Acórdão nº 50031782420218210017 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50031782420218210017
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001922779
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003178-24.2021.8.21.0017/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: HENRIQUE ROSOLEN (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D contra a sentença proferida nos autos da ação movida por HENRIQUE ROSOLEN, nos seguintes termos:

Diante do exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo procedente a ação proposta por HENRIQUE ROSOLEN em face de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, para:

a) confirmar a antecipação de tutela;

b) declarar a inexistência de débito referente ao mês fevereiro de 2021 junto a unidade consumidora 6906415 em nome do autor;

c) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais em prol do autor, no valor de R$ 2.000,00, devidamente corrigido pelo IGPM, a partir do arbitramento, e com juros legais de 1% a.m., a contar da citação.

Sucumbente, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em prol do advogado da parte adversa, que fixo em R$1.500,00, tendo em mira o baixo valor da condenação, e as diretrizes do artigo 85, parágrafos 2º e , do Novo Código de Processo Civil, considerando o trabalho desenvolvido pelo profissional e a ausência de dilação probatória.

Registre-se. Publique-se. Intimem-se.

Interposta a Apelação pela parte autora/requerida, intime-se a parte adversa para contrarrazões no prazo de 15 dias. Com a juntada das contrarrazões, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça.

Com o trânsito em julgado e nada mais sendo requerido, arquive-se.

A apelante sustenta que a suspensão do fornecimento de energia elétrica ocorreu por sua culpa exclusiva do autor, que ao realizar o pagamento da fatura digitou o código de barras errado, ocasião na qual o débito ficou em aberto no sistema da concessionária, ocasionando o corte de energia, nos termos do artigo nº 172 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL. Refere a numeração existente no código de barras e a que foi digitada erradamente pela parte. Alude que a interrupção no fornecimento de energia ocorreu em 11/05/2021, devido ao débito que constou em aberto no sistema da concessionária relativo à fatura de 01/03/2021, no valor de R$ 213,68 (duzentos e treze reais e sessenta e oito centavos). Menciona que o consumidor enviou o comprovante de pagamento em 18/05/2021 e, após a verificação do ocorrido pela área técnica, foi restabelecido o fornecimento de energia prontamente. Assim, não pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais, em razão de pagamento efetuado pela parte apelada de forma equivocada, na medida em que a informação pelo pagamento da fatura nominal não foi repassada ao sistema da apelante, razão pela qual a fatura constou em aberto, ensejando a suspensão do fornecimento de energia, razão pela qual impõe-se o provimento do recurso para que seja reconhecida a causa excludente de ilicitude, nos termos do §3º, II do artigo 14 do CDC. Defende que não houve a prática de ato ilícito pela ré, assim como não foram comprovados os supostos danos extrapatrimoniais, merecendo reforma da sentença mostra-se imperiosa. Não sendo este o entendimento, os juros devem ser aplicados pela Taxa SELIC, sem a incidência de correção monetária, consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Requer a redução da verba honorária, fixada em valor excessivo. Cita precedentes. Postula o provimento do apelo (Evento 34 - 1).

A parte apelada ofereceu contrarrazões (Evento 35), alegando que a ré não fez prova do alegado, sendo as telas do seu sistema prova unilateral. Segundo o autor, se o pagamento ocorreu com código de barras diverso, por qual motivo a recorrente deu baixa no título e religou e energia elétrica antes mesmo do deferimento da tutela antecipada? Afirma que a CEEE-D não juntou a fatura originária do pagamento, a qual comprovaria o erro ou não do recorrido. Assevera que comprovou o pagamento efetuado à recorrente em 10.03.2021, bem como as tentativas para solucionar a situação já em abril - 12.04.2021, conforme e-mail encaminhado, demonstrando o pagamento da fatura, em razão de ter sido verificado que não houve a baixa do débito adimplido. Na ocasião e também no atendimento via protocolo do dia 07.05, não houve qualquer retorno da concessionária, a revelar a omissão e negligência na prestação do serviço à unidade consumidora do recorrido. Requer a manutenção da sentença.

O autor recorre adesivamente (Evento 36), sustentando que por várias vezes "parou suas tarefas diárias para contatar e enviar emails tentando solucionar a situação, e ainda assim, interromperam a entrega de bem essencial", devendo ser majorado o valor da indenização por danos morais. Alude que no Recurso Especial nº 959.780/ES, julgado em 26.04.2011, o STJ mencionou os parâmetros para a fixação do valor da indenização. Requer o provimento do recurso.

A CEEE-D ofereceu contrarrazões ao recurso adesivo (Evento 39), aduzindo que o "quantum" foi arbitrado no patamar que tem sido fixado pela jurisprudência, revelando-se incabível a majoração da indenização.

A Procuradoria de Justiça devolveu os autos sem intervenção (Evento 8).

VOTO

I - PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

Os recursos são tempestivos. O apelo da ré está preparado e o recurso adesivo isento de preparo em razão da AJG deferida à parte.

II - MÉRITO.

A Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Analisa-se tema regulado pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), diploma legal em que descrito um conjunto de princípios e regras destinadas à proteção do consumidor, diante de sua presumida hipossuficiência e vulnerabilidade no mercado de consumo, como sujeito de direito mais fraco na relação jurídica com o fornecedor de bens e serviços.

Sobre o conceito de consumidor, vale colacionar o entendimento de Cláudia Lima Marques (Manual de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 83):

“O consumidor é uma definição também ampla em seu alcance material. No CDC, o consumidor não é uma definição meramente contratual (o adquirente), mas visa também proteger vítimas dos atos ilícitos pré-contratuais, como a publicidade enganosa, e das práticas comerciais abusivas, sejam ou não compradoras, sejam ou não destinatárias finais. Visa também defender toda uma coletividade vítima de uma publicidade ilícita, como a publicidade abusiva ou violadora da igualdade de raças, de credo e de idades no mercado de consumo, assim como todas as vítimas do fato do produto ou do serviço, isto é, dos acidentes de consumo, tenham ou não usado os produtos e serviços como destinatários finais. É uma definição para relações de consumo contratuais e extracontratuais, individuais ou coletivas.”

Os artigos e 17 do CDC referem o seguinte:

“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

“Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”

Note-se que na seção referida pela citada norma está presente o art. 14, cuja redação prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos serviços disponibilizados ao mercado consumidor, transferindo-lhe todos os riscos da relação de consumo:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

(...)

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

(...)

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Logo, a responsabilidade oriunda da relação consumo quanto ao fornecedor de bens e serviços é objetiva, implicando tão somente na identificação do nexo causal entre o fato lesivo e o dano provocado, conforme resume Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (Sanseverino, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor e a defesa do fornecedor. 3ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2010, p. 55).

"No Brasil, formou-se um consenso no momento em que se passou a regulamentar a responsabilidade pelo fato do produto ou pelo fato do serviço, em torno da necessidade de também se dispensar a presença da culpa no suporte fático do fato ilícito de consumo, tornando objetiva a responsabilidade do fornecedor. O CDC, em seus arts. 12 e 14, deixou expresso que os fornecedores de produtos e serviços respondem pelos danos causados ao consumidor “independentemente da existência de culpa”. Portanto, optou-se, claramente, no direito brasileiro, por um regime de responsabilidade objetiva não culposa do fornecedor de produtos e serviços."

Ressalto que, na hipótese de serviço mal prestado pelo fornecedor, eventual exclusão do dever de indenizar somente se verifica quando há prova de que ocorreu por fato exclusivo de terceiro ou da vítima, consoante o artigo 14, §3º, II, do CDC.

Contudo, não configurada tal hipótese de isenção do dever de indenizar, remanesce a imposição da responsabilidade do fornecedor do serviço, com previsão tanto no pré-citado art. 14, caput,...

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