Acórdão nº 50035311120188210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50035311120188210004
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002606571
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003531-11.2018.8.21.0004/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: SIDNEI GONCALVES NUNES (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto o relatório contido no acórdão objeto do juízo de retratação em tela, resultante de julgamento realizado na sessão de 01/06/2022:

"Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL da sentença que, no âmbito da ação de rito ordinário com pedido de tutela antecipada movida por SIDNEI GONÇALVES NUNES, por intermédio da Defensoria Pública, julgou procedente o pedido para condenar o réu ao fornecimento dos medicamentos "SOFOSBUVIR 400 MG (Sovaldi), DECLATASVIR 60 MG (Daklinza), RIVABIRINA 250 MG (Ribavirin) ou colocar à disposição numerário para que efetive a aquisição dos fármacos", nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC). Ainda, isentou o réu do pagamento da taxa única, conforme art. 5°, inc I, da Lei n° 14.634/2014, condenando apenas em despesas processuais, exceto oficial de justiça, nos termos dos arts. 14 e 16 da mesma Lei. Por fim, sem condenação em honorários advocatícios (Evento 3, PROCJUDIC3, Páginas 19/29).

Sustenta, preliminarmente, que um dos medicamentos objetos da lide constou no dispositivo da sentença de forma equivocada com o nome de "rivabirina". Requer seja sanado o erro material apontado, passando a constar no dispositivo o nome correto do fármaco, qual seja, ribavirina. Alega sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento de que a União é a responsável pelo fornecimento dos medicamentos postulados, devendo, portanto, integrar a lide, diante do entendimento adotado no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal (STF). Colaciona julgados. Aduz que o dever de prestar assistência à saúde é compartilhado entre os Municípios, os Estados e a União, consoante o disposto nos art. 23, II, e 198 da Constituição Federal (CF). Assevera que, embora mantido o entendimento pela solidariedade dos entes públicos, é necessário que ocorra o ressarcimento daquele que tenha suportado indevido ônus financeiro. Ressalta que o fornecimento dos fármacos pleiteados incumbe à União, posto que integram o Grupo 1A do Componente Especializado de Assistência Farmacêutica, com aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde. Cita a Portaria MS n. 1554/2013 e a Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Defende que a organização do sistema de saúde é realizada segundo as condições de atendimento e as possibilidades orçamentárias de cada ente público, portanto, para a sobrevivência do sistema, o atendimento à saúde pública deve ser feita pelos entes federados. Além disso, assevera que deve constar na sentença a ressalva de que o tratamento ora concedido limita-se ao período de 24 meses, a fim de evitar que a parte autora receba os medicamentos objeto da lide por período superior ao estabelecido pelo seu médico. Pugna, ao fim, "a reforma da sentença para que, à luz do Tema 793 do STF, seja oportunizado ao autor emendar a inicial para incluir a UNIÃO no polo passivo, com posterior remessa do processo à Justiça Federal, sob pena de extinção do feito, considerando que os medicamentos postulados integram o Grupo 1A do Componente Especializado de Assistência Farmacêutica, com aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde. Subsidiariamente, caso mantida a condenação do ESTADO ao fornecimento dos fármacos, o ESTADO requer a reforma da sentença para que A) seja sanado o vício material constante no dispositivo, passando a constar o nome correto do fármaco RIBAVIRINA e B) seja referido expressamente no dispositivo a ressalta de que o tratamento com medicamentos objeto da lide se limita ao período de 24 (vinte e quatro) meses. Por fim, requer a manifestação expressa dos artigos e questões referidas no presente recurso, com o fito de que, no futuro, seja atendido o requisito processual de prequestionamento na hipótese de interposição de recurso especial/extraordinário". (Evento 3, PROCJUDIC3, Páginas 31/39).

Foram apresentadas contrarrazões ao recurso de apelação (Evento 3, PROCJUDIC3, Páginas 41/48)

O Ministério Público, nesta instância, opina pelo conhecimento e desprovimento do apelo do Estado (Evento 06 do recurso)."

Naquele julgamento, à unanimidade, foi negado provimento à apelação do Estado (Evento 10).

Interposto recurso extraordinário, o Estado, em longo arrazoado acerca das políticas públicas de saúde e da competência do tratamento com medicamentos pertencentes ao Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF) e não padronizada no Sistema Único de Saúde (SUS), alega ser responsabilidade da União a prestação dessa assistência, conforme critérios estabelecidos no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal (STF)(Evento 18).

A parte autora apresentou contrarrazões ao recurso (Evento 2).

Julgado o RE 855.178/SE pelo STF, vieram os autos conclusos para fins de exame da possibilidade de retratação quanto à eventual necessidade de intervenção da União à luz do Tema 793 (Evento 25).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de demanda de dispensação de tratamento com os fármacos SOFOSBUVIR 400mg (Sovaldi), DACLATASVIR 60mg (Daklinza), RIBAVIRINA 250mg (Ribavirin), visto a parte autora ter sido diagnosticada com Hepatite Viral Crônica C (CID B 18.2), em face do que invoca o Estado a aplicabilidade do Tema 793 do STF (RE n. 855.178).

Observa-se que os medicamentos fazem parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), classificados como Componente Estratégico (https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2022/02/20210367-RENAME 2022).

Os autos retornaram a este Relator para reapreciação da matéria, forte no art. 1.036 do CPC, tendo em vista o julgamento do paradigma RE n. 855.178/SE – Tema 793/STF, assim ementado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

(Tribunal Pleno, RE n. 855178 RG/PE, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015)

Ainda, em 16 de abril de 2020, foi publicado o acórdão dos Embargos de Declaração do RE 855.178/SE, em que explicitada a tese do que consolidado no Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

4. Embargos de declaração desprovidos.

(RE 855178 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

Tese fixada de repercussão geral - Tema 793:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.”

Acerca da solidariedade, o acórdão em reanálise, em sua ementa, registrou:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. HEPATITE VIRAL CRÔNICA. FORNECIMENTO DE FÁRMACOS. RIBAVIRINA, SOFOSBUVIR E DACLATASVIR. PRESCRIÇÃO MÉDICA. RESPONSABILIDADE DOS ENTES PÚBLICOS. TEMA 793 STF. MEDICAÇÕES CONSTANTE NO SUS/RENAME. PARTICULARIDADE DO CASO QUE AINDA PÕE MAIS A MOSTRA DA DESNECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO AO FEITO DA UNIÃO FEDERAL.

Em matéria de saúde pública a responsabilidade da União, Estados e Municípios é solidária, competindo-lhes, independentemente de divisão de funções, garantir direito fundamental à vida e à saúde do cidadão. Tema 793 do STF e precedentes.

É dever do Estado lato sensu fornecer ao cidadão necessitado meios para resguardo da sua saúde e vida. Parte autora diagnosticada com hepatite viral crônica, sendo-lhe prescrito os fármacos ribavirina, sofosbuvir e daclatasvir, objetivados na demanda. Ajuizamento da demanda que se mostrou impositiva, mesmo que deferido o fornecimento na forma administrativa, haja vista a ausência ocasional dos medicamentos em estoque,...

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