Acórdão nº 50033762520208210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50033762520208210008
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002455086
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003376-25.2020.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: NOVO BANCO CONTINENTAL S.A.BANCO MULTIPLO (RÉU)

APELADO: ALCEU DE OLIVEIRA MOREIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

NOVO BANCO CONTINENTAL S.A.BANCO MULTIPLO interpõe recurso de apelação em face da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados por ALCEU DE OLIVEIRA MOREIRA, nos seguintes termos:

Isso posto, JULGO PROCEDENTE a ação para:

a) limitar os juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado apurada pelo BACEN, à época das contratações (1,76% ao mês e 23,23% ao ano, em relação ao contrato nº 42.971, e 1,70% ao mês e 22,39% ao ano, em relação ao contrato nº 44.093), mantendo inalteradas as demais cláusulas; e

b) deferir a compensação/repetição do indébito na forma simples.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte demandante, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 2º, do CPC.

Em suas razões, o banco apelante sustenta a impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios, devendo prevalecer aqueles livremente pactuados. Alternativamente, requer a aplicação das margens de tolerância. Assevera que o índice divulgado pelo BACEN não se trata de limitador ou balizador do juros a serem praticados. Pugna pelo afastamento da compensação do indébito. Pede provimento.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Eminentes colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprio e tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

Assim, passo à análise do mérito recursal.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação revisional de dois contratos de empréstimos nºs 42.971 e 44.093, na qual a sentença limitou os juros remuneratórios e autorizou a restituição do indébito.

Em recurso de apelação, insurge-se a financeira, defendendo a cobrança do encargo nos moldes pactuados. Pugna pelo afastamento da repetição do indébito. Por fim, pede a utilização de outro parâmetro e de forma subsidiária a aplicação das margens de tolerância sobre a taxa média.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

DESCABIMENTO DA PRETENSÃO REVISIONAL. NÃO OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA.

Sustenta a instituição financeira apelante o descabimento da pretensão revisional, ante a inobservância ao Princípio do Pacta Sunt Servanda.

O Código de Defesa do Consumidor, através do seu art. 6º, inciso V, consagrou o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do “Pacta Sunt Servanda” e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso presente à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente.

Dessa forma, a proteção conferida ao consumidor é a mais ampla possível, envolvendo tanto o direito à modificação contratual por abuso presente à contratação, quanto à revisão nos casos de obrigação de trato sucessivo, em que a modificação das condições subjacentes ao pacto tornem a prestação de uma das partes excessiva e desproporcional em relação àquela que cabe à outra parte.

No presente caso, a alegação é de abusividade na contratação.

Os contratos sub judice são pactos de adesão, uma vez que se tratam de formulários impressos onde as condições gerais são pré-estabelecidas pela instituição financeira e impostas ao consumidor sem qualquer possibilidade de discussão das suas cláusulas. A única possibilidade que o consumidor tem, no caso, é a de escolher entre contratar ou não. Uma vez decidindo pela realização do contrato, não tem mais qualquer ingerência sobre o tipo de contrato a ser firmado bem como sobre as cláusulas a serem pactuadas.

Na espécie, o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação, hipótese da primeira parte do inciso V do art. 6º do CDC.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. Cumpre corrigir, de ofício, erro material constante da sentença. APELAÇÃO DA PARTE RÉ. JUROS DE MORA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. Tópico não conhecido. PACTA SUNT SERVANDA E REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS. Diante da aplicação do art. 6º, inciso V, do CDC que consagra o princípio da função social dos contratos, o Princípio do Pacta Sunt Servanda restou relativizado. Outrossim, amparada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum, a revisão judicial dos contratos bancários é juridicamente possível. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70070750286, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, julgado em 26/10/2016).

Assim, afastada a alegação de inobservância ao princípio do Pacta Sunt Servanda.

JUROS REMUNERATÓRIOS

Sustenta a financeira a manutenção dos encargos contratados e, de forma subsidiária, que a simples discrepância dos juros por si cobrados em contraponto à tabela do Banco Central, não é suficiente para caracterizar a abusividade, sendo passível a oscilação do percentual de uma vez e meia sobre a taxa média do Banco Central.

A análise deve ser solvida no norte trilhado pelo eg. STJ - REsp nº 1.061.530/RS -, ou seja, para verificação da configuração, ou não, de abusividade, deve-se fazer o confronto entre as taxas de juros cobradas pela instituição financeira e as constantes da tabela divulgada pelo BACEN para as mesmas operações de crédito.

Dito isso é que, no presente caso, verificado que os encargos praticados no contrato revisando excedem à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central (1,76% ao mês e 23,23% ao ano, em relação ao contrato nº 42.971, e 1,70% ao mês e 22,39% ao ano, em relação ao contrato nº 44.093), fato não impugnado pelo recorrente, resta caracteriza a abusividade, que deverá ser revista.

Quanto a questão pontual da margem de tolerância para a limitação de juros em observância a taxa média de mercado, inexiste tese firmada pela Corte Superior. Razão disto, esta 23ª Câmara Cível, em julgamento pelo art. 942 do CPC, apelação cível n. 70083564989, no qual fui voto vencido, decidiu que é possível a revisão quando a discrepância entre a taxa de juros praticada e a média aferida pelo Banco Central do Brasil puder colocar o consumidor em desvantagem exagerada. Nas palavras do Des. Alberto Delgado Neto, a taxa média é apenas um parâmetro, não se consubstanciando em limitador, e a perquirição acerca da abusividade não é estanque, devendo ser aceita uma pequena margem de variação na taxa de juros, desde que não caracterizada uma vantagem abusiva da instituição financeira e uma prestação desproporcional por parte do consumidor.

Ou seja, na aferição da abusividade afastou-se o critério objetivo (taxa apontada pelo Bacen), para que cada caso concreto seja examinado à luz da (des)proporcionalidade, como bem referido no voto de desempate proferido pelo Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos: Se havia um parâmetro objetivo, a média de juros do Banco Central, a análise do que é abusivo passa a ser subjetiva.

Dito isto, antes do exame do caso aqui posto sob análise, permito-me colacionar meu posicionamento acerca dos juros e respectiva margem de tolerância entre o que é cobrado pela instituição financeira e a tabela do Banco Central.

...

A gênese dos juros1, remonta ao período neolítico, pelo menos 6.000 anos antes de Cristo, no empréstimo de animais ou grãos (o “capital”) com um plus destes na respectiva restituição (juros). Ou seja, mesmo na época em que a troca de mercadorias era direta (escambo), a busca do lucro já existia, constatação em que sociólogos e economistas ancoram a resultante de ser ela integrante da própria natureza humana. Tem densidade, pois, a hipótese de que a figura conceitual dos juros é quase tão antiga quanto a própria civilização, tendo surgido no mesmo momento em que alguém, percebendo que poderia ir além da troca por si só e que, por ter algo que outra pessoa quisesse muito, “poderia utilizar essa necessidade em seu favor”2.

Exemplificativamente, entre os sumérios uma única palavra servia para identificar juros e bezerros, o mesmo ocorrendo entre os egípcios, para os quais o termo juros detinha, também, o sentido de gerar ou dar à luz. A história demonstra que a ideia dos juros desde lá se afirmou e se desenvolveu, tanto que já existia uma firma de banqueiros internacionais em 475 A.C., com escritórios centrais na Babilônia, cuja renda era proveniente das altas taxas de juros cobradas pelo uso de seu dinheiro para o financiamento do comércio3.

Com o surgimento dos juros nasceu o concomitante problema do excesso destes, o que levou à tomada de medidas restritivas à usura por parte dos detentores do poder, que eram os governantes ou os sacerdotes.

Nos primórdios da legislação codificada, o Código de Hamurabi, rei da Babilônia, já previa quase 2.000 anos antes de Cristo, o teto de 20% ao ano para o empréstimo de prata e, no caso de infringência dele, a pena de perda do capital emprestado. Em Roma, a vetusta Lei das Doze Tábuas, datada de quase meio milênio antes de Cristo, além de limitar os juros a 8,5% a.a., tratou tanto do limite dos juros quanto das sanções à sua infringência, exatamente no capítulo em que tratava dos delitos, prevendo, entre outras penas para os usurários, a da infâmia4, que acarretava severas limitações da sua capacidade civil. Na Índia, o Código de Manu, do século II A.C., além de limitar os juros, previa a nulidade da avença e a devolução do excesso cobrado.

No campo da ética religiosa, há diversos vetos no Velho Testamento aos...

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