Acórdão nº 50035258620148210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 06-04-2022

Data de Julgamento06 Abril 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50035258620148210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001765897
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003525-86.2014.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Erro médico

RELATOR: Desembargador EUGENIO FACCHINI NETO

APELANTE: LUCAS BEHLING EVALD (AUTOR)

APELADO: HELEN ROLDAN NEUENFELD (RÉU)

APELADO: HOSPITAL DE CARIDADE DE CANGUCU (RÉU)

RELATÓRIO

LUCAS BEHLING EVALD, representado por sua mãe NARA LIZANI BEHLING EVALD, apela de sentença do Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de Pelotas (Evento 3, PROCJUDIC8, fls. 32/37, do caderno eletrônico de origem) que, nos autos da ação ordinária que move contra HOSPITAL DE CARIDADE DE CANGUÇU e HELEN ROLDAN NEUENFELD, assim decidiu:

(...)

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO.

Condeno o autor ao pagamento das custas do processo e honorários periciais e de advogado, estes últimos arbitrados em 15% do valor da causa, corrigidos pelo IGP-M desde o ajuizamento da ação, e acrescido de juros de mora simples de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado, ao abrigo da gratuidade da justiça.

Após o trânsito em julgado, caso nada mais seja requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se, íntimem-se.

(...)

Em suas razões (Evento 3, PROCJUDIC8, fls. 40/45, dos autos eletrônicos de origem) a parte autora/apelante sustenta que "No dia 30 de maio de 2014 o Recorrente - com 4 anos de idade na data - teve uma crise de tosse tão intensa que precisou ser levado ao Hospital de Caridade de Canguçu (Recorrido), pois sua genitora não quis se precipitar em dar xarope ao infante sem ter certeza do que ocorria, já que o Recorrente é portador de autismo e recentemente havia passado por uma cirurgia. A médica que atendeu o Recorrente, Sra. Hellen Roldan Neuenfeld (Recorrida), imediatamente disse se tratar de bronquite, devido aos sintomas. O Recorrente tinha tosse alérgica, o que foi relatado na ocasião pela sua mãe. A médica pediu uma radiografia do tórax para avaliar melhor, e assim o fez. Com o laudo em mãos, a médica diagnosticou pontada de pneumonia e o Recorrente foi internado pelo Sistema Único de Saúde. Após procedimentos e medicações, no dia 1 de junho de 2014 foi realizada nova radiografia, quando a médica disse que o Recorrente estava um pouco melhor e poderia terminar o tratamento em casa, quando teve alta e retornou à Pelotas, onde reside. Em casa, a primeira dose do medicamento prescrito (de 6/6 horas) foi aceita pelo Recorrente, mas já na segunda dose ele começou a rejeitar, provocando vômitos e mal estar que somente aumentaram; quando então na manhã do dia 3 de junho a mãe do Recorrente ligou para o Hospital e pediu o telefone da médica, pois precisava de orientação. Ao ligar para a médica, atendeu um homem que disse que ela ainda não havia chegado, mas ao explicar a gravidade do caso na mesma hora passaram a ligação para a médica, que disse não ter disponibilidade em atender o paciente e que a mãe deveria dar ao Autor 'Dramin' meia hora antes da medicação anteriormente prescrita. Se não adiantasse, que procurasse um Posto de Saúde para trocar por injeção ou um Pronto Socorro para interná-lo. Assim mãe e filho se deslocaram até um Posto de Saúde, onde fizeram radiografia do tórax em que não acusava pneumonia e que a medicação deveria ser suspensa, pois estava prejudicando o Recorrente. Entretanto, por precaução, pediram para voltarem 24 horas depois a fim de repetir a radiografia, quando novamente mostrou que o Recorrente não tinha alteração nos pulmões. O médico que atendeu o Recorrente no Posto de Saúde pediu somente para sua genitora observar o Recorrente e caso notasse qualquer alteração retornar ao Posto de Saúde imediatamente, pois a medicação que ele ingeriu anteriormente era muito forte e tomou desnecessariamente. Foram no total 5 dias de tortura para o Recorrente, uma criança, pois ele sofreu muito, e sua família junto. Indignada com a situação, a mãe do Recorrente não hesitou em procurar a tutela do judiciário, no sentido de que o caso não passe despercebido e que o mesmo fato não acontecesse com outras pessoas." Ressalta que o Hospital de Canguçu limitou-se a tecer alegações genéricas em sua defesa. Já a ré Helen faltou com a verdade, insinuando que os pais do menor não o cuidavam devidamente. Reitera que houve erro de diagnóstico, restando caracterizada a negligência da referida profissional. Pede a reforma da sentença.

Intimadas para as contrarrazões, apenas a ré Helen se manifestou (Evento 3, PROCJUDIC8, fls. 48/50 e PROCJUDIC9, fls. 1/9, dos autos eletrônicos de origem) arguindo, em preliminar, a sua ilegitimidade passiva para respoder à causa, considerando que o atendimento prestado deu-se através do SUS. No mérito, reiterou os argumentos lançados em sua defesa, destacando a prova produzida nos autos, em especial a pericial, que confirmou que não houve qualquer erro de atendimento, diagnóstico e/ou procedimento. Pede o acolhimento da preliminar. Caso superada, pugna pela manutenção da sentença de improcedência.

É o sucinto relatório.

VOTO

Colegas.

Trata-se de ação indenizatória ajuizada pelo menor Lucas, representado por sua mãe, contra os réus, por alegado erro de diagnóstico e de tratamento prestados pela Dra. Helen no Hospital de Caridade de Canguçu, no dia 30/05/2014.

A sentença foi de improcedência, ensejando recurso exclusivamente da parte autora.

Antes de examiná-lo, porém, imperioso se faz apreciar a preliminar contrarrecursal de ilegitimidade passiva arguida pela média HELEN ROLDAN NEUENFELD.

E adianto que estou por acolhê-la, o que faço seguindo a orientação sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (TEMA 940):

RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO – RÉU AGENTE PÚBLICO – ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE – ADMISSÃO NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PROVIMENTO.
(RE 1027633, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-268 DIVULG 05-12-2019 PUBLIC 06-12-2019)

“A teor do disposto no art. 37, §6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Observo, por oportuno, que nas hipóteses em que o atendimento médico é prestado pelo SUS, tem-se, necessariamente, que adotar o regime previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Republicana, o qual prevê a responsabilidade civil objetiva do Estado e dos prestadores de serviços públicos por danos que seus agentes, eventualmente, causarem a terceiros, in verbis:

Art. 37[...]

[...]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

O médico, nesse caso, ainda que não seja servidor público concursado, equipara-se ao agente público, mesmo que tenha prestado serviços em Hospital particular. A responsabilidade do agente, portanto, deve ser apurada somente na eventual via regressiva, devendo a demanda ser ajuizada diretamente contra o ente, público ou privado, prestador de serviço público.

No sentido dessa orientação, que passou a predominar nesta Câmara, cito como precedente o voto de relatoria do eminente Des. Tasso Delabary, proferido no processo n. 70067766535, bem como os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AGENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da RE n. 327.904, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 8.9.06, fixou entendimento no sentido de que "somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 470996 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009, DJe-171 DIVULG 10-09-2009 PUBLIC 11-09-2009 EMENT VOL-02373-02 PP-00444 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 172-175)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO.

O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 327904, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 08-09-2006...

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