Acórdão nº 50031762720228210047 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 07-12-2022

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50031762720228210047
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002959916
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003176-27.2022.8.21.0047/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador MÁRIO CRESPO BRUM

APELANTE: VALDAIR FLORES (AUTOR)

APELADO: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por VALDAIR FLORES em face da sentença que, nos autos da ação de revisão contratual ajuizada contra AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., julgou improcedentes os pedidos deduzidos pelo autor, decisão que contou com o seguinte dispositivo (Evento 19):

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE a ação revisional ajuizada por VALDAIR FLORES contra AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., relativa ao(s) contrato(s) objeto(s) dos autos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, que restam suspensas em tendo havido o deferimento da AJG.

Em suas razões (Evento 24), pugna o autor pela limitação da taxa de juros remuneratórios à média de mercado. Defende a ilegalidade da capitalização diária de juros. Sustenta a abusividade da pactuação de seguro, por caracterizar venda casada, bem como da exigência de honorários advocatícios e demais despesas para a cobrança extrajudicial do débito. Requer o afastamento da mora contratual e o deferimentos dos pedidos de vedação à inscrição do seu nome em cadastros de inadimplentes e de manutenção da posse do bem financiado. Pede a compensação e/ou repetição do indébito. Postula, por fim, a redistribuição dos ônus sucumbenciais, majorando-se a verba honorária devida ao seu procurador, e a reforma da sentença.

A parte apelada apresentou contrarrazões (Evento 32).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observadas as formalidades dos artigos 931 e seguintes do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado nesta Corte.

É o relatório.

VOTO

A discussão devolvida a esta Corte cinge-se aos seguintes tópicos: (a) juros remuneratórios; (b) capitalização de juros; (c) seguro; (d) ressarcimento de despesas e honorários para a cobrança extrajudicial do débito; (e) caracterização da mora contratual; (f) inscrição em cadastros de inadimplentes; (g) manutenção da posse do bem financiado; (h) devolução de valores; e (i) distribuição dos ônus sucumbenciais.

Passo à análise dos pontos controvertidos.

Inicialmente, consigno que os contratos de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária encontram-se sujeitos às disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), consoante orientação jurisprudencial consolidada e descrita na Súmula 297 do Egrégio STJ:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

De tal sorte, mostra-se possível a revisão das cláusulas abusivas, com consequente flexibilização do princípio pacta sunt servanda e do ato jurídico perfeito.

A respeito dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos (Temas 24 a 27 do STJ), fixou sua orientação jurisprudencial nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. (...) ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...) Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício. Ônus sucumbenciais redistribuídos. (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009)

Revisei o posicionamento até então adotado, a fim de admitir maior flexibilidade para os juros remuneratórios, quando comparados com a média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações similares na data da contratação, consoante a orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do aludido REsp n. 1.061.530/RS.

No caso concreto, os juros remuneratórios foram pactuados em 19,70% ao ano (Contrato 2 do Evento 13), patamar pouco superior à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil à época da contratação (setembro/2020 – 18,56% ao ano), não denotando abusividade. Note-se, no particular, que esta Câmara não considera abusiva a taxa de juros contratada em percentual até 50% superior à média de mercado, parâmetro observado na hipótese em tela.

Assim, impositiva a confirmação da sentença que determinou a manutenção da taxa de juros remuneratórios contratada.

Acerca da capitalização de juros, é admitida a sua incidência em periodicidade inferior à anual quando expressamente pactuada em contrato bancário firmado após a vigência da Medida Provisória n. 1963-17/2000 (31/03/2000) segundo a orientação jurisprudencial consolidada pelo Egrégio STJ no julgamento do REsp n. 973.827/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos.

Na hipótese em tela, restou expressamente prevista a capitalização de juros em periodicidade diária (item "M" das cláusulas gerais – "Promessa de Pagamento" – Contrato 2 do Evento 13), razão pela qual deve ser mantida a sua incidência, não havendo falar, também no ponto, em reforma da sentença recorrida.

De outra parte, no que se refere à validade da estipulação de seguro, em contratos bancários, o Egrégio STJ, ao apreciar o REsp n. 1.639.320/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos, assim dispôs:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. DESPESA DE PRÉ-GRAVAME. VALIDADE NOS CONTRATOS CELEBRADOS ATÉ 25/02/2011. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO OCORRÊNCIA. ENCARGOS ACESSÓRIOS. 1.DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 2.1 - Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da despesa com o registro do pré-gravame, em contratos celebrados a partir de 25/02/2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954/2011, sendo válida a cláusula pactuada no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva. 2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. 2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora. 3. CASO CONCRETO. 3.1. Aplicação da tese 2.3 ao caso concreto, mantendo-se a procedência da ação de reintegração de posse do bem arrendado. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1639320/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018)

Passo a adotar o entendimento consolidado no âmbito desta 14ª Câmara Cível no sentido de que a indicação, no pacto, de determinada seguradora, apontada de forma unilateral pela instituição financeira, inibe a liberdade do consumidor, que se vê compelido a contratar o produto a ele ofertado apenas com aquela fornecedora, caracterizando a prática de venda casada, repudiada pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 39, inciso I).

Desse modo, na esteira da orientação sedimentada pelo Egrégio STJ, caracterizada a abusividade, impõe-se o afastamento da cobrança de valores a título de seguro prestamista (R$ 1.410,67) e a reforma, no particular, da sentença recorrida.

No que tange à cláusula que prevê o ressarcimento de despesas, a incluir honorários advocatícios, para a cobrança extrajudicial do débito, conforme item "N" ("Deveres") das suas cláusulas gerais (Contrato 2 do Evento 13), também passo a adotar o entendimento consolidado no âmbito deste 7º Grupo Cível no sentido da sua nulidade, à luz do disposto no artigo 51, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, cuja redação ora reproduzo:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. Código de Defesa do Consumidor. Aplicável às operações de concessão de crédito e financiamento. Súmula n. 297 do STJ. Juros remuneratórios. São abusivos apenas se fixados em valor expressivamente superior à taxa média do mercado divulgada pelo BACEN para o período da contratação (REsp n. 1.061.530/RS). Capitalização de juros. Possibilidade de incidência de capitalização de juros em periodicidade inferior à...

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