Acórdão nº 50035281620158210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50035281620158210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002038359
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003528-16.2015.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Investigação de Paternidade

RELATOR: Juiz de Direito MAURO CAUM GONCALVES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por L. A. R. E. contra a sentença que, nos autos da ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de anulação de registro civil, ajuizada em seu desfavor por F. C. D. L. C, julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:

a) DECLARAR que E. P. C. C. não é pai biológico de F. C. DA L. C.;

b) DECLARAR que L. A. R. E. é pai biológico de F. C. DA L. C.;

c) RETIFICAR o registro civil DO AUTOR, no que diz respeito a paternidade registrada, devendo ser excluídos do registro o nome de Elino e dos avós paternos, bem como o patronimico "CEZAR", e, em substituição, lançando o nome de L. A. R. E. e dos avós paternos ( A. P. E. e C. R. E. conforme informações obtidas por este juízo no sistema de Consultas Integradas, extrato que segue), destacando que o autor passará a se chamar F. C. DA L. E.

Os réus responderão pelas custas processuais e honorários advocatícios ao FADEP, que fixo em R$ 2.000,00 (três mil reais) para cada demandado, diante da natureza e peculiaridades.

Após o trânsito em julgado, expeça-se averbação ao Cartório de Registro Civil de Pesoas Naturais competente, para retificar a paternidade do demandado, excluindo-se do registro o nome de Elino e dos avós paternos registrados, atentando ao reconhecimento ora declarado, bem como ao patronímio adotado pelo autor em cumprimento da presente decisão.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Em suas razões, o apelante (pai biológico) alegou que o apelado esperou o óbito de seu pai registral para, aos 46 anos de idade, ajuizar a presente ação, movido por interesses meramente patrimoniais. Argumentou que, por não haver verossimilhança nas alegações da inicial, bem como o mínimo de prova da alegada paternidade, recusou-se a realizar o exame de DNA, sustentando não poder ser considerado pai registral tão só porque forneceu o material genético para o nascimento do filho que nunca desejou criar e pelo qual nunca zelou. Referiu que, de acordo com a prova oral, o apelado sempre soube ser filho biológico do apelante, mas decidiu construir uma relação familiar sólida e duradoura com seu pai de criação Elino, o que deve prevalecer. Aduziu que o recorrido não mais se encontra numa situação vulnerável de desenvolvimento mental e físico - tais quais as crianças e os jovens - pois aos 50 anos de idade já experimentou por 29 anos - desde o seu terceiro ano de vida - uma relação parental afetiva absolutamente consolidada com seu pai de criação, mesmo sabendo que não havia vínculo biológico entre eles. Asseverou que, ainda que o direito reclamado na inicial seja personalíssimo, indisponível e imprescritível, deve ser sopesado pelo Julgador que o decurso temporal possui relevância no caso em exame, especialmente no que refere a ponderar sobre os efeitos decorrentes de eventual reconhecimento de vínculo biológico. Requereu, com estes aportes, o provimento do apelo para que seja reformada a sentença e julgado improcedente o pedido.

Em contrarrazões, o apelado refutou os argumentos recursais, reiterando os fundamentos de que a existência de relação parental socioafetiva, por si só, não impede o reconhecimento de um vínculo biológico. Pontuou que o simples decurso do tempo não afeta o direito à declaração da verdade, sobretudo no caso concreto, em que há presunção de paternidade pela negativa de realização de exame genético. Pleiteou, então, a confirmação do decisum.

Os autos ascenderam a esta Corte sendo a mim distribuídos.

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (art. 1.009 do Código de Processo Civil), conheço do apelo.

A controvérsia submetida à análise desta Corte de Justiça centra-se em definir se possível o reconhecimento e a declaração da paternidade biológica de Leo Afonso Rodrigues Emerin em relação a Fabricio Capovilla da Luz Cezar, retificando-se, corolário lógico da procedência do pedido, o assento de nascimento de Fabricio para substituir o pai registral (Elino) por Afonso - alegadamente pai biológico -, vindicando-se os direitos decorrentes.

O Magistrado a quo, a fim de embasar a procedência do pedido, valeu-se expressamente da orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2016, com repercussão geral e força vinculante da seguinte tese jurídica A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (STF. RE 898060, Relator Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, Processo Eletrônico - Repercussão Geral - Mérito. DJe-187, divulg. 23-08-2017, public. 24-08-2017); além do fato de que o apelante, pai biológico, deixou de fornecer material genético para a realização de exame de DNA, aplicando o que dita a Súmula n. 301 do STJ, Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

Pois bem.

O autor-apelado sempre soube que sua mãe manteve um relacionamento com o demandado-apelado, relação que frutificou com a sua gestação. Ao que tudo indica - digo isto de acordo com a prova testemunhal, especificamente o depoimento de Eloisa -, o apelante não tinha interesse em exercer a paternidade, tendo sugerido, inclusive, que a mãe do apelante (sua "ficante" à época) interrompesse a gestação. Agindo de encontro a isto, separaram-se, gestou e pariu o filho - apelado - quando ja estava casada com Elino, que o registrou.

Esta relação - de Elino e o apelado - se consolidou, jurídica e afetivamente, por mais de 45 anos, cujo manto que a assentava apenas foi levantado com o óbito de Elino, providenciando o apelado o ajuizamento da presente ação.

Rogo vênia para dizer que a atitude de Fabricio, apelado, causa espécie.

Lembro que as questões atinentes ao estado da pessoa são de ordem pública e, dessa forma, são indisponíveis. Além disso, é preciso notar que a relação de filiação estriba-se, em princípio, na existência do vínculo biológico ou de consanguinidade e que o Registro Público deve, tanto quanto possível, espelhar a verdade real. No entanto, situações existem em que o liame consanguíneo não se verifica e, ainda assim, persiste, de forma incontroversa e inquestionável, a relação jurídica de paternidade.

É que a paternidade, mais do que um mero fato biológico, é um fato social e que ganha expressão no mundo jurídico dado o seu significado social. É o que ocorre, por exemplo, quando um homem, com a anuência materna, firma o registro de paternidade, consciente da inexistência do vínculo biológico. E, nesse caso, por força da Lei, ao pai registral não é dado arrepender-se e buscar a revogação do seu ato (art. 1º da Lei n. 8.560/92).

Aliás, para a definição do vínculo de paternidade, vem sendo cada vez mais prestigiado o critério da verdade socioafetiva e até, não raro, em detrimento da própria verdade biológica.

Além da questão da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais, deve ser destacado o alcance protetivo do vínculo parental, seja no plano econômico, seja no plano moral. Tanto assim é que, por exemplo, na própria adoção, onde evidentemente não existe o liame biológico, o legislador constituinte encarregou-se de equipará-la à filiação natural, sendo vedada qualquer designação discriminatória acerca da natureza da filiação (art. 227, §6º, da Constituição Federal).

In casu, o apelado reclama a paternidade biológica, mas existe uma relação jurídica parental hígida há mais quarenta anos e a sua desconstituição, data maxima venia, não pode ser mera consequência da existência do liame de consanguinidade com outro homem que não o pai registral, como foi apurado na sentença.

Restou consolidado, por todos estes anos, um vínculo de parentesco amplo, com direito e obrigações recíprocas, não apenas em relação ao pai registral, mas com todos os demais parentes dele. E o fato do pai registral ter falecido não tem o condão de afastar a dignidade da família por eles constituída.

Está claro, pois, que a finalidade da presente ação não é outra senão a obtenção de interesses patrimoniais.

É certo que a ação de investigação de paternidade é imprescritível, pois cuida-se nela do estabelecimento de uma relação jurídica de filiação. Isto é, quem não possui pai, pode reclamar, a qualquer tempo, o reconhecimento do vínculo parental.

No entanto, não vejo, pois, como dar prevalência ao liame biológico em detrimento do registral, com sólidas raízes fincadas no plano familiar e social, na medida em que o falecido Elino era casado com a mãe do apelado e promoveu o registro dele mesmo sabendo que não era o pai biológico, exercendo de forma plena a paternidade, desde o seu nascimento e ao longo de quase toda a sua vida.

Nesse contexto, não há como afirmar agora, decorridos mais de quarenta anos do registro, que a verdadeira paternidade do apelado é a biológica e não a registral. Não vejo como edificante a conduta do apelado, que pretende dar valor ao vínculo consanguíneo - sabido por ele por todos estes anos -, em detrimento do vínculo formado com seu pai registral, buscando isto apenas após o seu falecimento.

E, rogo vênia a dizer, não me parece digno esquecer os pilares morais que sustentaram a sua família, constituída pela sua mãe, casada com o seu pai registral, para desconstituir essa relação jurídica!

Destaco que a verdade, em matéria de paternidade e filiação, está longe de ser...

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