Acórdão nº 50035121420218210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50035121420218210064
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003251009
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003512-14.2021.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Dano (art. 163)

RELATOR: Juiz de Direito MAURO CAUM GONCALVES

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por W. M. F., em face da sentença que, nos autos da representação ajuizada pelo Ministério Público, pela prática de ato infracional equiparado ao crime de dano, com base no art. 163, caput, do Código Penal, julgou parcialmente procedente o pedido, cujo dispositivo restou assim redigido:

Diante do exposto JULGO PROCEDENTE a representação oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO para aplicar ao adolescente W. M. DE F. a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade por 04 (quatro) meses 04 (quatro) horas semanais junto ao CREAS e a Obrigação de Reparar o Dano.

Em suas razões recursais, a defesa técnica do adolescente sustentou a necessidade do reconhecimento da existência de um sistema penal juvenil, com aplicação subsidiária das regras do Código de Processo Penal. Além disso, apontou a inexistência de laudo interdisciplinar, razão pela qual requer o reconhecimento da nulidade do feito. No mérito, sustentou a tese de insuficiência probatória, invocando o princípio in dubio pro reo, requerendo a reforma da decisão, com a absolvição do adolescente. Teceu considerações acerca da prova produzida. Subsidiariamente, pugnou pela reforma da medida socioeducativa aplicada para uma mais branda ou em menor tempo de duração. Colacionou jurisprudência ao sufrágio de seus argumentos e, ao final, requereu a procedência do apelo para que seja o recorrente absolvido.

Em sede de contrarrazões, o Ministério Público sustentou que as provas produzidas demonstram a materialidade e a autoria, consubstanciado pela palavra da vítima e da testemunha. Teceu considerações acerca da prova oral produzida. Colacionou jurisprudência ao sufrágio de seus argumentos, e, ao final, requereu o desprovimento do recurso e a manutenção da decisão da origem.

O Ministério Público junto a esta Câmara ofereceu parecer, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

Passo a fundamentar a decisão.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade conheço da apelação.

PRELIMINARES

DO LAUDO DE AVALIAÇÃO PSICOSSOCIAL

A defesa suscitou, como matéria preliminar, a nulidade do processo por ausência de laudo interdisciplinar.

O artigo 186, caput, da Lei n.º 8.069/90, determina:

Art. 186. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado.

Note-se, pela leitura do dispositivo, que a realização do laudo interdisciplinar é facultativa, ficando a critério do julgador a sua realização, quando entender conveniente.

Tal entendimento foi pacificado pela conclusão nº 43 do Centro de Estudos deste Tribunal de Justiça.

Vejamos:

Em processo de apuração de ato infracional, a realização de laudo pela equipe interdisciplinar não é imprescindível à higidez do feito, constituindo faculdade do juiz a sua oportunização.

Não é outro o entendimento desta 8ª e da 7ª Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE ROUBO MAJORADO. PRELIMINAR DE NULIDADE PELA AUSÊNCIA DE LAUDO INTERDISCIPLINAR. REJEIÇÃO. MÉRITO. PEDIDO DE IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. DESCABIMENTO. RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA E DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA MSE DE ISPAE. PRELIMINAR. A AUSÊNCIA DE LAUDO SOCIAL REALIZADO POR EQUIPE INTERDISCIPLINAR NÃO GERA NULIDADE DO PROCESSO, DE ACORDO COM A CONCLUSÃO Nº 43 DO CENTRO DE ESTUDOS DO TJRGS. MÉRITO. COMPROVADA NOS AUTOS MATERIALIDADE E AUTORIA DO ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA, IMPÕE-SE A PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. DECLARAÇÕES PRESTADAS EM JUÍZO, SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, REFORÇARAM OS ELEMENTOS DE PROVA PRESENTES NOS AUTOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA NÃO RECONHECIDA, PORQUANTO AS PROVAS TESTEMUNHAIS INDICARAM EFETIVA PARTICIPAÇÃO DO REPRESENTADO NO EVENTO, CUJA CONDUTA FOI DELIMITADA, INDICANDO QUE O REPRESENTADO AGIU LIVRE E CONSCIENTEMENTE. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA NÃO SE APLICA AOS PROCEDIMENTOS DE ATO INFRACIONAL, SUBMETIDOS AO ECA. MEDIDA DE INTERNAÇÃO SEM POSSIBILIDADE DE ATIVIDADES EXTERNAS ADEQUADA ÀS CIRCUNSTÂNCIAS E À GRAVIDADE DO ATO INFRACIONAL PRATICADO E ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO ADOLESCENTE, QUE POSSUI ANTECEDENTES INFRACIONAIS. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 50103953720208210023, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 01-07-2021).

APELAÇAÕ CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A AMEAÇA. PRELIMINARES DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE LAUDO INTERDISCIPLINAR E NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO DE SISTEMA PENAL JUVENIL. AFASTADAS. DESCABIMENTO DO PLEITO DE IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. PROVA SUFICIENTE DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL. 1. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE SISTEMA PENAL JUVENIL. EM TODOS OS PROCESSOS JUDICIAIS, É INAFASTÁVEL A OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, COM REVERÊNCIA À AMPLA DEFESA, O QUE NÃO FOI FERIDO NO CASO EM APREÇO. E NEM A DEFESA APONTA CONCRETAMENTE QUALQUER VIOLAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. 2. AUSÊNCIA DE LAUDO INTERDISCIPLINAR. O LAUDO DE AVALIAÇÃO SOCIAL É FACULTATIVO, PODENDO O JUIZ, SE ENTENDER QUE NOS AUTOS RESIDEM AS PROVAS SUFICIENTES PARA FORMAR SUA CONVICÇÃO. REITERADOSPRECEDENTES. NO CASO É DESNECESSÁRIO E NÃO SE VERIFICA PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. 3. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA QUE O REPRESENTADO EFETIVAMENTE PRATICOU AS AMEAÇAS CONTRA A VÍTIMA, MOTIVO PELO QUAL DEVE SER RESPONSABILIZADO. 5. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. APLICAÇÃO ADEQUADA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE, CONTUDO, EM HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, DEVE SER REAJUSTADA CARGA HORÁRIA ESTABELECIDA PARA MSE EM 1 MÊS, 4 HORAS SEMANAIS. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO PARCIALMNETE PROVIDA. (Apelação Cível, Nº 50000764520188210131, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 23-06-2021).

Nesse mesmo sentido, é o entendimento do E. STF:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS A DUPLO HOMICÍDIO E DUPLA TENTATIVA DE HOMICÍDIO. ESTUDO DE CASO. LAUDO DE EQUIPE INTERDISCIPLINAR. FACULDADE DO JUÍZO. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO. 1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte. 2. A realização do estudo técnico interdisciplinar previsto no art. 186, § 2º, da Lei nº 8.069/90 constitui faculdade do juiz do processo por ato infracional e não medida obrigatória. Embora seja preferível a sua realização, dificuldades de ordem prática ou o entendimento do magistrado acerca de sua prescindibilidade podem autorizar a sua dispensa. 3. A prática por adolescente de crimes graves com violência extremada contra a pessoa justifica a medida socioeducativa de internação (art. 122, I, da Lei nº 8.069/1990). 4. Habeas corpus extinto sem resolução do mérito. (HC 107473, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 11/12/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049 DIVULG 13-03-2013 PUBLIC 14-03-2013- grifos apostos)

Assim, afasto a preliminar suscitada.

DA EXISTÊNCIA DE UM SISTEMA PENAL JUVENIL E DA NECESSÁRIA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS REGRAS DO CPP

Este relator entente ser indispensável a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal em sede de ato infracional.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em que pese seja baseado na doutrina da proteção integral, não traz, em seu corpo, novas garantias processuais que substituam as que são constitucionalmente e processualmente previstas, especialmente aquelas constantes do artigo 5º da Constituição Federal.

Dessa forma, a leitura a ser feita, principalmente à luz da doutrina da proteção integral, é que o ECA não exclui as demais garantias, mas sim as reforça.

O ECA é norma que contempla a Doutrina da Proteção Integral, princípio que rege a ação estatal frente às crianças e adolescentes, e que, por outro lado, quando da manifestação de tal princípio no âmbito do processo de ato infracional supostamente cometido por adolescentes, no momento derradeiro, não deve servir, apenas, para penalizar o adolescente por meio de um processo despido dos direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988.

Assim, a despeito de o ECA não trazer, de forma expressa, determinadas garantias, entende-se que devem ser observadas, já que emergem da Constituição Federal e da Lei Processual Penal, bem como da necessária exegese teleológica dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, que, se já resguardam a todo tempo a pessoa maior, assim o devem fazer quanto ao adolescente.

A partir de tais premissas, evita-se o que comumente ocorre na prática: um instituto legal voltado a crianças e adolescentes, que se mostra mais gravoso que a norma voltada àqueles que não necessitam de tal proteção - o adolescente...

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