Acórdão nº 50031616720218210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 20-06-2022

Data de Julgamento20 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50031616720218210023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002270668
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5003161-67.2021.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Rio Grande/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra JEANDSEN PEREIRA MARQUES, com 29 anos de idade (nascido em 6/11/1991), dando-o como incurso nas sanções do artigo artigo 33, caput, c/c artigo 40, III, ambos da Lei n.º 11.343/06, sendo aplicável a agravante do artigo 61, inciso II, alínea “j”, do Código Penal.

É o teor da peça acusatória (evento 1, INIC1):

FATO DELITUOSO:

No dia 09 de março de 2021, por volta das 10h30min, na BR-392, km 23, Vila da Quinta, nesta Cidade, no interior da Penitenciária Estadual de Rio Grande (PERG), o denunciado trazia consigo, para fins de entregar a consumo, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 01 (uma) porção de cocaína, pesando aproximadamente 8g (oito gramas), e 05 (cinco) porções de maconha, pesando aproximadamente 36g (trinta e seis gramas), substâncias que causam dependência física e psíquica, conforme autos de apreensão e de constatação da natureza da substância (evento 01, anexo 01 do IP).

Na oportunidade, o denunciado ingressou na penitenciária como visitante e, ao passar pelo serviço de revista das sacolas, os agentes penitenciários localizaram os referidos entorpecentes no interior de três esferas de tubos de desodorantes, sendo, em razão disso, preso em flagrante delito.

O crime foi cometido em ocasião de calamidade pública (pandemia causada pela COVID-19 - novo Coronavírus), conforme Decreto n.º 55.128/2020 do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

A denúncia foi rejeitada em 1/12/2021 (evento 23, DESPADEC1).

E contra essa decisão o Ministério Público interpôs o presente Recurso em Sentido Estrito (evento 1, INIC1).

Em seu arrazoado, em síntese, sustentou que "tratando-se da prática de delito de tráfico de drogas, punido com pena mínima de 5 anos, equiparado a hediondo, em que, ao sentir do Ministério Público – no âmbito da discricionariedade que lhe é conferida no ponto - o acordo de não persecução penal não é suficiente para a reprovação da conduta, verificasse que os requisitos legais relativos à pena mínima e suficiência do ANPP para reprovação e prevenção do crime não se mostram presentes". Defende que "a realização do acordo de não persecução penal não é um direito subjetivo do autor de um fato criminoso, na medida em que é resultante de convergência de interesses (Ministério Público e indiciado), inexistindo obrigatoriedade ao membro do Ministério Público em celebrar o acordo quando entender inexistentes os requisitos legais". Requereu o provimento do presente recurso em sentido estrito, para o fim de se reformar a decisão de 1º grau e, por consequência, receber a denúncia oferecida em face do recorrido Jeandsen, determinando-se o prosseguimento da ação penal em seus termos legais. Prequestinou a matéria aventada nas razões (evento 1, RAZRECUR2).

Apresentadas contrarrazões (evento 41, CONTRAZ1), o decisum fustigado foi mantido pelos próprios fundamentos (evento 43, DESPADEC1).

Os autos foram remetidos a este Sodalício.

Nesta instância, em parecer exarado pela Dra. Ieda Husek Wolff, Procuradora de Justiça Substituta, o Minsitério Público manifestou-se pelo provimento do recurso ministerial (evento 9, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Destaco, desde logo, que a decisão que deixa de receber a denúncia por ausência de justa causa para a persecução penal, rejeitando-a com fundamento no artigo 395, incisos II (faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal), do Código de Processo Penal, como no caso, desafia recurso de apelação, subsumindo-se, por sua natureza, ao conceito de decisão definitiva preceituada no inciso II do artigo 593 do Código de Processo Penal.

No entanto, respeitado o prazo de interposição do recurso cabível - de apelação -; não verificada a existência de má-fé pelo insurgente, não havendo falar em erro grosseiro, e não estando evidenciado qualquer prejuízo para o recorrido, porquanto o recurso foi processado regularmente, com a apresentação de contrarrazões, inclusive, possível o reconhecimento da insurgência como recurso de apelação, pela aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

E em sendo assim, conheço do recurso em sentido estrito como APELAÇÃO.

Nesse sentido, aliás, está a jurisprudência deste Órgão Colegiado, admitindo, em homenagem ao princípio da fungibilidade, o manejo de apelação-crime, desde que tempestiva e despida de má-fé ou prejuízo ao recorrido.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RECEBIDO COMO APELAÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL. 1. Considerando que o decisum que rejeita (e não deixa de receber apenas) a denúncia tem caráter definitivo, pois põe fim à relação processual, desafia o manejo da apelação e não o recurso em sentido estrito – art. 593, inciso II, do CPP. Aplicação do princípio da fungibilidade recursal, com observância do quinquídio legal. Precedentes. 2. Não se conhece do pedido de decretação da prisão preventiva, pois não apreciado no juízo monocrático, o que importaria, portanto, em supressão de instância. 3. Consoante prevê o art. 395 do CPP, a denúncia poderá ser rejeitada, dentre outras hipóteses, quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. In casu, não há elementos mínimos suficientes a embasar o oferecimento da ação penal no que tange ao crime de homicídio contra o recorrido, considerando inexistir dados probatórios aptos acerca do seu envolvimento no fato, o que afasta a justa causa para a ação penal. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Criminal, Nº 51195443420208210001, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em: 23-02-2022)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECEBIMENTO COMO APELAÇÃO. FUNGIBILIDADE. MÉRITO. REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. PROCURAÇÃO QUE NÃO ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 44 DO CPP. REJEIÇÃO MANTIDA. Tratando-se de queixa-crime, a procuração deve outorgar poderes especiais, devendo haver descrição, ainda que sucinta, do fato criminoso, o que inocorreu no caso concreto. Querelante previamente intimado para sanar a questão, quedou-se inerte. Manutenção da rejeição da queixa-crime. CRIME DE AMEAÇA. ART. 147 DO CP. TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL. Manutenção decisão recorrida pela rejeição da denúncia. Art. 395, II, do CPP. O delito de ameaça é de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. O Ministério Público é o titular da ação, sendo a legitimidade da querelante/ofendida subsidiária, ou seja, apenas presente quando decorrido o prazo legal do Ministério Público para apresentar denúncia. Caso concreto em que não tendo transcorrido o prazo legal do Ministério Público para oferecimento de denúncia, sendo correta a decisão recorrida que rejeitou a queixa neste ponto, por ausência de pressuposto processual e condição para o exercício da ação penal. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso em Sentido Estrito, Nº 70073252397, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Mello Guimarães, Julgado em: 25-05-2017)

No mérito, adianto, a insurgência merece acolhida.

De pronto, acerca dos requisitos da peça inicial acusatória, oportuno lembrar as lições de Brasileiro de Lima (2020, p. 376/377):

De acordo com o art. 41 do CPP, ‘a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas’. Para além dos requisitos aí inseridos – exposição do fato criminoso, qualificação do acusado, classificação do crime e rol de testemunhas, quando necessário -, a doutrina acrescenta outros dois, tais como o endereçamento da peça acusatória, sua redação em vernáculo, a citação das razões de convicção ou presunção de delinquência, assim como a subscrição da peça pelo Ministério Público ou pelo advogado pelo querelante, sem olvidar da procuração com poderes especiais, e do recolhimento de custas, no caso de queixa-crime.

Alguns requisitos são de observância obrigatória. É o que ocorre, por exemplo, com a exposição do fato criminoso, com a individualização do acusado e da redação da peça em português. Eventual vício quanto a um desses elementos enseja a inépcia da denúncia formal da peça acusatória. Outros requisitos, todavia, como o rol de testemunhas, a classificação do crime, a assinatura do promotor ou advogado, o endereçamento e as razões de convicção, não se revestem de tamanha importância.

Há doutrinadores que incluem, dentre os requisitos essenciais da peça acusatória, a formulação de um pedido de condenação. A nosso ver, o pedido de condenação é implícito. Afinal, se o Ministério Público ofereceu denúncia, ou se o ofendido propôs queixa-crime, subtende-se que têm interesse na condenação do acusado.1

Já a expressão condição da ação – para fins do artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal -, deve ser entendida, conforme preconiza o referido doutrinador:

(...) No âmbito processual penal, as condições da ação subdividem-se em condições genéricas, assim compreendidas como aquelas que deverão estar presentes em toda e qualquer ação penal, e condições especificas (de procedibilidade), cuja presença será necessária apenas em relação a determinadas infrações penais, certos acusados, ou em situações especificas,...

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