Acórdão nº 50031288820218216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 19-05-2022
Data de Julgamento | 19 Maio 2022 |
Órgão | Décima Quarta Câmara Cível |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50031288820218216001 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001530082
14ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5003128-88.2021.8.21.6001/RS
TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária
RELATORA: Desembargadora JUDITH DOS SANTOS MOTTECY
APELANTE: ROGERIO FREITAS DIEGUES (AUTOR)
APELADO: BANCO SAFRA S A (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por ROGERIO FREITAS DIEGUES, em ação revisional de contrato bancário, com cláusula de alienação fiduciária, movida em face de BANCO SAFRA S A, visando reformar a sentença que julgou improcedentes os pedidos.
Requer a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; a vedação da capitalização diária de juros; o afastamento da tarifa de cadastro; a descaracterização da mora; a compensação e repetição em dobro dos valores pagos a maior. Postula, ainda, a manutenção na posse do bem dado em garantia fiduciária e a vedação ao cadastramento de seu nome em órgãos de proteção ao crédito.
Contrarrazões no evento 41.
VOTO
A ação tramitou regularmente, encontrando-se preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade do recurso.
Do contrato
As partes ajustaram, em 03/12/19, cédula de crédito bancário com cláusula de alienação fiduciária. Os juros remuneratórios foram fixados em 1,20% ao mês e 15,39% ao ano.
Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) às operações de concessão de crédito e financiamento, na medida em que plenamente caracterizado o conceito de consumidor (art. 2°) e fornecedor (art. 3°). Entendimento que restou consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula nº 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às Instituições Financeiras".
Da capitalização de juros
Nos contratos de financiamento bancário, conforme estabelece o artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 e o artigo 4º da MP 2.172-32, e em cédulas de crédito bancário (arts. 28, §1º, I, e 29, V, da Lei nº 10.931/04), as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional estão autorizadas a capitalizar juros com periodicidade inferior a um ano, desde que o pacto seja firmado após 31/03/2000 e haja previsão contratual nesse sentido. Assim, não há falar em incidência do artigo 4º da Lei de Usura e da Súmula 121 do STF.
Outrossim, nos termos da jurisprudência consolidada do E. Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de incidente repetitivo (Recurso Especial n. 973827/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/06/2012), a “previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”. Ainda, ausente ilegalidade na pactuação de capitalização diária de juros1, ante sua expressa previsão.
Logo, ante a expressa previsão de capitalização de juros no ajuste, não há ilegalidade que determine a alteração judicial do contrato.
Da tarifa de cadastro.
Conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Recurso Especial Repetitivo, é válida a sua cobrança no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira2. Por outro lado, possível o exame da eventual abusividade do seu valor mediante comparação com o valor médio de mercado divulgado pelo BACEN.
Tem-se, assim, paradigma da superior instância no sentido da legitimidade/legalidade da sua cobrança, desde que, mediante análise do caso concreto e cotejo dos preços no mercado (valor médio de mercado divulgado pelo BACEN), inexista abuso no valor cobrado3.
Na hipótese sub judice, examinando o valor do contrato, o montante cobrado (R$ 870,00) e, ainda, o valor médio praticado no mercado em negócios jurídicos contemporâneos análogos (R$ 551,55), conforme indicado pelo Banco Central do Brasil4, resta caracterizada a abusividade da tarifa impugnada, impondo-se sua limitaão ao valor médio de mercado.
Da descaracterização da mora
Ausente abusividade nos encargos cobrados no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização), não há falar em onerosidade excessiva, impossibilidade ou dificuldade no cumprimento de sua obrigação, razão pela qual são exigíveis os encargos decorrentes da mora (Recurso Especial Repetitivo 1061530/RS.
Da compensação e repetição do indébito
Constatada a cobrança de valores ilegais decorre, por lógica, o comando para compensação dos valores pagos indevidamente; no caso de inexistir débito, impende a repetição dos valores, de forma simples, sob pena de enriquecimento injustificado da instituição financeira.
Da tutela provisória
O Superior Tribunal de Justiça, com base na Lei de Recursos Repetitivos, sedimentou a matéria em discussão (REsp 1061530/RS, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009), no sentido de ser tutela provisória em ações revisionais, desde que preenchidos três requisitos, a saber: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja a efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda em alegações dotadas de verossimilhança e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça; e c) sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o devedor o valor referente à parte incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado.
Como não houve cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, não há como conceder a tutela provisória postulada.
Dispositivo
Diante do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso, para: a) limitar a tarifa de cadastro ao valor médio de mercado da época da contratação; b) determinar a compensação ou repetição simples do indébito. Ante o decaimento mínimo da parte demandada, mantém-se a sucumbência fixada na origem; nos termos do §11 do art. 85 do CPC, majora-se a verba honorária para 13% do valor atualizado da causa, observada a gratuidade de justiça concedida à demandante.
Documento assinado eletronicamente por JUDITH DOS SANTOS MOTTECY, Desembargadora Relatora, em 25/5/2022, às 18:35:49, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20001530082v2 e o código CRC da7aa86a.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JUDITH DOS SANTOS MOTTECY
Data e Hora: 25/5/2022, às 18:35:49
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