Acórdão nº 50030499120228210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50030499120228210014
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003247057
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003049-91.2022.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATORA: Desembargadora KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA

APELANTE: SOLANGE DE FATIMA RODRIGUES MAICA (AUTOR)

APELADO: BANCO SAFRA S A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por SOLANGE DE FATIMA RODRIGUES MAICA em face da sentença proferida nos autos da ação revisional de contrato, que contende com BANCO SAFRA S A, cujo relatório e dispositivo transcrevo abaixo:

Vistos.

SOLANGE DE FATIMA RODRIGUES MAICA propôs ação revisional de contrato bancário contra BANCO SAFRA S A.

A parte autora da ação revisional afirmou ter celebrado os contratos de empréstimo nº 20820443, nº 20820812 e nº 20820970, com a instituição financeira ré. Alegou que no decorrer do contrato houve excesso na cobrança de juros remuneratórios, pelo que requereu a procedência da ação para revisá-lo, a repetição do indébito e indenização por danos morais.

Foi deferida a gratuidade judiciária.

Citado, o réu contestou. Arguiu, preliminarmente, inépcia da inicial e falta de interesse de agir. Sustentou, no mérito, que o contrato foi livremente pactuado pela parte autora, inexistindo qualquer abusividade nas cláusulas ajustadas. Requereu a improcedência da ação.

Sobreveio réplica.

Relatei.

[...]

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para manter as estipulações pactuadas no contrato ora analisado. Condeno a parte autora, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador da requerida. Suspensa a exigibilidade à parte autora, em razão da AJG.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Opostos embargos de declaração (evento 33, EMBDECL1), foram rejeitados (evento 35, DESPADEC1).

Em suas razões (evento 44, APELAÇÃO1), a autora defende a necessidade de reforma da sentença recorrida. Refere, em síntese, a abusividade dos juros remuneratórios, afirmando aplicável a taxa média de mercado para a situação em apreço. Além disso, destaca também que a taxa de juros aplicada pelo Banco não é a prevista no contrato, pois elaborando o cálculo pela Calculadora do Cidadão disponibilizada pelo BACEN e utilizando a taxa especificada no contrato, o valor da parcela é inferior. Diz que em sede de embargos apontou omissão quanto a essa tese de defesa, mas foram desacolhidos. Por isso, entende que a sentença é citra petita. Em face da abusividade na cobrança de juros remuneratórios, requerer o atendimento dos pedidos de repetição de indébito e indenização por danos morais.

Apresentadas contrarrazões (evento 48, CONTRAZ1), vieram os autos conclusos a este Tribunal de Justiça para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos legais, conheço do recurso.

Da alegação de julgamento citra petita.

Relativamente à alegação de nulidade da decisão recorrida, com razão a apelante. Isso porque, da análise da peça vestibular (evento 1, INIC1), se extrai a pretensão da parte autora no sentido de que a abusividade também existiria porque o banco estaria cobrando valor superior ao pactuado.

Nos termos do previsto pelo artigo 1.013, § 3º, inciso III, do Código de Processo Civil1, possível que o vício seja sanado neste grau recursal já que se trata de demanda condições de imediato julgamento. Assim, reconheço a nulidade do julgado, diante da omissão anteriormente descrita, e - em observância aos princípios da economia e da celeridade processual e por tratar-se o feito em apreço de demanda em que restou, adequadamente, oportunizado o contraditório - por estarem adequadamente preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, passo a análise conjunta de referido pleito com as demais pretensões que são deduzidas no bojo do apelo.

Da possibilidade de revisão contratual.

Toda relação jurídica formada a partir de um acordo de vontades válido e eficaz é regida pelo princípio da obrigatoriedade dos contratos. Princípio que confere ao pacto força de lei entre as partes e que garante sua não violação em decorrência de dificuldades comezinhas de cumprimento ou, em outras palavras, por fatores externos plenamente previsíveis. Por essa razão, apenas a ocorrência de situações excepcionais, em que configurada circunstância imprevisível ao tempo da pactuação ou causa de abusividade notória, legitima a revisão judicial.

Inobstante, nos casos em que o ajuste decorre de adesão a termos prévia e unilateralmente estipulados pela instituição financeira, indiscutível é a incidência do Código de Defesa do Consumidor a essa análise a par do disposto na Súmula 297 do STJ2, o que, por certo, importa em alguns temperamentos à teoria geral dos contratos, em face do reconhecimento da hipossuficiência da parte aderente. Sob este prisma, no que pertine à limitação dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça3, a quem compete a uniformização da interpretação da legislação federal, sedimentou o entendimento no sentido de que é livre a pactuação dos juros entre as partes, salvo em caso de abusividade categoricamente demonstrada. Quanto ao ponto, para fins de melhor compreensão da solução adotada, já há mais de uma década, pela Corte Superior, pertinente a transcrição da elucidativa digressão histórica do controle dos juros no Brasil, traçada, em sede doutrinária, pelo Desembargador Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:

[...]. A limitação dos juros por ato normativo estatal tem-se constituído em matéria das mais controvertidas ao longo da história da economia, com reflexos nos ordenamentos jurídicos antigos e modernos. [...] No direito brasileiro, a limitação dos juros por ato legislativo também tem apresentado sucessivos processos de sístole e diástole, conforme o momento político-ideológico vivenciado pelo País. No início do século XX, época da gestação do Código Civil de 1916, predominava a orientação ideológica liberal, que preconizava uma intervenção mínima do Estado no domínio econômico (Estado liberal). Por isso, no Código Civil de 1916, a regra estabelecida pela 2ª parte do art. 1.262 [...] conferia aos contratantes ampla liberdade negocial para estipulação dos juros e da periodicidade de sua capitalização. Os anos que se seguiram à vigência do CC/ 1916, no período compreendido entre as duas grandes guerras, constitui época de grande turbulência econômica e política em todo o mundo, especialmente na Europa, sendo um período de profundas modificações ideológicas no plano sociopolítico. [...]. No Brasil, a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, abre espaço para um regime político fortemente intervencionista, que culmina com o Estado Novo, instituído em 1937. Na década de trinta surge, no Brasil, o Decreto 22.626, de 07.04.1933, que passou a ser chamado de Lei de Usura, pois, em seu art. 1º, limitou a pactuação máxima de juros remuneratórios em contratos ao dobro da taxa legal, que era estabelecida pelo art. 1.062 do Código Civil de 1916. Ou seja, os juros remuneratórios máximos passaram a ser de 12% ao ano. E o art. 4º permite apenas a capitalização anual dos juros. [...]. Em 1964, após o golpe militar, uma das medidas preconizadas foi a reestruturação do sistema...

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