Acórdão nº 50032779820198210005 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50032779820198210005
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003342252
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003277-98.2019.8.21.0005/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: DIEGO PANIZZI (AUTOR)

APELANTE: ANDRESSA GARCIA (AUTOR)

APELADO: NOTICIAS DE BENTO (RÉU)

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto por DIEGO PANIZZI e ANDRESSA GARCIA contra a sentença (Evento 87, Processo originário) que, nos autos desta ação de indenização por danos morais ajuizada em face de NOTICIAS DE BENTO, julgou improcedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, pois bem narrou o presente caso:

Vistos etc.

ANDRESSA GARCIA e DIEGO PANIZZI ajuizaram ação indenizatória contra NOTÍCIAS DE BENTO. Destacaram que são filhos, adotivo e legítimo, respectivamente, de Renato Panizzi, vítima de homicídio ocorrido em 28/10/2019. Em virtude dessa ocorrência, o demandado publicou notícia na qual consignou que Renato tinha antecedentes por homicídio, ameaça, embriaguez e maus tratos de animais, informações inverídicas. Todavia, o fato ocorreu por volta das 18 horas daquele dia, ao passo que a notícia foi veiculada às 10:43 horas, o que demonstra a manipulação dela. Disseram que houve uma série de comentários de ódio em razão das publicações veiculadas, o que ocasionou danos morais aos autores. Falaram do direito aplicável e pediram a condenação do réu ao pagamento de 50 salários mínimos nacionais. Postularam liminar, o benefício da assistência judiciária gratuita - AJG. Juntaram documentos.

Deferida a AJG e a liminar, em parte (E09 e 13).

Citada, a requerida contestou (E32). Preliminarmente, sustentou a ilegitimidade ativa de Andressa. No mérito, disse que a matéria foi formulada de acordo com informações passadas pela Polícia Militar, que foram acompanhadas de certidão de antecedentes policiais. Limitou-se a noticiar os fatos, sem ofender ninguém, de modo que não há danos morais, os quais, aliás, não foram comprovados. Não houve ânimo difamatório. A redação da notícia proposta inicialmente foi adotada por outros veículos de comunicação. Falou sobre o direito aplicável e os critérios de quantificação de eventual dano. Pediu a improcedência do pedido. Juntou documentos.

Réplica no evento 37, onde os autores pleitaram o afastamento da preliminar e repisaram os argumentos da inicial.

Relegada a análise da preliminar para quando da sentença (E39).

Durante a instrução, foi produzida prova oral (E81).

Memoriais pelas partes nos eventos 84 e 85.

Vieram os autos conclusos.

Relatei.

E o dispositivo sentencial foi redigido nos seguintes termos:

Diante do exposto, revogo a liminar e julgo improcedente o pedido.

Sucumbentes, condeno os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, quer fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, §2°, do CPC, diante do trabalho desenvolvido, grau de zelo do profissional e tempo de tramitação da demanda, garantida a AJG.

Transitada em julgado, baixe-se.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Em suas razões recursais (Evento 94, Processo originário), a parte autora insurge-se contra a sentença de improcedência da demanda. Para tanto, alega que a conduta da parte ré ao divulgar informação sem checar a veracidade resultou em danos graves. Alega que a imagem do falecido genitor veio a ser denegrida pela publicação jornalística. Defende ser dever dos órgãos de imprensa auferirem a veracidade das informações publicadas. Afirma que a certidão de antecedentes policiais acostada pela parte ré é de uso exclusivo do interessado ou de autoridade policial, não podendo ser utilizada para fins sensacionalísticos. Argumenta que os demandantes passaram a sofrer misérias resultantes da divulgação, com questionamentos sobre a idoneidade de seu parente. Sustenta que a demandada possui o dever de informar, mas de informar corretamente, noticiando fatos reais e com responsabilidade. Assevera que o limite do direito de informar deve estar ancorado na veracidade das informações prestadas. Discorre sobre o direito à liberdade de expressão. Disserta sobre a configuração de danos morais. Requer o provimento do recurso.

Com as contrarrazões apresentadas (Evento 97, Processo originário), vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso de apelação deve ser conhecido, uma vez que preenchidos os requisitos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando dispensado do recolhimento de preparo (Gratuidade concedida pelo Juízo de Origem - Evento 13, Processo originário).

A pretensão autoral é a condenação da parte ré, empresa jornalística, ao pagamento de indenização por danos morais por veicular em notícia acerca do falecimento de seu pai que o mesmo possuía antecedentes criminais. Para tanto, os demandantes alegam que o falecido parente não possuía antecedentes e que a veiculação inverídica de antecedentes em matéria jornalística causou-lhes abalo moral.

A parte ré, por sua vez, sustenta, em suma, o seu direito constitucional à liberdade de expressão, comunicação e informação, bem como defende que a reportagem não tinha cunho difamatório e teve sua base de informações obtidas junto à autoridade policial.

Pois bem. Conforme se verifica dos documentos acostados aos autos, o jornal Notícias de Bento publicou um artigo informativo no dia 28/10/2019 em seu sítio eletrônico acerca do falecimento do Sr. Renato Panizzi por homicídio. Em um primeiro momento, a matéria vinculada em seu sítio eletrônico referia o que segue (Evento 1, doc. 9, Processo originário):

Bento Gonçalves registrou nesta segunda-feira, 28, o seu 45º assassinato do ano. Um homem de 61 anos foi executado na localidade de Linha Veríssimo de Mattos com quatro tiros à queima roupa. Não há pistas dos autores do crime.

De acordo com o registro policial, o crime ocorreu por volta das 18h15min, na Linha Veríssimo de Mattos, no distrito de Tuiuty. Dois homens chegaram em uma motocicleta e executaram Renato Panizzi, de 61 anos, à queima roupa, com pelo menos quatro disparos de arma de fogo. Após o crime, os bandidos fugiram do local em direção à BR-470.

Panizzi tinha antecedentes criminais por homicídio, lesão corporal, ameaça e dano. Policiais da Brigada Militar isolaram o local até a chegada dos integrantes do Instituto Geral de Perícias (IGP) e fizeram buscas na região, mas não localizaram os criminosos. O caso será investigado pela Polícia Civil.

Em um segundo momento, a reportagem foi editada para que constasse na parte final a seguinte redação alterada (Evento 32, doc. 3, Processo originário):

(...)

Panizzi tinha antecedentes criminais por ameaça, embriaguez e maus tratos aos animais. Policiais da Brigada Militar isolaram o local até a chegada dos integrantes do Instituto Geral de Perícias (IGP) e fizeram buscas na região, mas não localizaram os criminosos. O caso será investigado pela Polícia Civil.

Da análise da reportagem, verifica-se que foi elaborado um relato sintético sobre o falecimento do Sr. Renato Panizzi com a inserção da informação de que o mesmo teria antecedentes criminais. A parte ré comprovou que a fonte das informações acerca da existência de inquéritos policiais em nome do falecido teria sido a própria autoridade policial. Ainda, verifica-se que a notícia foi redigida sem cunho depreciativo ou juízo de valor.

A Certidão de Antecedentes Policiais acostada pela ré (Evento 32, doc. 5, Processo originário) dá conta de que o Sr. Renato Panizzi, de fato, teve instaurado inquéritos policiais contra si, em decorrência de ameaça, crime contra a fauna e condução de veículo automotor sob influência de álcool. De igual maneira, os depoimentos testemunhais demonstram que as imputações de antecedentes criminais ligados a homicídio (constantes na primeira edição da publicação e alterada de forma posterior em curto período de tempo) foram ventiladas de igual maneira em outros veículos de comunicação, todos com informações obtidas junto à autoridade policial.

Anota-se que a liberdade de informação jornalística, assim como o sigilo da fonte, são previsões constitucionais:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

(...)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Sobre o assunto cito a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Ed. Malheiros, 1997, p. 240:

“A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT