Acórdão nº 50035438720178210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 01-09-2022

Data de Julgamento01 Setembro 2022
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50035438720178210027
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002561613
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003543-87.2017.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Investigação de Paternidade

RELATOR: Desembargador JOSE ANTONIO DALTOE CEZAR

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Enrico S. R., representado por sua genitora, contra a decisão proferida pelo juízo singular que, nos autos da ação de declaração negativa de paternidade cumulada com pedido de modificação de registro civil de nascimento, julgou procedente o pedido formulado na inicial, para declarar que o autor não é o pai do demandado, e determinar a retificação do registro civil do requerido, com a exclusão do demandante, de seu sobrenome e dos avós maternos; ainda, julgou improcedente o pedido formulado em sede de reconvenção. Ainda, condenou o demandado/reconvinte ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor atualizado da ação principal, suspensa a exigibilidade, ante a concessão da gratuidade da justiça.

Em razões de evento 03 – PROCJUDIC3 e PROCJUDIC4, fls. 49/50 e 01/14 – autos originários), o apelante alegou que a primeira situação que foi desconsiderada é que, ao ser intimado para manifestar-se sobre a contestação e documentos juntados, o apelado não o fez, transcorrendo in albis seu prazo, oportunidade em que a situação fática trazida em contestação é tida como verdadeira. Afirmou que o autor tinha plena ciência de que o demandado não era seu filho biológico, tanto que foi registrado em um primeiro momento, somente em nome da genitora. Relatou que, por livre e espontânea vontade, por meio do instrumento particular de reconhecimento de paternidade, o demandante reconheceu o infante como seu filho. Discorreu acerca do convívio socioafetivo existente entre as partes na constância do relacionamento amoroso com a genitora. Referiu que foi abandonado pelo pai registral no relacionamento, quando contava cerca de dois anos de idade. Referiu que a sentença se baseou apenas ao laudo de estudo social, que apenas afirma que uma criança de quatro anos de idade não trouxe memórias construídas do pai, o que é plenamente justificável, considerando que foi abandonado quando contava tenra idade. Asseverou que a criança identifica o apelado como pai, nutrindo vontade de ter novamente convívio com este. Arguiu que o infante era criado como filho perante a sociedade, dando-lhe afeto, além disso, era dependente do autor no Clube Recreativo Dores, onde frequentavam como família. Colacionou julgados. Postulou o provimento do recurso, a fim de que seja julgada improcedente a ação negatória de paternidade, bem como, julgada procedente a reconvenção, condenando o demandado ao pagamento da obrigação alimentar, em valor não inferior ao estabelecido de forma liminar.

Ausente contrarrazões.

Em parecer de evento 07, a Procuradora de Justiça, Dra. Synara Jacques Buttelli Göelzer, manifestou-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso de apelação interposto, pois preenchidos os requisitos legais de admissibilidade.

O presente recurso tem por objetivo a reforma da decisão proferida pelo juízo singular que, nos autos da ação de declaração negativa de paternidade cumulada com pedido de modificação de registro civil de nascimento, julgou procedente o pedido formulado a inicial, para declarar que o autor não é o pai do demandado, e determinar a retificação do registro civil do requerido, com a exclusão do demandante, de seu sobrenome e dos avós maternos; ainda, julgou improcedente o pedido formulado em sede de reconvenção.

No caso, o autor ajuizou a presente demanda, em face de Enrico/apelante, nascido em 19.11.2014, alegando ser pai registral do infante. Referiu que manteve relacionamento amoroso com a genitora do demandado, e, acreditando que seria o pai da criança que gestava, após o nascimento, registrou o menino. Narrou que, no entanto, algum tempo depois, passou a desconfiar da paternidade, considerando, inclusive, as diferenças físicas com a criança. Mencionou que, atualmente, já não possui qualquer vínculo afetivo com o menino.

Ainda, acostou “laudo pericial de investigação de paternidade por exame de DNA”, oportunidade em que se constatou que Alcimar não é o pai biológico de Enrico (evento 03 – PROCJUDIC1, fls. 11/13 – autos originários).

Em contestação/reconvenção, o demandado alegou que o reconhecimento de paternidade foi espontâneo, não havendo qualquer induzimento em erro, simulação ou vício que pudesse macular seu consentimento livre e consciente, sendo que o autor sabia que não era o pai biológico quando do registro. Discorreu acerca dos laços afetivos construídos com a criança. Arrazoou, ainda, acerca da necessidade de fixação de alimentos em seu favor.

Para corroborar com suas alegações, acostou “certidão de nascimento – inteiro teor”, em que consta o registro de nascimento do infante pela genitora, realizado em 19.11.2014, e, posteriormente, vindo a ser registrado pelo pai em 01.12.2014 (evento 03 – PROCJUDIC2, fl. 03 – autos originários). Outrossim, juntou fotografias de eventos e situações de convivência do autor com Enrico (evento 03 – PROCJUDIC2, fls. 25/40 – autos originários).

Realizado laudo social, Alcimar narrou que manteve relacionamento amoroso com Natieli, que veio informar a gravidez, tendo, inicialmente, acreditado ser o pai, todavia, pouco tempo depois passou a ter dúvidas acerca da paternidade. Explicou que questionava Natieli acerca da paternidade, mas esta não respondia. Referiu que apenas veio a registrar a criança por influência da propria genitora, tendo em vista que havia a possibilidade de ser seu filho. Destacou que se comportou como pai do menino após seu registro, o que se manteve após a separação conjugal, sendo que a última vez que viu a criança foi no seu aniversário de dois anos, mas, depois dessa ocasião, não teria mais contato com Enrico, não tendo mais acompanhado seu crescimento, sendo que já não possui sentimento paterno pelo menino (evento 03 – PROCJUDIC3, fls. 21/23 – autos originários).

Em contrapartida, Natieli mencionou que Alcimar tinha consciência de que o infante não era seu filho, tanto que, em um primeiro momento, a criança foi registrada apenas pela mãe, oportunidade em que, posteriormente, o autor decidiu registrá-lo. Mencionou que, mesmo após o fim do relacionamento, o demandante manteve convívio com o filho, visitando-o e apoiando em seu sustento material. Destacou que, quando Alcimar iniciava um relacionamento amoroso, afastava-se da criança, mas quando se encontrava solteiro, retornava o convívio com o menino. Mencionou que, inclusive, mesmo após o exame de DNA, manteve contato com a criança por um período. Afirmou que o pai biológico do infante é seu primo, no entanto, considera Alcimar como pai do demandado (evento 03 – PROCJUDIC3, fls. 21/23 – autos originários).

Por fim, em escuta individual da criança, este identifica Alcimar como seu pai, chamando-o dessa forma, e, inclusive, manifestando interesse de ter convívio com ele (evento 03 – PROCJUDIC3, fls. 21/23 – autos originários).

O autor não apresentou réplica à contestação, ou mesmo contestação à reconvenção.

Intimadas as partes para que manifestassem interesse na produção de outras provas, silenciaram (evento 03 – PROCJUDIC3, fl. 33 – autos originários).

Neste cenário, oportuno lembrar que o reconhecimento de filho é ato irrevogável, segundo preconiza o artigo 1º da Lei nº 8.560/921 e os artigos 1.609 e 1.610, ambos do Código Civil, de modo que o mero arrependimento quanto ao ato voluntariamente praticado não serve para desconstituí-lo.

Em verdade, só se permite a alteração do registro de nascimento em hipóteses excepcionais, quando comprovado o erro ou a falsidade do registro, nos termos do artigo 1.604 do Código Civil2. Sendo, portanto, necessária a existência de prova contundente do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar para que esteja caracterizado o vício do consentimento.

E, in casu, a meu ver, não restou comprovado qualquer vício capaz de ilidir o caráter irretratável do reconhecimento da filiação lançada em registro civil, ônus probatório que competia ao autor, conforme o artigo 373, inciso I, do CPC3. Aliás, o apelado reconheceu junto ao estudo social que, desde antes do registro da criança, tinha dúvidas acerca da paternidade, sendo que, inclusive, em um primeiro momento não realizou o registro, o que veio a fazer dias depois apenas por influência da própria genitora, considerando a possibilidade de ser o pai.

Assim, mesmo com dúvida acerca da paternidade, de forma espontânea veio a registrar a criança como seu filho, tendo, inclusive, convivido com a criança até seus dois anos de idade.

Neste sentido, colaciono o seguinte julgado do STJ:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VÍCIO DE CONSENTIMENTO.

AUSÊNCIA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A orientação jurisprudencial desta Corte Superior de Justiça estabelece a impossibilidade de desconstituição do registro civil de nascimento quando o reconhecimento da paternidade foi efetuado sem nenhum tipo de vício que comprometesse a vontade do declarante.

Precedentes.

2. Na hipótese dos autos, infirmar as conclusões do julgado, para reconhecer que o agravante foi induzido a erro pela genitora do agravado, demandaria o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que encontra vedação na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt nos EDcl no AREsp 1104719/RS, Rel. Ministro LÁZARO...

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