Acórdão nº 50035118720218210077 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 10-03-2023

Data de Julgamento10 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50035118720218210077
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003211500
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003511-87.2021.8.21.0077/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: ARLY NEVES (AUTOR)

APELADO: ITAU UNIBANCO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por ARLY NEVES contra a sentença proferida na ação revisional de contrato bancário ajuizada em face de ITAU UNIBANCO S.A., com o seguinte dispositivo (Evento 25 do originário):

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE os pedidos formulados na AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO movida por ARLY NEVES em face de ITAÚ INIBANCO S.A para, nos termos do art. 487, I, extinguir o feito com resolução de mérito.

Diante da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos a contar desta data, observados os parâmetros elencados no artigo 85, §2º, do CPC. Suspensa a exigibilidade do autor em razão da concessão da AJG.

A parte-autora, declinando suas razões (Evento 29 do originário - Apelação), requer o seguinte:

- aplicados os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor;

- limitados os juros remuneratórios em 12% ao ano;

- reconhecida a repetição do indébito ou a compensação;

- excluído o seu nome do cadastro de inadimplentes;

- cancelados os descontos em folha de pagamento;

- condenado o banco-réu ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos;

- adequada a verba honorária arbitrada.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 36 do originário).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR CONTRARRECURSAL DE INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE.

A regularidade formal é um dos requisitos extrínsecos de admissibilidade da apelação.

Consoante dispõe os incisos II e III do 1.010 CPC, a petição da apelação deverá conter, além do nome e da qualificação das partes e do pedido de nova decisão, os seguintes requisitos: “a exposição do fato e de direito” e “as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade”.

Ora, ao apelante incumbe o ônus processual de formar adequadamente o recurso, expondo a relação fático-jurídica da controvérsia, impugnando especificamente os fundamentos da sentença.

As razões da apelação devem confrontar a sentença de forma que se justifique a sua reforma.

Segundo lição de Fredie Didier Jr.1:

A apelação tem de conter, ainda, a exposição do fato e do direito aplicável e as razões que justificam o pedido recursal (art. 1.010, II e III, CPC), que hão de ser apresentadas juntamente com a petição de interposição, não havendo chance para juntada ou complementação posterior. Em razão dessa exigência, não se permite a interposição de apelação por “cota nos autos”, nem por referência a alguma outra peça anteriormente oferecida, de forma que não se admite apelação cujas razões se restrinjam a reportar-se à petição inicial, à contestação ou à outra peça apresentada. A apelação deve “dialogar” com a sentença apelada: é preciso combater os pontos da decisão, e não simplesmente reiterar manifestações anteriores. O art. 932, III, CPC, é muito claro ao reputar inadmissível recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida.

No mesmo sentido, conforme lição de Luiz Guilherme Marinoni2:

O art. 1.010, CPC, impõe a forma com que deve o recorrente redigir o recurso de apelação. Concerne, portanto, à regularidade formal do recurso. Seu não atendimento leva ao não conhecimento do recurso por ausência de requisito extrínseco de admissibilidade recursal, acaso não sanado oportunamente (art. 932, parágrafo único, CPC). O art. 1.010, II e III, CPC, impõe ao recorrente o ônus de contrastar efetivamente a sentença nas suas razões recursais. Já se decidiu que “ao interpor o recurso de apelação, deve o recorrente impugnar especificamente os fundamentos da sentença, não sendo suficiente a mera remissão aos termos da petição inicial e a outros documentos constantes nos autos” (STJ, 5.ª Turma, REsp 722.008/RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 22.05.2007, DJ 11.06.2007, p. 353). Ainda: “a reprodução na apelação das razões já deduzidas na contestação não determina a negativa de conhecimento do recurso, especialmente quando as razões ali esposadas são suficientes à demonstração do interesse pela reforma da sentença” (STJ, 3.ª Turma, REsp 604.548/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.12.2004, DJ 17.12.2004, p. 536).

Em suma, para que o Tribunal aprecie a matéria é necessário que o recurso de apelação impugne especificadamente os fundamentos de fato e de direito da sentença ou as questões ali representadas, não se admitindo o conhecimento de petição genérica ou simplesmente remissiva à outra peça processual, uma vez que, não realizado o efetivo “diálogo” com a decisão recorrida, o recurso não preenche os pressupostos para seu conhecimento.

Na hipótese dos autos, o recurso de apelação impugnou suficientemente o conteúdo da sentença recorrida, atendo-se à questão central acerca do deferimento da tutela provisória de urgência a fim da suspensão dos descontos e vedação de inscrição em rol de inadimplentes, assim como da condenação do apelado ao pagamento de danos morais e limitação dos juros remuneratórios.

Eventuais deficiências da referida peça não possuem o condão de prejudicar a defesa nem de implicar o não-conhecimento do recurso, que preencheu os requisitos formais.

Enfim, cumprindo o dever de diálogo com a sentença necessário ao conhecimento do recurso, não há falar em ofensa ao Princípio da Dialeticidade por descumprimento do disposto no art. 1.010 do CPC.

REJEITO, pois, a preliminar contrarrecursal de não conhecimento da apelação.

REVISÃO JUDICIAL DO CONTRATO

A revisão judicial dos contratos bancários encontra-se amparada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum.

De fato, a Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais, assegura a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito da parte, consoante dispõe seu inciso XXXV do art. 5º.

Não bastasse, o Código de Defesa do Consumidor consagrou o princípio da função social dos contratos (art. 6º, V, do CDC), relativizando o rigor do pacta sunt servanda e permitindo ao consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão der fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Outrossim, na colisão entre os princípios da autonomia privada e os princípios da boa-fé e da função social do contrato, estes receberam precedência pelo Código Civil de 2002, o que não significa que o princípio cedente – pacta sunt servanda – tenha perdido sua validade.

Nesse sentido, transcrevo jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA. [...] 1.1. Ademais, a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o princípio da pacta sunt servanda pode ser relativizado, visto que sua aplicação prática está condicionada a outros fatores, como, por exemplo, a função social, a onerosidade excessiva e o princípio da boa-fé objetiva dos contratos. Incidência da Súmula 83/STJ. [...] 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1506600/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2019, DJe 12/12/2019).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. INCIDÊNCIA DO CDC. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. [....] 1. No pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda. Precedentes. [...] 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1422547/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 14/03/2014).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. REVISIONAL. PACTA SUNT SERVANDA. RELATIVIZAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. [...] 1. A legislação consumerista permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, relativizando o princípio do pacta sunt servanda. [...] 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 349.273/RN, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 07/10/2013).

Dessa forma, não prevalecem os genéricos argumentos da instituição financeira acerca da obediência ao “princípio do pacta sunt servada”.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) é aplicável aos contratos bancários, pois há uma prestação de serviços, estabelecendo-se uma relação de consumo entre a instituição financeira prestadora e o cliente consumidor.

Esta questão encontra-se resolvida em caráter definitivo, razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 297: “O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras” (Súmula 297, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/2004, DJ 09/09/2004, p. 149).

No entanto, a efetiva aplicação do CDC depende da comprovação de eventual abusividade no caso concreto.

JUROS REMUNERATÓRIOS.

A norma prevista no art. 192, § 3º, da Constituição Federal, que limitava as taxas de juros reais em 12% ao ano e que restou revogada pela Emenda Constitucional n. 40 de 29 de maio de 2003, não era autoaplicável.

Veja-se a Súmula n. 648 do STF: “A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei...

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