Acórdão nº 50033099620198210072 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 02-03-2023

Data de Julgamento02 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50033099620198210072
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003294308
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003309-96.2019.8.21.0072/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: MARCOS WILLIAM DA SILVA (RÉU)

ADVOGADO(A): ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (DPE)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ofereceu denúncia em desfavor de MARCOS WILLIAM DA SILVA, com 28 anos de idade à época do fato, dando-o como incurso nas sanções do artigo 14 da Lei nº 10.826/03, pela prática do seguinte fato delituoso:

FATO DELITUOSO:

No dia 27 de fevereiro de 2019, por volta das 16h, na Avenida Assis Brasil, nº 1221, próximo ao posto de gasolina "Bolão" em Arroio do Sal (RS), o denunciado MARCOS WILLIAM DA SILVA transportava arma de fogo e munições de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na ocasião, em patrulhamento de rotina, a guarnição da Brigada Militar efetuou a abordagem do veículo GM/Celta de cor branca, placa APP-6246, o qual era tripulado por três indivíduos. Durante a abordagem, foi localizada 01 (uma) espingarda calibre 12, marca Boito, municiada com 07 (sete) cartuchos intactos, calibre 12. O denunciado admitiu que a arma estava sob sua responsabilidade, alegando que havia sido contratado para transportá-la até Sapiranga (RS).

A denúncia foi recebida em 02 de agosto de 2019 (evento 4, PROCJUDIC2, fl. 21).

Pessoalmente citado (evento 4, PROCJUDIC2, fl. 45), o acusado apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (evento 4, PROCJUDIC2, fls. 47-50 e evento 4, PROCJUDIC3, fls. 01-04).

Durante a instrução, foram ouvidas duas testemunhas e interrogado o réu (evento 38, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais escritos, que foram apresentados pelo Ministério Público (evento 79, MEMORIAIS1) e pela defesa (evento 89, PET1).

Sobreveio a sentença, de lavra da Dra. Marilde Angelica Webber Goldschmidt, de procedência da pretensão punitiva estatal, para condenar o réu nas sanções do artigo 14, caput, da Lei n.º 10.826/03, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo ao tempo do fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade (evento 91, SENT1).

A sentença foi publicada em 18.10.2022.

Irresignada, a defesa apelou (evento 99, PET1). Em razões, pleiteou a absolvição do réu pela atipicidade da conduta, tendo em vista a inexistência de perigo ao bem jurídico tutelado. Subsidiariamente, requereu a desclassificação para a forma tentada do delito, porquanto o acusado teria sido abordado pelos policiais momentos após obter a posse da arma de fogo. Pugnou, ainda, a redução do valor da prestação pecuniária (evento 114, RAZAPELA1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 116, CONTRAZ1) e os autos foram remetidos para esta Corte.

Em parecer, o douto Procurador de Justiça, Dr. Gilmar Bortolotto, opinou pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Conheço do recurso defensivo por que adequado e tempestivo.

No que tange ao pedido de absolvição, entendo que não assiste razão à defesa do acusado, devendo ser mantida a condenação. No caso, a prova dos autos foi adequadamente analisada na sentença condenatória, estando evidenciadas a materialidade e a autoria delitivas.

Com efeito, a materialidade do delito restou devidamente comprovada nos autos, estando delineada no auto de prisão em flagrante (fls. 04-37), no boletim de ocorrência policial (fls. 07-11) e no auto de apreensão (fls. 12-13), todos do processo 5003309-96.2019.8.21.0072/RS, evento 4, PROCJUDIC1, bem como no laudo pericial nº 52116/2019, que atestou que a arma de fogo apreendida estava em plenas condições de uso e funcionamento (evento 4, PROCJUDIC2, fls. 15-16).

No que se refere à autoria do delito, também está bem delineada nos autos.

A prova oral produzida na instrução foi assim sintetizada em sentença:

Marcos William da Silva (réu):

Indagado, o acusado confirmou a prática do delito imputado. Disse não saber como funcionava a arma, bem como se caberiam os doze cartuchos. Que a pegou e colocou embaixo do banco da parte de trás do carro, a fim de levá-la até Sapiranga, após um terceiro lhe ter contratado em troca de “uns pila” (sic). Refere que teria que buscar a arma e deixar em um mato. Relata que, chegando no local, ficou sem bateria no celular e parou em um posto. Disse que no posto perguntou onde ficava um “mercadinho” e se dirigiu até o lugar informado, onde se encontrava um indivíduo que lhe entregou a arma que estava dentro de um mato. Que a pegou e colocou no banco de trás, e saiu até a faixa, sendo que, ao virar a direita para continuar vindo embora, visualizou, após ter passado por um quebra-molas, aproximadamente sete viaturas e um carro à paisana. Relata que a viatura “surgiu do nada” (sic). Refere que tinha parado no “bico” (sic) da estrada e olhou para a esquerda e direita, tendo visto vir apenas dois carros, motivo pelo qual resolveu seguir indo embora. Relata que, ao ter passado ou não por um quebra-molas, apareceram as viaturas com os giroflex ligados e com armas apontadas em sua direção. Refere que parou o seu carro no acostamento. Que colocou suas mãos no vidro e disse para os outros dois sujeitos que se encontravam consigo fazer o mesmo. Confirma que estava dirigindo o carro. Não tinha inimigos.

(...)

Rodrigo de Almeida Bisognin (testemunha de acusação – Policial Militar):

Declarou que receberam uma denúncia informando que um carro estava trazendo mercadorias para a cidade de Arroio do Sal/RS. Que a denúncia recebida informava dois veículos, sendo um Celta e o outro não se recorda do modelo. Refere que a guarnição ficou fazendo patrulhamento, momento em que se depararam com um veículo Celta e procederam com a abordagem, onde havia três indivíduos. Relata que na parte de trás do banco estava a arma calibre 12 com 7 munições. Afirma que o acusado teria admitido ser o encarregado da arma, bem como que iria entregá-la.

Leonardo Florindo Machado (testemunha de acusação – Policial Militar):

Declarou que tinha informação de que um veículo Celta branco estaria em atitude suspeita em Arroio do Sal/RS. Que visualizaram o carro e o abordaram, encontrando três indivíduos e arma no chão da parte de trás do carro. Refere que havia dinheiro também. Relata que o acusado teria dito que tinha sido contratado para transportá-la de Arroio do Sal/RS até Sapiranga. Disse que os cartuchos estavam dentro da arma, municiados. Que a arma foi encaminhada à DP, desmuniciada.

Pois bem, os elementos dos autos são contundentes.

No que tange à tese de absolvição por atipicidade da conduta, sem razão à defesa.

Isso porque não há falar em atipicidade da conduta, já que, para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo seja de uso permitido, seja de uso restrito, basta que o agente pratique qualquer uma das condutas descritas no artigo 14 e/ou 16, ambos da Lei nº 10.826/03.

Ora, é sabido que o crime de porte ilegal de arma de fogo é crime de perigo abstrato, cuja consumação não reclama a lesão concreta ao bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto. É dizer, são tipos penais que descrevem apenas um comportamento, sem apontar um resultado específico como elemento expresso do fato típico.

Neste fio, deve-se acrescentar que este crime é classificado como de perigo abstrato, já que a lesividade ao bem jurídico é presumida, o que afasta, assim, a tese defensiva de atipicidade.

Nesse sentido, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ARTS. 12 E 16 DA LEI N. 10.826/2003. ERROR IN PROCEDENDO NÃO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NA SENTENÇA. ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO DE ARMA DE FOGO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Descabe falar em nulidade da sentença por não ter o julgador acolhido a tese defensiva, tendo, após o exame do contexto fático-probatório produzido durante a persecução penal, formado sua convicção acerca da materialidade e autoria defensivas, nos moldes da denúncia.
2. No tocante à atipicidade das condutas, esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor dos delitos descritos na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito de...

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