Acórdão nº 50033754820218213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50033754820218213001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002003698
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003375-48.2021.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora LIEGE PURICELLI PIRES

APELANTE: IRACEMA NUNES FERREIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Inicialmente, adoto o relatório da sentença (evento 19, SENT1):

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com restituição de valores e tutela de urgência proposta por IRACEMA NUNES FERREIRA em face de BANCO OLE CONSIGNADO S.A., na qual alegou ser aposentada pelo INSS e, na intenção de contrair um empréstimo consignado, foi induzida em erro pelo réu. Afirmou que a modalidade constante do contrato é cartão de crédito com reserva de margem consignável, discorrendo acerca dele. Informou não ter utilizado o cartão de crédito, o que autoriza a conversão do contrato em empréstimo consignado comum. Invocou a aplicação do CDC. Postulou a concessão da gratuidade judiciária, o deferimento da tutela de urgência, a fim de que sejam suspensos os descontos, e, no mérito, requereu a abstenção, por parte do réu, de reserva da margem consignável, bem como a readequação ou conversão do contrato para empréstimo consignado e a restituição em dobro dos valores pagos a maior. Acostou documentos (evento 1).

Declinada a competência, o processo foi redistribuído a esta Vara (evento 3).

Deferida a gratuidade judiciária, dispensada a realização de audiência conciliatória, postergada a análise da tutela e invertido o ônus da prova (evento 6).

Citado, o réu apresentou contestação (evento 13). Afirmou que a parte autora firmou contrato de cartão de crédito consignado, autorizando a averbação da reserva de margem consignável e o desconto em seu benefício previdenciário do valor mínimo da fatura. Destacou a ausência de vício de consentimento e impossibilidade de alteração da modalidade contratada. Informou que a parte autora solicitou saques que lhes foram disponibilizados através de transferência bancária. Disse ter atuado dentro dos limites legais e defendeu a inexistência de ato ilícito. Requereu a improcedência dos pedidos e a retificação do polo passivo da demanda para constar Banco Santander (Brasil) S/A.. Juntou documentos.

Sobreveio réplica (evento 17).

Acrescento que sobreveio julgamento, dele constando o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por IRACEMA NUNES FERREIRA em face de BANCO OLE CONSIGNADO S.A..

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais fixo em R$ 400,00 em respeito ao disposto no art. 85 do Código Processual Civil, suspensa sua exigibilidade, em virtude da concessão da gratuidade judiciária.

A autorra recorre por meio das razões constantes do evento 24, APELAÇÃO1. Alega ilegalidade e abusividade das contratações mediante RMC. Afirma que o cartão não foi desbloqueado e tampouco utilizado, desconhecendo da modalidade escolhida. Aduz a readequação/conversão do empréstimo via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor. Requer repetição em dobro dos valores pagos a maior, corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde o efetivo pagamento até a repetição, bem como acrescidos de juros legais de 1% ao mês. Requer, ainda, redimensionados os honorários. Cita jurisprudência. Pugna pelo provimento do recurso.

Contrarrazões recursais constantes no evento 28, CONTRAZ1.

É o relatório.

VOTO

Por atendimento aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de demanda em que o autor alega, em síntese, ter ocorrido vício de consentimento em pactuação havida com o Banco réu, por ter sido realizada reserva de margem consignada de cartão de crédito quando tinha a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado.

O contrato em debate consta em Evento 13, ANEXO2

Contra o julgamento de improcedência, apela o autor.

Dispõe o art. 138 do Código Civil:

São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Teoricamente, existe diferença entre erro e ignorância. O erro é uma falsa representação positiva da realidade, ao passo que a ignorância é um estado de espírito negativo, traduzindo desconhecimento. Na prática não é simples traçar, contudo, uma diferenciação, de modo que se costuma tratá-los da mesma forma.

O erro pode descaracterizar o negócio jurídico, pois é vício da vontade, causa de anulação. Na doutrina mais clássica costuma-se dizer que o erro, para anular o negócio jurídico (vício da vontade), deve ser substancial e escusável, ou seja, perdoável. Deve o erro atacar a substância do negócio para ser anulável. Deve, ainda, ser perdoável, pois a lei não existe para proteger os desatentos. Segundo a doutrina clássica, o erro é anulável quando ataca a substância do ato e é perdoável ao homem médio. Trata-se, contudo, de entendimento demasiadamente subjetivo, razão pela qual a doutrina moderna, com base no princípio da confiança, que protege a boa-fé das pessoas, e, considerando a dificuldade na análise da escusabilidade do erro, tem dispensado esse segundo requisito.

Para justificar a anulação do negócio deve haver, ainda, um efetivo prejuízo da parte. Nesse viés, possível identificar basicamente três espécies de erro: a) erro sobre o negócio; b) erro sobre o objeto; c) erro sobre a pessoa. O exemplo mais comum é o erro sobre o objeto previsto no artigo 138 e inciso I do artigo 139 do CC/02.

No caso, a parte autora firmou contrato de cartão de crédito com autorização de reserva de margem consignável, mas que a intenção era a de contratar empréstimo consignado, sendo impagável a dívida tal como colocada pela parte ré. A parte ré, por sua vez, mostrou que disponibilizou valor ao autor em decorrência do contrato firmado entre as partes. A ré não demonstrou qualquer uso do cartão pelo autor.

O autor recebe benefício previdenciário de baixo valor e fez empréstimo mediante condições mais onerosas que as previstas para contrato de empréstimo pessoal, que era sua real intenção. Está previsto no contrato em voga CET de 42,58% ao ano (Evento 13, ANEXO2), ao passo que, para o mesmo período de celebração (março/2019), a taxa média de juros estipulada pelo BACEN para crédito consignado a aposentados do INSS era de 25,08% ao ano.

É dever dos fornecedores e prestadores de serviços o agir com lealdade e confiança na formação dos contratos, protegendo a expectativa de ambas as partes. Em outras palavras, a boa-fé objetiva - premissa basilar que deve ser observada em toda relação contratual - constitui um padrão ético de comportamento que deve ser seguido por ambos os contratantes em todas as fases da relação contratual.

Em que pesem as formalidades na formação da relação negocial tenham sido observadas, é preciso considerar que o contrato fornecido ao autor se mostra excessivamente oneroso com flagrante desequilíbrio entre as partes, caracterizando prática abusiva e vedada pelo ordenamento jurídico (art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor).

O Código do Consumidor dispõe ainda sobre a nulidade de cláusulas contratuais, nos seguintes termos:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

[...]

Assim dispõe o Código Civil acerca das declarações de vontade:

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Por outro...

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