Acórdão nº 50035483020208216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50035483020208216001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002471950
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003548-30.2020.8.21.6001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: NELMA SIRLEI DA COSTA ALVES (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por NELMA SIRLEI DA COSTA ALVES em face da sentença prolatada nos autos da ação de obrigação de fazer em que contende com BANCO BMG S.A. Constou na sentença apelada (Evento 26):

“[...] Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por NELMA SIRLEI DA COSTA ALVES em desfavor de BANCO BMG. E, assim, MANTENHO o indeferimento da LIMINAR.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor do procurador da parte adversa, os quais fixo em R$600,00, com incidência de correção monetária pelo IGP-M e de juros de mora de 1% ao mês, ambos desde o trânsito em julgado desta sentença, forte no art. 85 do CPC. Porém, suspendo a exigibilidade, diante da AJG concedida à demandante.

Não incidindo nenhuma das hipóteses previstas no §7º do art. 485 do CPC e havendo interposição de apelação, proceda-se na forma ora determinada, sem nova conclusão: 1.Dê-se vista ao apelado, por 15 dias, para que, querendo, apresente contrarrazões. 2. Decorrido o prazo acima fixado, com ou sem contrarrazões, remetam-se os autos ao TJ, na forma do art. 1.010, §3º, do CPC.

Transitada em julgado sem modificação e nada sendo requerido, arquive-se com baixa, independente de nova conclusão.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

Em suas razões recursais, a parte apelante alega jamais ter usado o cartão de crédito. Assevera ter comprovado a abusividade do contrato, pois o banco recorrido obriga o pagamento mínimo da fatura mediante desconto em folha de pagamento. Aponta não haver um prazo final para pagamento das faturas, tornando a dívida impagável e ocasionando um prejuízo excessivo ao consumidor. Informa que o valor da dívida atualmente se encontra maior que o inicialmente disponibilizado. Pleiteia a conversão do cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, com a utilização dos valores já pagos a título de RMC para amortizar o saldo devedor. Requer que o cálculo seja feito com base no valor inicialmente negociado, não sendo considerados os juros e encargos. Requer a repetição do indébito em dobro. Postula o redimensionamento dos ônus sucumbenciais. Pede o provimento do presente recurso nos termos expostos (Evento 31).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 34, ocasião na qual a parte apelada postulou a expedição de ofício à OAB, ao Ministério Público e à autoridade policial competente para a apuração dos indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica pelo procurador da parte autora e a intimação pessoal da parte autora para esclarecer como ocorreu a contratação com seu causídico, uma vez que este teria ajuizado várias ações praticamente idênticas. Além disso, pleiteou a aplicação das penas de litigância de má-fé ao procurador da parte autora.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 31, é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 17/05/2022 e findou em 06/06/2022 (Evento 28), sendo que o recurso foi interposto no dia 17/05/2022 (Evento 31). Além disso, a parte apelante é beneficiária da justiça gratuita, sendo dispensada do recolhimento do preparo (Evento 4).

Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. PRELIMINAR RECURSAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

Requer, a parte apelante, a aplicação das penas de litigância de má-fé ao procurador da parte autora, uma vez que este teria ajuizado várias ações praticamente idênticas, apenas com alteração no nome das partes e número do contrato.

Pois bem.

Caracteriza-se litigância de má-fé, nos termos do artigo 80 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

A despeito disso, não prospera o pedido de condenação do procurador da parte demandante, como pretende a parte ré, porquanto eventual conduta indevida pelo advogado deve ser averiguada em ação própria, conforme determina o art. 32 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS INTEOSTOS PELA OAB/SP E PELO AUTOR DA AÇÃO POSSESSÓRIA E SEUS PATRONOS.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. DANO PROCESSUAL. INDENIZAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. MULTA. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO PROMOVENTE E SEUS ADVOGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA.

ACOLHIMENTO DAS TESES RECURSAIS.

1. Não há como, na via estreita do recurso especial, afastar a configuração da litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), reconhecida nas instâncias ordinárias com base na interpretação do acervo fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.

2. É permitido ao Juiz decretar de ofício a litigância de má-fé, podendo condenar o litigante faltoso a pagar multa e a indenizar a parte contrária pelos prejuízos causados (CPC, art. 18, caput e § 2º).

3. Na fixação da indenização, considerada sua natureza reparatória, é necessária a demonstração do prejuízo efetivamente causado à parte adversa, em razão da conduta lesiva praticada no âmbito do processo, diferentemente do que ocorre com a multa, para a qual basta a caracterização da conduta dolosa.

4. Reconhecida a litigância de má-fé nas instâncias ordinárias, sem demonstração do prejuízo causado à ré, mostra-se cabível a aplicação ao autor da multa não excedente a 1% sobre o valor da causa, afastando-se a indenização do art. 18 do CPC.

5. Os embargos declaratórios opostos com o intuito de prequestionamento não podem ser considerados procrastinatórios (Súmula 98/STJ).

6. Em caso de litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18), descabe a condenação solidária da parte faltosa e de seus procuradores. A conduta processual do patrono da parte é disciplinada pelos arts. 14 do CPC e 32 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - EAOAB (Lei 8.906/94), de maneira que os danos processuais porventura causados pelo advogado, por dolo ou culpa grave, deverão ser aferidos em ação própria.

7. Recurso especial da OAB/SP provido.

8. Recurso especial do autor e seus patronos parcialmente provido.

(REsp 1331660/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 11/04/2014) – grifei.

Nesse sentido, cito precedentes desta Câmara, inclusive de minha relatoria:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO ORDINÁRIA DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO E DÉBITO COMPROVADOS. INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. PRELIMINARES CONTRARRECURSAIS. Inovação recursal. Pedidos de cunho revisional. Ocorrência. A pretensão de revisão das cláusulas do contrato somente veio a ser formulado nas razões da apelação, o que configura inovação recursal. Preliminar acolhida. Apelo não conhecido no ponto. Razões dissociadas da sentença. Inocorrência. Ainda que a apelação não tenha utilizado a melhor técnica para contrapor os fundamentos da sentença, é possível depreender as motivações de inconformidade do apelante, que ataca a decisão quando sustenta que não restou devedor do valor anotado nos cadastros de inadimplentes, não restando configurada, desse modo, hipótese de não conhecimento do recurso, merecendo ser afastada a preliminar. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INOCORRÊNCIA. A parte ré comprovou a existência da contratação e o débito inadimplido, objeto da inscrição negativa. Destarte, a inscrição do nome da parte autora nos cadastros de inadimplentes é exercício regular de um direito, de modo que não há falar em desconstituição do débito, cancelamento da inscrição e indenização por danos morais, porquanto não há como imputar qualquer falha na prestação dos serviços à parte demandada. Ademais, estando o autor prévio e legitimamente inscrito em cadastros restritivos de crédito, descabida é a indenização por danos morais, nos termos da Súmula 385 do STJ. 3. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. OCORRÊNCIA. Tentativa, pela parte autora, de alterar a verdade dos fatos, mediante argumentação que não condiz com a prova produzida nos autos, a fim de obter, de qualquer modo, a procedência da ação proposta. Caracterizada a litigância de má-fé, circunstância que autoriza a condenação da parte às sanções correspondentes. Por outro lado, eventual conduta indevida por parte do advogado deve ser aferida em ação própria, nos termos do art. 32 do EOAB. PRELIMINARES CONTRARRECURSAIS PARCIALMENTE ACOLHIDAS. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDA. PARTE AUTORA CONDENADA PELA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.(Apelação Cível, Nº 70078720216, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral...

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