Acórdão nº 50031991620218210044 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 25-05-2022

Data de Julgamento25 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50031991620218210044
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002092539
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003199-16.2021.8.21.0044/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: BANCO BMG S.A (REQUERIDO)

APELADO: JUREMA PERCH (REQUERENTE)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BANCO BMG S/A em face da sentença prolatada nos autos da ação declaratória de nulidade contratual com pedidos de repetição de indébito e de indenização por danos morais em que contende com JUREMA PERCH. Constou na sentença apelada (Evento 28):

“[...]. Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação ajuizada por JUREMA PERCH em desfavor do BANCO BMG S/A, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil, para determinar:

a) a suspensão da cobrança impugnada (RMC) pela parte autora em seu benefício previdenciário;

b) que o valor depositado pelo banco requerido na conta da parte autora seja descontado como empréstimo pessoal consignado em seu benefício previdenciário, observando-se permissivo máximo legal, no caso de remanescer saldo a ser pago pela parte autora;

c) que o valor do crédito seja recalculado, sendo compensado o que foi pago pela autora, como juros de cartão – inclusive aqueles originados pelo pagamento mínimo da fatura – e demais encargos cobrados em decorrência da modalidade da contratação (cartão de crédito), com o valor que efetivamente ainda é devido;

d) que a quantia paga pela parte autora seja calculada como empréstimo pessoal consignado – pessoa física, com a aplicação da taxa média anual de juros remuneratórios divulgada pelo BACEN para a espécie de contratação – crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS -, vigente à data da contratação.

e) que eventual valor da parcela mensal seja calculado, observando o limite da margem de empréstimo consignável que o autor pode dispor; e

f) que fica permitida a compensação de valores e, caso haja saldo credor em favor do devedor, seja este restituído, na forma simples, com acréscimo de correção monetária pelo IGPMFGV, desde cada desembolso realizado pelo autor.

Face à parcial sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento de 40% da custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da parte requerida, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, a fim de manter a proporcionalidade, considerando o trabalho desenvolvido e o tempo de tramitação da demanda, conforme artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade suspendo face ao benefício de gratuidade judiciária deferida no feito.

Condeno a parte requerida ao pagamento de 60% das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, consoante a proporcionalidade, o trabalho realizado e o tempo de tramitação da demanda, na forma do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante alega, preliminarmente, a prescrição da pretensão da parte autora de danos materiais e morais advindos do contrato de cartão de crédito consignado, dado que transcorreram mais de três anos entre o fato e a propositura da ação, pedindo a extinção da demanda com resolução de mérito. No mérito, afirma que, no contrato assinado pela autora, constou expressa autorização para reservar a margem consignável e efetuar descontos que garantam o pagamento do valor mínimo da fatura. Destaca que a demandante utilizou o plástico para a realização de compras, embora aluda desconhecer a modalidade de crédito adquirida. Pugna pela condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, considerando a desvirtuação da verdade e a tentativa de enriquecer ilicitamente às custas do apelante. Enfatiza que a vontade das partes deve prevalecer na livre contratação, não podendo o Judiciário desconstituir negócios jurídicos com base em arrependimento ou má observância das cláusulas contratuais. Argui que, no contrato, constam informações referentes à reserva de margem na folha de pagamento, bem como a existência de fatura a ser paga para quitação do valor contratado. Salienta a ausência de defeito do negócio jurídico, alegando ter agido conforme determinam as normas aplicáveis à matéria. Argumenta que a alteração da espécie contratual não se enquadra no presente caso, visto que a obrigação da parte recorrida estava previamente definida no contrato firmado, utilizando-se dos princípios contratuais lex inter partes e pacta sunt servanda. Defende o descabimento da repetição do indébito. Destaca que a cobrança se originou de efetiva utilização do cartão de crédito consignado. Requer o provimento do presente recurso, a fim de reformar a sentença nos pontos atacados. Alternativamente, pugna seja determinada a repetição do indébito na forma simples. Pleiteia a condenação da parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios (Evento 34).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 35.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 34, é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 25/03/2022 e findou em 14/04/2022 (Evento 29), sendo que o recurso foi interposto no dia 04/04/2022 (Evento 34). Além disso, a parte apelante comprovou o recolhimento do preparo (Evento 33). Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. PRESCRIÇÃO.

Defende a parte ré a aplicação, no caso concreto, do prazo prescricional previsto art. 206, §3º, incisos IV e V, do Código Civil, qual seja, o trienal, quanto à pretensão de restituição dos valores descontados a título de contrato de cartão de crédito consignado, bem como de indenização por danos morais.

Razão não lhe assiste, conforme passo a expor.

Na hipótese, considerando que a parte autora alega serem indevidos os descontos realizados pelo banco réu a título de “Empréstimo sobre a RMC”, a controvérsia posta nos autos cinge-se à análise da licitude ou de eventual nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes.

Assim, revendo meu posicionamento anterior, entendo que, à luz do disposto no art. 169 do Código Civil, existente alegação de nulidade da avença celebrada entre os litigantes, não há falar na ocorrência da prescrição da pretensão de repetição do indébito, visto que “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo."

A respeito do tema, colaciono julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL DE ASCENDENTE A DESCENDENTE POR INTEOSTA PESSOA.

SIMULAÇÃO.

REEXAME DE PROVAS. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DECADÊNCIA.

INEXISTÊNCIA. ATO NULO INSUSCETÍVEL DE CONVALIDAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. O Tribunal de origem, com fundamento na prova documental trazida aos autos, concluiu pela existência de simulação de negócio jurídico relativo ao contrato de compra e venda de imóvel de ascendente a descendente por interposta pessoa. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório.

2. O negócio jurídico nulo por simulação não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo e, portanto, não se submete aos prazos prescricionais, nos termos dos arts. 167 e 169 do Código Civil de 2002.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1702805/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 25/03/2020) – grifei.

No mesmo sentido, cito precedentes deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE. SIMULAÇÃO. PRESCRIÇÃO. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169 do CC/02). No caso concreto não se trata de pretensão de restituição de valores pagos a título de comissão de corretagem a partir de abusividade da transferência da obrigação ao consumidor em contratos de promessas de compra e venda. A questão trazida diz respeito à suposta nulidade da promessa de compra e venda entabulada entre as partes litigantes sob a alegação de vício de consentimento. Assim, a devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem, parcela da pretensão indenizatória, apresenta-se como corolário lógico do eventual reconhecimento da nulidade do contrato. Portanto, envolvendo a ação declaração de nulidade de promessa de compra e venda com fundamento na ocorrência de simulação, não há falar em prescrição trienal da pretensão de restituição do valor pago a título de comissão de corretagem. Prescrição afastada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70083858092, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 30-04-2020) – grifei.

APELAÇÃO CÍVEL. POSSE. BENS IMÓVEIS. AÇÃO REIVINDICATÓRIA E ANULATÓRIA DE REGISTRO PÚBLICO. PROPRIEDADE DO IMÓVEL DEVIDAMENTE COMPROVADA. POSSE INJUSTA DA RÉ. INCORREÇÃO NA CONFRONTAÇÃO DO IMÓVEL LEVADO A REGISTRO. PROVA DOS AUTOS A CONFORTAR O PEDIDO. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA INOCORRENTES. GRATUIDADE JUDICIÁRIA.. A declaração de inexistência de ato jurídico - ato nulo - não se submete aos institutos da prescrição e decadência, pois na forma do artigo 169 do CCB, “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Logo, não há que se falar em prazo prescricional e decadencial. A ação reivindicatória é o procedimento que visa garantir posse àquele que já possui o domínio do bem, estando tal situação consubstanciada na regra trazida...

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