Acórdão nº 50034275420208210002 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50034275420208210002
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003139910
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003427-54.2020.8.21.0002/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: RICHARD MORALES (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou RICHARD MORALES, já qualificado, por incurso nas sanções do art. 16, §1º, IV, ambos da Lei 10.826/03, em vista da prática do seguinte fato descrito na denúncia:

No dia 28 de março de 2020, por volta das 13h25min e imediatamente antes deste horário, em via pública, nas proximidades do Cemitério Municipal, em Alegrete, RS, o denunciado RICHARD MORALES possuiu e portou 01 (um) revólver, calibre .38, com numeração raspada, sem marca aparente, devidamente municiado com 04 (quatro) cartuchos do mesmo calibre, todos de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar (Decretos 9.785/2019, 9.845/19, 9.846/19 e 9.847/2019 e Portaria n.e 1.222 de 12 de agosto de 2019 do Exército Brasileiro), conforme auto de apreensão da fl. 05.Â

Na ocasião, o denunciado RICHARD MORALES foi abordado, em via pública, por integrantes de uma guarnição da Brigada Militar, oportunidade em que, durante a revista pessoal, os policiais militares encontraram na cintura do denunciado, o revólver calibre .38 municiado com 04 (quatro) cartuchos, motivo pelo qual lhe deram voz de prisão em flagrante.Â

A arma e as munições foram apreendidas (fl. 06).Â

O crime foi cometido durante estado de calamidade pública (Decreto Estadual n.Q 55128/2020, de 19 de março de 2020 e suas sucessivas prorrogações).

A denúncia foi recebida em 26/05/2020 (fls. 01/03).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença, publicada em 22/07/2022 (fl. 24), que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 16, § 1º, IV, da Lei 10.826/03, à pena de 04 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 126 dias-multa, no valor unitário mÃnimo legal.

A defesa apelou e, nas razões (fls. 36/45), pede a absolvição em razão da inconstitucionalidade da criminalização dos crimes de perigo abstrato ou, subsidiariamente, a desclassificação para o delito do art. 14 da Lei nº 10.826/03. Quanto à pena, requer o redimensionamento da pena-base, a fixação do regime inicial aberto e o afastamento da pena de multa e das custas processuais.

Apresentadas contrarrazões (fls. 48/50).

Vieram os autos a este Tribunal para julgamento do apelo.

Neste processo, a Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo improvimento do recurso.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado nas sanções do crime previsto no artigo 16, §1º, inciso IV, da Lei n. º 10.826/03, à pena de 04 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 126 dias-multa, à razão unitária mÃnima.

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindÃvel, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurÃdico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princÃpio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada. Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta.

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta.

Quanto ao mais, o recurso não devolveu a esta Câmara a rediscussão dos fatos apontados na denúncia, razão por que, de acordo com entendimento jurisprudencial corrente, não se revela necessário dito enfrentamento. É o que vem defendendo, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, ao destacar que O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princÃpio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercÃcio do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. ” (HC 490.237/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019).

De qualquer modo, destaco que a materialidade está comprovada pela comunicação de ocorrência (fls. 12/15), pelo auto de apreensão (fls. 16/18), pelo laudo preliminar de eficácia de arma de fogo (fl. 22), pelo laudo pericial nº 190826/2020 (fls. 49/50), bem como pela prova oral colhida nos autos, que também dá conta da autoria e foi devidamente sintetizada na sentença, conforme se transcreve:

O policial militar LUCIANO, em resumo, afirmou que foram informados pelo rádio que um indivÃduo armado tinha ameaçado o segurança dum supermercado, que informaram as caracterÃsticas do réu, que o abordaram próximo ao cemitério e na oportunidade ele estava com a arma municiada e depois chegou DAZIO informando que o réu tinha lhe ameaçado com a arma e tentado realizar disparos, sendo que a arma estava em bom estado (mÃdia do sistema DRS, fl. 78).Â

No mesmo sentido foram as declarações dos policiais MARCOS e PAULO, sendo que este ressaltou disse que Dazio informou ter sido vÃtima de tentativa de homicÃdio (mÃdia do sistema DRS, fl. 78).Â

O réu, por fim, confirmou que estava com a arma e que nunca tinha realizado disparos com ela (mÃdia do sistema DRS, fl. 78).

Do contexto narrado, verifica-se que a prova é certa no sentido do cometimento pelo acusado do crime de porte ilegal de arma de fogo. Os policiais ouvidos apresentaram relatos firmes e minudentes, no sentido de que receberam um chamado para averiguar situação envolvendo um agente armado que havia ameaçado um segurança de supermercado. Realizadas diligências, localizaram o acusado e, em revista pessoal, encontraram um revólver calibre .38 municiado em seu poder.

O próprio réu, em juÃzo, admitiu que portava a arma de fogo, embora tenha alegado que nunca efetuou disparos com o artefato - explicação que, ainda se considerada verdadeira, não retira o caráter criminoso da conduta.

Assim, vai mantida a condenação. Â

Todavia, entendo cabÃvel – e impositiva - a desclassificação do crime do art. 16, § 1º, IV, pelo qual o denunciado foi condenado, para o do art. 14, ambos da Lei nº 10.826/03.

Embora no laudo preliminar de eficácia de arma de fogo  (fl. 22) o artefato em questão tenha sido descrito como "revólver, calibre 38, número raspado", analisando o laudo pericial nº 190826/2020 (fls. 49/50), verifica-se que os peritos consignaram que o número de série da arma foi "não localizado":

Do que se depreende do exame, então, a numeração da arma de fogo não foi suprimida ou removida, apenas se encontra “não localizada”, o que não caracteriza a figura tÃpica prevista no inciso IV do § 1º do art. 16 da Lei de Armas.

Neste sentido, aliás, os seguintes precedentes desta Câmara:

APELAÇÃO-CRIME. ART. 16, §ÚNICO, INCISO IV, DA LEI Nº 10.826/03. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONSTITUCIONALIDADE DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. NULIDADE POR AFRONTA AO ART. 212, DO CPP. AUSÊNCIA DO MP. MERA IRREGULARIDADE. ARMA DESMONTADA E DESMUNICIADA. TIPICIDADE. CRIMES DE MERA CONDUTA E PERIGO ABSTRATO. OPERADA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA ART. 14, DA LEI DE ARMAS. PROVA PERICIAL. NUMERAÇÃO NÃO APARENTE. I - Acerca da alegada inconstitucionalidade formal das disposições do Estatuto do Desarmamento, é consabido que a tese já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 3112/DF. II - Constitui mera irregularidade a ausência de representante ministerial quando da audiência de instrução. III - Materialidade e autoria delitivas comprovadas pelo registro de ocorrência, auto de apreensão, laudo pericial das armas de fogo e munições apreendidas, bem como pela prova oral coligida aos autos. IV - O fato das armas estarem desmontadas e desmuniciadas, por ocasião da apreensão, não retira o caráter criminoso da conduta do réu, pois o Estatuto do Desarmamento dispõe, em tipo penal misto alternativo, as condutas de transportar e trazer consigo arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. V - Desclassificação do art. 16, parágrafo único, inc. IV, da Lei nº 10.826/03, para o art. 14. De acordo com a prova pericial, a numeração da arma de fogo de uso permitido não se apresentava raspada, suprimida ou adulterada, apenas não se mostrava aparente. Não havendo a realização de ato voluntário para ocultar a origem do artefato bélico, a elementar do tipo penal mais gravoso não está comprovada. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Crime Nº 70067194712, Quarta Câmara Criminal,...

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