Acórdão nº 50033615620218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50033615620218210029
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002017617
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003361-56.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: ANTONIO CARLOS PRESTES SEVERO (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ANTONIO CARLOS PRESTES SEVERO em face de sentença (evento 25, SENT1) que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de inexigibilidade de débito c/c indenização por danos morais em desfavor do BANCO BMG S/A, nos seguintes termos:

Isso posto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido por ANTONIO CARLOS PRESTES SEVERO em face de BANCO BMG S.A., com resolução de mérito.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, arbitrados estes em 10% sobre o valor atribuído à causa atualizado, na forma do artigo 85, §2°, do Código de Processo Civil; ficando suspensa a exigibilidade de tais verbas enquanto perdurar a gratuidade (artigo 98, §3°, do CPC).

Em seu arrazoado recursal (evento 30), o autor/apelante alega que os descontos via Reserva de Margem Consignável o coloca em exagerada desvantagem perante a instituição financeira. Justifica que acreditou ter contratado empréstimo consignado convencional e, por isso, confiava que os descontos em seu benefício se referiam ao pagamento desta suposta dívida. Entretanto, argumenta que o banco efetuou empréstimo consignado via modalidade de cartão de crédito, sendo que o autor não solicitado ou requereu o produto. Ressalta omissão de informações no contrato juntado pelo réu. Alega que o valor do empréstimo, tendo em vista que o pagamento descontado do benefício não amortiza a dívida, é impagável, servindo apenas para quitação de encargos. Pugna pela nulidade do contrato de empréstimo consignado sobre a RMC e pela devolução, em dobro, dos valores pagos. Manifesta pela condenação do Banco réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 34, CONTRAZ1).

Subiram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Consta, na inicial (evento 1, INIC1), que autor buscou a instituição ré para contratar empréstimo consignado. Após a realização do mútuo, passou a perceber em seus extratos que haviam descontos de cartão de crédito. Em contato com o Banco réu, lhe foi comunicado que se tratava de valores referentes a saques de cartão de crédito consignado, sendo os valores referentes ao pagamento mínimo da fatura. Ressaltou que jamais recebeu o cartão, tampouco realizou seu desbloqueio. Pugnou pela declaração de nulidade do contrato, bem como pela repetição, em dobro, dos indébitos e indenização por danos morais. Alternativamente, requereu a conversão do empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado comum.

A juíza singular julgou improcedente a demanda.

Irresignado com o resultado desfavorável, o autor apelou, pugnando pela reforma do ato sentencial, sob o argumento, em suma, de que foi ludibriado quando buscou o Banco réu para contratação de empréstimo consignado de natureza normal, mas acabou contratando empréstimo consignado via cartão de crédito.

Pois bem.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito é regulada pelo art. 1º da Resolução n° 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

“RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito”.

Porém, a constituição da RMC (Reserva de Margem Consignável) demanda expressa autorização do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, de acordo com o disposto no art. 3°, inc. III, da Instrução Normativa INSS n° 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n° 39/2009, in verbis:

“Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”.

No caso dos autos, o banco recorrido trouxe prova de que o autor autorizou expressamente os descontos em seu benefício da reserva de margem consignável. De tal forma, juntou "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG S.A E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO" e "CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - SAQUE MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BANCO BMG" (evento 10, CONTR2) ambos com a devida assinatura do autor. Inclusive, para elucidar que o serviço contratado era de amplo conhecimento, acostou na contestação áudio telefônico em que o autor solicitou a senha do referido do cartão (evento 10, CONT1, pág. 5).

É certo que, formalmente, a contratação adequou-se à moldura legal. Contudo, forçoso reconhecer que a cláusula a permitir descontos na folha de pagamento da autora, sem conter data-limite para que cessem, gerou excessiva oneração ao consumidor e ensejou flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor (“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”). Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Na hipótese dos autos, o réu transferiu para a conta corrente do autor a quantia total de R$ 3.555,09 por meio de cinco TEDs, um com saque autorizado no valor de R$ 2.556,45, datado de 27/03/2017 (evento 10, COMP3), e outros quatro com saques complementares nos valores de R$ 261,78, R$ 360,03, R$ 205,12 e R$ 171,71, debitando mensalmente em sua folha de pagamento valores a título de Reserva de Margem Consignável. E como se verifica na fatura com vencimento em 10/06/2021, o valor total da dívida era de R$ 3.744,63 (evento 10, FATURA8, pág. 43). Nesse contexto, percebe-se que mais de cinco anos se passaram da celebração do contrato e o autor deve mais do que recebeu a título de empréstimo, mesmo com os descontos mensais. Logo, as parcelas que vêm sendo descontadas não se prestam a reduzir o valor da dívida, que parece estar se perpetuando.

Aliás, considerando que o instrumento contratual não contém qualquer disposição informando ao consumidor que os descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC) não são aptos a diminuir o valor efetivamente devido, conclui-se que o contrato em exame também ofende o art. 6°, inc. III, do Código Consumerista, que prevê como direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Além disso, consigno que não houve utilização do cartão de crédito, constatando-se apenas os saques e encargos decorrentes do contrato (Evento 10, FATURA8 e 9).

Entretanto, não há como prosperar o desiderato de declaração de inexistência da relação jurídica, visto que o art. 881 do Código Civil veda o enriquecimento sem causa. Além disso, estabelece o art. 51, § 2°, do CDC que a nulidade de uma cláusula não invalida a totalidade do contrato.

Tenho, portanto, como ilegal a forma de cobrança do débito, impondo-se...

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