Acórdão nº 50033172020188210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50033172020188210004
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003275129
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003317-20.2018.8.21.0004/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC

APELANTE: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)

ADVOGADO(A): GIOVANNA MORILLO VIGIL DIAS COSTA (OAB MG091567)

ADVOGADO(A): Flaida Beatriz Nunes de Carvalho (OAB MG096864)

APELADO: Oraides Romero Alvim (AUTOR)

ADVOGADO(A): TIAGO JOSE DE SOUSA MEIRELLES (OAB RS067713)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BANCO SANTANDER S.A. contra a sentença que, nos autos da ação anulatória de contrato cumulada com indenizatória por danos material e moral que lhe move ORAIDES ROMERO ALVIM, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo (ev.3, PROCJUD4, fls. 27/37):

Opostos aclaratórios, foram acolhidos para determinar a suspensão imediata dos descontos efetuados em folha de pagamento referente à cédula em tela (ev. 3, PROCJUD7, fl. 6).

Em suas razões recursais, o apelante alega, em suma, que a parte autora, após preencher uma proposta de crédito, celebrou contrato de empréstimo consignado n. 309301767. Aduz que, diante da formalização do instrumento, depositou o valor em conta de titularidade da demandante. Narra que ela, ao receber o valor em sua conta, disponibilizou em favor de terceiro, assim como, por tratar da modalidade consignada, não configura portabilidade. Ressalta que a autora usufruiu do crédito disponibilizado ao efetuar a transferência do valor. Impugna o laudo pericial, por entender que a assinatura constante no contrato é autêntica, além de refutar as demais provas trazidas aos autos. Assevera que a autora foi negligente ao efetuar transferência bancária, sem previamente verificar o beneficiário. Discorre sobre os trâmites para portabilidade entre as instituições financeiras. Defende a inexistência de vício no pacto firmado, assim como suas cobranças estarem amparadas no exercício regular do direito. Argui a impossibilidade devolução de valores e a inocorrência de danos morais. Postula o provimento do apelo (ev. 3, PROCJUD7, fls. 18/24).

Intimado, o apelado apresentou contrarrazões.

Subiram a esta Corte, vindo-me, por redistribuição, conclusos para julgamento.

A parte autora postulou o cumprimento da liminar deferida, o que foi atendido pelo demandado (evento 13).

Cumpridas as formalidades legais.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE RECURSAL

Com fundamento no art. 1010, §3º, in fine, presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos (cabimento e adequação, tempestividade, regularidade procedimental e formal, isenção do preparo ante a concessão da gratuidade judiciária, ausência de fato extintivo ou modificativo do direito de recorrer, legitimidade e interesse), recebo o apelo em ambos os efeitos.

DA CONTEXTUALIZAÇÃO DO CASO

Na inicial, o autor narra que na data de 26.04.2018 recebeu uma mensagem, via aplicativo do WhatsApp, com a proposta de portabilidade de um empréstimo que possui junto ao Banco Paraná. Após, recebeu e-mails de Sandra Santos, responsável pelo “Setor de Portabilidade”, a qual afirmava que conseguiria mediante a contratação de outro empréstimo na modalidade portabilidade, quitar a dívida com o Banco Paraná e, ainda, na nova pactuação as parcelas findariam na mesma data do original e seria reduzido o valor da prestação do contrato original de R$ 2.215,09 para R$ 1.356,20. Aduz que, embora não tenha assinado nenhum documento ou enviado cópia de seus documentos pessoais, foi formalizado contrato de mútuo com o banco demandado, no valor de R$ 44.000,00, datado de 04.05.2018 (documento acostado da operação de crédito nº 482650). Esclarece que, conforme a orientação recebida dos agentes da transação, transferiu o montante acima referido para a conta de Carlos Gustavo Evangelista para quitação do empréstimo com o Banco Paraná. Após a transferência, enviou foto do comprovante de depósito via WhatsApp, sendo-lhe assegurado que no prazo de 10 a 15 dias, a portabilidade seria efetuada, bem como o recebimento da carta de quitação do Banco Paraná. Afirma que, transcorridos dois meses, diante da continuidade dos descontos do empréstimo junto ao Banco Paraná, contatou com o mesmo sendo informado acerca da inexistência de qualquer tratativa sobre portabilidade do contrato firmado. Narra que pesquisou o CNPJ nº 165.53843/0001-55, informado junto com a conta bancária, constando que Carlos Gustavo Evangelista é sócio da empresa CG EVANGELISTA – SERVIÇOS DE APOIO A EDIFICIOS LTDA. Sustentou que, após a transferência de R$ 44.000,00, acreditou que o agente que lançou tal valor em sua conta, de fato se tratasse do agente credenciado pelo demandado. Assevera que a empresa CG EVANGELISTA apropriou-se de R$ 44.000,00 e, por sua vez, o demandado contratou o mútuo mediante a intermediação do terceiro, beneficiando-se com o lucro da transação que será de R$ 47.792,80. Afirma que o resultado do ato ilícito cometido, com a participação do réu, foi contratar um empréstimo sem desejar, assim como transferir a quantia de R$ 44.000,00 para a conta de um estelionatário e, ainda, ser descontado da sua pensão 72 prestações no valor de R$ 1.274,90, totalizando R$ 91.792,80, e que ao final somará a quantia de R$ 135.792,80. Salienta que acreditava estar realizando um bom negócio. Ressalta que foi imprescindível o auxílio do demandado para o ilícito ter ocorrido, que se satisfez com alguma assinatura falsificada. Discorre sobre os danos materiais e morais sofridos.

Citado, o demandado advoga que houve a contratação do empréstimo consignado sob o nº 309301767 e que a liberação ocorreu na conta indicada pelo autor. Argui que o contrato foi celebrado nos termos do art. 188 do Código Civil, acrescentando que a autora realizou a contratação do empréstimo consignado, conforme contrato anexo, sendo que a assinatura constante do contrato é extremamente similar a assinatura aposta na procuração. Refere que se a transferência foi realizada para terceiro, cabe a responsabilidade ao banco Paraná, uma vez que a conta corrente é mantida junto a ele. Destacou que a contratação ocorreu de forma legítima. Argumentou que, em caso de a autora ter sido vítima de fraude, não há nenhuma relação do banco com o fraudador. Postulou a improcedência dos pedidos.

Sobreveio a sentença que julgou procedentes os pedidos.

DA ALEGADA FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS

Dentre os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor, encontra-se o da vulnerabilidade (art. 4º, I), o qual emergiu em decorrência da mitigação do modelo liberal da autonomia da vontade e a massificação dos contratos, ocasionando uma discrepância na discussão a aplicação das regras comerciais, o que justifica a presunção de vulnerabilidade, reconhecida como uma condição jurídica pelo tratamento legal de proteção (in Flávio Tartuce e Daniel Amorim A. Neves, Manual de Direito do Consumidor, Ed. Método, 4ª edição, 2015, p. 33).

Nesse norte, referido Diploma Legal adota a teoria do risco do empreendimento, da qual deriva a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, independentemente de culpa, pelos riscos decorrentes de sua atividade lucrativa.

Assim o art. 14 do CDC:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, consoante doutrina de Sérgio Cavaliere Filho[1] “(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar a ocorrência de uma das causas excludentes do nexo causal, insertas no §3º do art. 14 do CDC, que assim dispõe:

“§ 3o. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Tampouco se pode desconsiderar o teor da Súmula 479 do STJ: Os bancos respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

Nesse contexto, cumpre analisar a ocorrência ou não da alegada falha na prestação de serviços, trazendo como conseqüência a responsabilização pretendida.

No caso concreto, a pretensão fundamenta-se essencialmente na suposta falha da prestação de serviços perpetrada pela instituição financeira por fraude na contratação de empréstimo pessoal.

Na instrução do feito, a parte autora alegou a falta de autenticidade da assinatura do referido contrato de empréstimo consignado e postulou a produção de prova pericial, sendo esta deferida. Então, sobreveio o laudo pericial ao feito, do qual as partes foram devidamente intimadas, manifestando-se a autora, silenciou o banco réu (ev. 3, PROCJUD4, fl. 1). Homologado o laudo e intimadas as partes...

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