Acórdão nº 50033686520188210025 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50033686520188210025
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001523946
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5003368-65.2018.8.21.0025/RS

TIPO DE AÇÃO: Poluição

RELATOR: Desembargador ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA

APELANTE: MUNICÍPIO DE SANTANA DO LIVRAMENTO (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE SANTANA DO LIVRAMENTO, em razão de inconformidade com a sentença de procedência proferida nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, cujo dispositivo restou redigido nos seguintes termos:

Diante do exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos postos à exordial, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I do Código de Processo Civil, para o fim de, confirmando a tutela provisória de urgência anteriormente concedida, condenar o Município de Santana do Livramento a apresentar um plano de saneamento básico eficaz para a Vila Janete, contendo as orientações previstas às fls. 17/22 dos autos, a ser executado no prazo de (um) ano a contar do trânsito em julgado da presente decisão.

Sem condenação em honorários, uma vez que não são devidos ao Ministério Público, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/85.

Outrossim, condeno o demandado ao pagamento das despesas processuais, nos termos da lei.

Disse que o Ministério Público pretende obter pela via judicial a solução para um problema histórico na região de forma alheia à realidade financeira e organizacional vivenciada pelo município. Referiu que a rede de escoamento pluvial foi projetada conforme as condições demográficas e climáticas da época da urbanização do município, restando atualmente insuficiente em algumas áreas. Afirmou que a construção de um microssistema transportaria o problema do alagamento para outra região também habitada, discorreu sobre as providências até então adotadas e referiu que o prazo de um ano concedido é exíguo para execução do plano de saneamento básico necessário. Invocou os princípios da reserva do possível e da separação dos poderes e pediu o provimento do recurso para que seja reformada a sentença.

Foram apresentadas contrarrazões.

A ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Sônia Eliana Radin, apresentou parecer pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas, conheço do recurso pois preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Pretende o ente público a reforma da sentença que determinou a apresentação de plano de saneamento básico eficaz para a Vila Janete, a ser executado no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado, em razão de inúmeros transtornos causados na região nos dias de chuva.

De início, cumpre frisar a atribuição do Poder Judiciário na efetivação dos direitos individuais e coletivos de estatura constitucional, tendo em vista a índole vinculativa da norma constitucional e a primazia da Constituição da República.

No entanto, eventual ordem judicial de obrigação à Administração Pública de implementação das políticas públicas, como na espécie - potencial infração à ordem urbanística em razão da ausência da implementação de projeto de saneamento pluvial na região da Vila Janete -, demanda aferição da ocorrência de arbitrariedade na sua recusa por parte do gestor público, a fim de evitar a ofensa à Separação dos Poderes.

Neste sentido o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 581352-AM, da lavra do e. Min. Celso de Mello, verbis:

(...)

Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter vinculante, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.

(...)

Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.

(...)

Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.

É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.”

(grifos no original)

De igual forma, o precedente nos autos do AI 734487 AgR, da então Min. Ellen Gracie,verbis:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.
(AI 734487 AgR, Relator(a): Min.
ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-06 PP-01220 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 158-162)

(grifei)

Na espécie, conforme se observa dos autos de origem, o Ministério Público ajuizou ação civil pública em desfavor do Município de Santana do Livramento, com base em abaixo-assinado dos moradores da Vila Janete, em razão da omissão do Poder Público na realização de reparos nas galerias de escoamento de águas da chuva, que acarretaram transbordamento de bueiros, alagamento nas casas e desmoronamento parcial da rua e do passeio público.

E, da análise dos documentos dos autos, não obstante o apelante alegue a necessidade de maior prazo para elaboração do projeto e execução das obras necessárias, reconhece se tratar de problema histórico na região, o que já poderia ter viabilizado o encaminhamento das respectivas providências, de acordo com a realidade financeira e organizacional invocada.

A partir de tai contornos, a sentença ora atacada não merece reparo, na medida em que bem pontuou as circunstâncias do caso concreto, in verbis:

(...)

Consoante preleciona a Constituição Federal, mais precisamente em seu art. 23, incisos VI, VII e IX, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios competem de forma comum em relação a execução de programas que objetivem as melhores das condições habitacionais e de saneamento básico. In verbis:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

A Lei nº 6.766/79, por sua vez, que rege o parcelamento do solo urbano, dispõem dentre outras medidas sobre a constituição básica das infraestruturas dos parcelamentos. Assim:

“Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes. (...) § 5º A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. § 6o A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: (...) II - escoamento das águas pluviais;”

O objetivo fundamental da presente demanda cinge-se na premência da execução de obras relativas à infraestrutura do saneamento básico da Rua Jaime de Souza, localizada na Vila Janete, a fim de cessar definitivamente os alagamentos das casas e do transbordamento dos bueiros ali constantes.

Do conjunto probatório constante dos autos, restou demostrado a existência de problemas na Rua Jaime de Souza nº 42, Vila Janete, relativos as estruturas dos sistemas de drenagem das águas pluviais.

Os documentos acostados a exordial demostram a omissão do demandado em solucionar de forma eficaz as questões expostas na inicial. O registro assinado pelos moradores da Rua Jaime de Souza (fl. 10), bem como a matéria publicada na imprensa (fl. 11), dão prova da referida omissão.

Ainda, da análise dos demais documentos que acompanham a inicial vê-se que o réu não adotou as medidas indispensáveis, a fim de resguardar a vida e a segurança dos moradores da localidade em comento, restringindo-se a apontar que frequentemente realiza limpeza e manutenção das estruturas de drenagem.

A referida indicação, entretanto, gera controvérsia, haja vista a informação prestada pelos moradores de que há mais de quatro anos intentam junto ao Município uma solução definitiva para a Vila Janete.

Ademais, o requerido não se desincumbiu do ônus que lhe...

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