Acórdão nº 50034137420208210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50034137420208210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001543534
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003413-74.2020.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Sucumbência

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: PORTO SEGURO COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por PORTO SEGURO COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS contra a sentença do evento 45 da origem que, nos autos da ação regressiva de indenização ajuizada em desfavor de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., julgou a demanda nos seguintes termos:

Ante o exposto, com base no art. 487, I, do CPC, extingo o feito, com resolução de mérito, e julgo IMPROCEDENTE o pedido deduzido por PORTO SEGURO COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios em favor do patrono da parte ré, que fixo em R$ 1.000,00, com fulcro no art. 85, §8°, do CPC, tendo em vista o valor atribuído à causa.

Em suas razões (evento 51 da origem), a parte autora elabora relato dos fatos e argumenta a desnecessidade de prévio requerimento administrativo para ajuizamento de ação judicial contra a concessionária. Refere que os fatos constitutivos de seu direito restaram suficientemente demonstrados, sendo as provas documentais juntadas idôneas para comprovar suas alegações, já que se referem a vistorias e exames técnicos realizados por empresas isentas. No ponto, aduz que foi devidamente oportunizado o contraditório à requerida ao longo do processo. Destaca que o nexo causal está evidenciado nos laudos juntados com a inicial, os quais informam que os danos nos equipamentos de seus segurados se deram em razão de distúrbios na rede externa de energia, ou seja, "sobrecarga de tensão de energia". Colaciona jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões (evento 55 da origem), no sentido da manutenção da sentença e, alternativamente, da disponibilização dos salvados pela seguradora, subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e está acompanhado do comprovante de recolhimento do preparo (evento 51 da origem - COMP3). Sendo assim, passo ao seu enfrentamento.

Melhor delimitando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

PORTO SEGURO COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS ajuizou ação de ressarcimento em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.. Narrou, em síntese, que emitiu apólice de seguro para RESIDENCIAL VILLAGIO MASOTTI, com nº 0116.15.17.904- 7. Contou que os bens do(s) segurado(s) foram afetados pela oscilação de energia elétrica proveniente da rede de distribuição da ré, vindo causar dano em seus equipamentos. Disse que, após ser comunicada sobre a ocorrência do dano, indenizou o(s) segurado(s) no valor de R$ 9.142,00, com a franquia descontada, sub-rogando-se nos seus direitos originários. Discorreu sobre a responsabilidade objetiva da parte ré no ressarcimento do prejuízo, o qual deu cobertura. Postulou a condenação da demandada ao pagamento da referida quantia, devidamente atualizado e corrigido monetariamente. Juntou documentos.

A requerida ofereceu contestação, arguindo, em preliminar, a ilegitimidade ativa da autora. No mérito, sustentou não ter responsabilidade pelo dano causado ao segurado. Mencionou que não houve pedido administrativo de indenização pela parte autora ou por seu segurado. Discorreu sobre a inexistência de nexo causal entre o suposto dano e a sua rede de distribuição de energia elétrica. Teceu comentários a respeito da natureza da sua responsabilidade civil. Referiu a presunção de legitimidade dos atos administrativos e afirmou a responsabilidade do usuário pelas instalações elétricas internas. Insurgiu-se quanto à inversão do ônus probatório. Requereu o acolhimento da preliminar ou, no mérito, a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Réplica (Evento 19).

Em decisão de saneamento (Evento 21), a preliminar arguida pela parte ré foi afastada, havendo a fixação das questões (in)controversas e a inversão do ônus probatório, sendo que, na oportunidade, as partes foram intimadas para apresentarem provas, tendo a parte ré nada postulado (Evento 27) e a parte autora pleiteado a intimação da demandada para juntar os relatórios descritos no item "6.2" do Módulo 9 do PRODIST e os relatórios em que conste a variação da tensão de energia que fora entregue na unidade consumidora (Evento 26).

A decisão do Evento 29 determinou a intimação da ré para informar a qual grupo o segurado da autora pertence, tendo aquela peticionado no Evento 32.

Os pedidos de prova formulados pela autora foram indeferidos (Evento 34).

Vieram os autos conclusos para sentença.

Sobreveio sentença de improcedência, razão da interposição do presente recurso pela parte autora.

A discussão posta nos autos diz respeito ao dever da fornecedora de energia elétrica em ressarcir à autora, sub-rogada do prejuízo suportado pelo consumidor, os danos elétricos que cobriu em virtude da existência de contrato de seguro.

De plano, destaco que o acesso ao Poder Judiciário não pode ser condicionado à prévia solicitação ou oposição administrativa, sob pena de afronta ao art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.

Por oportuno, cumpre salientar que a desnecessidade de apresentação do pedido administrativo (ou aviso de sinistro) não isenta a parte autora, seguradora, de demonstrar a ocorrência do evento danoso, dos danos e do nexo de causalidade entre os danos suportados pelo segurado e a alegada falha na prestação do serviço por parte da concessionária.

Atinente à questão de fundo, aplica-se à ré a teoria da responsabilidade objetiva, uma vez que presta serviço público de fornecimento de energia elétrica, forte no disposto no art. 37, §6º, da CF/88. Nessa modalidade, a responsabilidade civil somente é afastada no caso de restar comprovada a ausência de nexo de causalidade entre o dano e a ação do agente ou ocorrência de caso fortuito ou de força maior.

Não bastasse, a demandada, como prestadora de serviço público essencial, enquadra-se na regra do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

A novel doutrina aponta o dever de qualidade nas relações de consumo como um dos grandes nortes instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo assegurar-se segurança e eficiência aos serviços prestados aos consumidores, especialmente nas práticas relacionadas à prestação de serviços essenciais, como ocorre in casu.

Sobre o tema, transcrevo doutrina pertinente de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin e Cláudia Lima Marques a respeito da matéria:

Realmente, a responsabilidade do fornecedor em seus aspectos contratuais e extracontratuais, presentes nas normas do CDC (art. 12 a 27), está objetivada, isto é, concentrada no produto ou no serviço prestado, concentrada na existência de um defeito (falha na segurança) ou na existência de um vício (falha na adequação, na prestabilidade). Observando a evolução do direito comparado, há toda uma evidência de que o legislador brasileiro inspirou-se na idéia de garantia implícita do sistema da common law (implied warranty). Assim, os produtos ou serviços prestados trariam em si uma garantia de adequação para o seu uso, e, até mesmo, uma garantia referente à segurança que deles se espera. Há efetivamente um novo dever de qualidade instituído pelo CDC, um novo dever anexo à atividade dos fornecedores.1

Na espécie, não há dúvida da ocorrência dos danos elétricos no equipamento do segurado, não tendo a ré logrado afastar o nexo causal entre a falha no fornecimento da energia elétrica e o prejuízo constatado.

Daí por que entendo que a responsabilidade pelos danos causados ao segurado, cujo prejuízo foi suportado pela autora na condição de seguradora e que se sub-rogou no direito de cobrança à ofensora, é da concessionária prestadora do serviço de fornecimento de energia, que tem o dever de manter o regular funcionamento do serviço sem súbitas alterações na tensão elétrica, tomando as precauções necessárias e realizando investimentos para manutenção da rede.

Os documentos acostados com a inicial (evento 1 da origem - LAUDO7), com a vênia do entendimento sufragado na sentença, comprovam satisfatoriamente que os danos no equipamento2 decorreram de oscilações na rede elétrica, resultando no prejuízo de R$ 9.142,00, já abatido o valor da franquia (evento 1 da origem - PLAN8).

Por outro lado, entendo não ter a ré logrado afastar o nexo causal entre a falha no fornecimento da energia elétrica e o prejuízo constatado, uma vez que não trouxe aos autos prova hábil a comprovar que os danos suportados não decorreram de instabilidades no fornecimento de energia elétrica.

Neste ponto, cabe esclarecer que possíveis oscilações na rede de abastecimento elétrico não decorrem exclusivamente de fatores climáticos, podendo ser oriundas, também, de falha no abastecimento de energia gerado por fatores internos da concessionária, em ambas as situações, de qualquer sorte, sendo da empresa fornecedora o dever de reparação de prejuízos.

Nessa toada, cabia à apelada demonstrar que o fornecimento de energia elétrica na unidade consumidora do segurado se deu de forma contínua, sem qualquer interrupção, o que não se sucedeu.

Sendo assim, restando suficientemente demonstrado que os...

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