato fático da lide, defendendo a reforma da sentença. Preliminarmente, alega a não apreciação do pedido de inversão do ônus da prova realizado, motivo pelo qual requer a desconstituição da sentença. Pugna pela inversão do ônus da prova caso não seja acolhida a nulidade da sentença, sob argumento de que há notória irregularidade processual. Afirma que o apelado não produziu prova contrária aos fatos narrados na inicial, bem como pede a aplicação da teoria da redução do módulo da prova, gerando o paradigma da verossimilhança. Aduz ter trazido aos autos os elementos probatórios cabíveis a fim de comprovar os fatos constitutivos de seu direito. Cita jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 3 - PROCJUDIC3, fls. 24/27, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934 do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato nº 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Cuida-se de ação indenizatória em que pretende o autor a reparação pelos prejuízos em decorrência de suposto abuso sexual sofrido em consulta médica com o médico réu, por ocasião de exame de próstata, realizado através de toque retal.

A fim de melhor elucidar os fatos, adoto o relatório da sentença, a seguir reproduzido:

"Moacir Carcuchinski ajuizou ação indenizatória por danos morais contra Dilceu Lopes de Medeiros, ambos qualificados na inicial. Narrou que, em meados de 2018, sofrera um acidente de motocicleta, oportunidade em que lesionou os testículos, necessitando consultar-se com o médico demandado. Aduziu que o réu orientou-o a realizar o exame de próstata, via toque retal. Para tanto, baixou as calças e colocou-se em posição retal, sendo que o réu passou a inserir e retirar o dedo do ânus do autor repetidamente, de forma rápida e contínua, por aproximadamente 10 (dez) minutos. Após o ocorrido, o réu solicitou-lhe exames clínicos, os quais apresentou em uma segunda consulta agendada, oportunidade em que o demandado afirmou ser necessário um segundo exame de toque de próstata. Ao colocar-se em posição retal, o demandado repetiu o procedimento da primeira consulta, introduzindo e retirando o dedo do ânus do autor rápida e repetidamente, novamente por longo período de tempo. Ao questionar o demandado acerca do procedimento, este teria perguntado “se estava doendo ou se ele estava gostando”, diante do que solicitou ao requerido que encerrasse o procedimento. Após o ocorrido, procurou novo profissional médico, a quem narrou a forma como foi examinado pelo réu, sendo-lhe informado de que o exame não era feito daquela maneira, a partir do que concluiu que foi vítima de abuso sexual. Diante disso, registrou ocorrência policial em 21/08/2018 contra o demandado. Sustentou a ocorrência de danos morais em razão dos fatos. Discorreu sobre os fundamentos jurídicos que embasavam sua pretensão. Requereu, portanto, a condenação do demandado ao pagamento de indenização por danos morais, em valor sugerido de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Pediu a inversão do ônus da prova com base no Código de Defesa do Consumidor e a concessão da justiça gratuita. Instruiu a inicial com os documentos das fls. 13-43.

Deferiu-se a gratuidade de justiça ao autor (fl. 44).

Citado por carta AR (fl. 45), o demandado apresentou contestação (fls. 46-48). Informou que exerce a profissão de médico há mais de 40 anos, sendo que nunca teve contra si ajuizada ação judicial ou qualquer outro tipo de queixa. Admitiu que atendeu o autor em meados de 2018, em consulta que disse ter transcorrido normalmente. Aduziu que o exame de toque é obrigatório para a aferição da existência de neoplasia maligna de próstata, tecendo comentários acerca de tal exame. Sustentou que, além do desconforto do exame, com o qual o autor consentiu, nada ocorreu de anormal que pudesse atingir a integridade física, moral, imagem ou personalidade do autor. Negou, portanto, os fatos alegados na inicial, postulando a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 49-52).

Houve réplica (fls. 54-57).

Instadas (fl. 58), a parte autora requereu a tomada do depoimento pessoal do réu e manifestou interesse na inquirição de testemunhas, enquanto a parte ré não se manifestou (fl. 61v).

Em instrução, inquiriram-se duas testemunhas arroladas pelo autor (fls. 71-72).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram razões finais escritas (fls. 73-78 e 52-54).

Os autos vieram conclusos para sentença."

Sobreveio sentença de improcedência, contra a qual recorre o autor.

Adianto que o recurso não comporta provimento.

Analiso, inicialmente, as questões processuais aventadas no recurso do autor.

Alega o autor nulidade, sob o argumento da não apreciação da inversão do ônus da prova em momento oportuno, tendo em vista que se trata de relação de consumo e a apreciação do pedido ocorreu apenas por ocasião da prolação da sentença; invoca o princípio da não-surpresa; e defende a necessidade de que seja facultada a produção de prova sobre a qual recai a inversão do ônus pretendida. Ainda, aponta nulidade por inexistência de saneamento e organização do processo; bem como defende a inversão do ônus da prova, aplicando-se a Teoria da Redução do Módulo da Prova.

Não se verifica nulidade em razão de nenhuma das circunstâncias alegadas pelo recorrente.

Na hipótese, o juízo a quo intimou as partes para explicitarem os pontos que entendiam controvertidos e as provas que pretendiam produzir (Evento 3, PROCJUDIC2, Página 11), ocasião em que o autor se manifestou pela designação de audiência de instrução e julgamento, em que pediu o depoimento pessoal do réu e a oitiva de duas testemunhas (Evento 3, PROCJUDIC2, Páginas 14/15) - o que foi atendido pelo juízo (Evento 3, PROCJUDIC2, Página 18). Realizada a audiência de instrução com o depoimento pessoal do réu e a oitiva das testemunhas, foi deferida vista do processo às partes para apresentação de memoriais (Evento 3, PROCJUDIC2, Página 30).

A parte autora apresentou seus memoriais, postulando o julgamento de procedência (Evento 3, PROCJUDIC2, Página 32/37).

Na sentença, o julgador de piso explica que, ainda que se trate de relação de consumo, não é cabível a inversão do ônus da prova em sentença, porquanto a inversão do ônus da prova do art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não de julgamento, razão pela qual, encerrada a instrução não caberia mais a inversão. E complementa que ainda que se cogitasse de inversão automática do ônus da prova, com base no art. 14 do CDC, o autor não ficaria dispensado de produzir adminículo de prova dos fatos alegados.

Pois bem.

Em sentença, portanto, após a produção de toda a prova requerida pelo autor, o julgador apenas informou que não era cabível a inversão do ônus da prova, explicando os motivos da sua decisão, e acrescentando que, ainda que se aplicasse a inversão do ônus da prova, incumbiria ao autor produzir o mínimo de prova dos fatos alegados.

Analisados os autos, considerando que foi produzida toda a prova requerida pelo autor da ação, bem como considerando os demais elementos de prova por ele produzidos, entendo que a decisão acerca da inversão do ônus da prova em momento anterior à sentença não teria o condão de alterar o resultado do julgamento de improcedência da ação.

Isto porque, mesmo sendo considerada a inversão do ônus da prova em favor do hipossuficiente, tal não dispensa o autor, enquanto consumidor, de prova mínima acerca do fato constitutivo do direito alegado, nos termos do que dispõe o art. 373, I, do CPC.

No caso concreto, ainda que se reconheça que a situação é muito delicada, bem como se saiba acerca da dificuldade de provar determinadas situações, especialmente o que acontece em consultório médico em que só estão presentes o médico e o paciente, e mesmo considerando, em hipóteses como a presente, a necessidade de se dar especial valor à palavra da vítima, não é possível condenar alguém quando a única prova existente no processo é a palavra daquele que se disse lesado.

Dentro do conjunto de provas é necessário que existam outros elementos que corroborem a versão inicial, e isso é providência que depende do autor. No caso, segundo a inicial, a primeira consulta que o autor fez com o réu teria sido em julho de 2018. Depois houve uma segunda consulta em que os fatos reclamados se repetiram. A ocorrência policial foi registrada em 21/08/2018, constando como início: 01/08/2018 até 08/08/2018 (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 23). O exame de verificação de violência sexual foi realizado em 22/08/2018, não tendo sido constatado nenhum sinal de ato libidinoso diverso de conjunção carnal pois o tempo transcorrido entre o exame e os fatos narrados teriam sido suficientes para a cicatrização das possíveis lesões (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 26). Além disso, o autor trouxe apenas os receituários e exames de rotina pedidos pelo réu e atestado que demonstra que está em tratamento para depressão, mas de data anterior ao evento.

Veja-se que, em suma, a prova testemunhal apenas confirmou os...

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