Acórdão nº 50035512020218212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50035512020218212001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001520420
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003551-20.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

APELANTE: BERNARDINO RODRIGUES (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por BERNARDINO RODRIGUES em face da sentença que julgou improcedente a ação movida contra o BANCO BMG S.A.

A fim de evitar tautologia, adoto o relatório da sentença:

"Vistos etc.

Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com restituição de valores e tutela de urgência proposta por BERNARDINO RODRIGUES em face de BANCO BMG S.A, na qual alegou ser aposentado pelo INSS e, na intenção de contrair um empréstimo consignado, foi induzido em erro pelo réu. Afirmou que a modalidade constante do contrato é cartão de crédito com reserva de margem consignável, discorrendo acerca dele. Informou não ter utilizado o cartão de crédito, o que autoriza a conversão do contrato em empréstimo consignado comum. Invocou a aplicação do CDC. Postulou a concessão da gratuidade judiciária, o deferimento da tutela de urgência, a fim de que sejam suspensos os descontos, e, no mérito, requereu a abstenção, por parte do réu, de reserva da margem consignável, bem como a readequação ou conversão do contrato para empréstimo consignado e a restituição em dobro dos valores pagos a maior. Acostou documentos (evento 1).

Deferida a gratuidade judiciária, dispensada a realização de audiência conciliatória e postergada a análise da tutela (evento 3).

Solicitada redistribuição do feito (evento 6). Declinada a competência, o processo foi redistribuído a esta Vara (evento 8).

Citado, o réu apresentou contestação (evento 10), alegando a ocorrência da prescrição, porquanto a ação foi proposta mais de três anos depois da assinatura do contrato. Afirmou que a parte autora firmou contrato de cartão de crédito consignado, autorizando a averbação da reserva de margem consignável e o desconto em seu benefício previdenciário do valor mínimo da fatura. Destacou a ausência de vício de consentimento e impossibilidade de alteração da modalidade contratada. Informou que a parte autora solicitou saques que lhes foram disponibilizados através de transferência bancária. Disse ter atuado dentro dos limites legais e defendeu a inexistência de ato ilícito. Sustentou que a parte autora deve ser condenada nas penas de litigância de má-fé. Requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Sobreveio réplica (evento 17).

Vieram-me conclusos os autos para julgamento.

É o relatório."

O dispositivo sentencial se deu nos seguintes termos:

"Ante o exposto, fulcro no art. 487, I, do CPC, REJEITO AS PRELIMINARES E JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por BERNARDINO RODRIGUES em face de BANCO BMG S.A.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais fixo em R$ 400,00 em respeito ao disposto no art. 85 do Código Processual Civil, suspensa sua exigibilidade, em virtude da concessão da gratuidade judiciária."

A parte autora interpôs recurso de apelação. Em suas razões, sustentou não ter autorizado a reserva de margem consignável, bem como que não solicitou e tampouco utiliza o cartão de crédito. Disse que há irregularidade na contratação, pedindo a conversão do empréstimo via cartão de crédito consignado para empréstimo consignado normal, determinando o recálculo da dívida, a utilização dos valores já pagos para amortizar o saldo devedor e a restituição em dobro dos valores pagos, se for o caso. Pugnou pela condenação a título de honorários advocatícios fixados de R$3.000,00. Por fim, pleiteou pelo provimento do recurso.

Oferecidas as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal de Justiça, tendo sido distribuídos a minha relatoria.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de ação declaratória com repetição em dobro de indébito, em que a parte autora alega, em síntese, a inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito (Reserva de Margem Consignável – RMC), tendo havido vício de consentimento, requerendo, ao final, decretação de nulidade do contrato referente aos descontos a título de RMC.

Pretende a parte autora, em seu recurso, a declaração de nulidade da contratação e das cobranças de RMC, bem como a condenação da ré a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, afirmando que sua ignorância sobre o negócio que estava celebrando era substancial e que não teria sido celebrado caso soubesse do conteúdo do que estava assinando, pois jamais teve intenção de contratar cartão de crédito, mas apenas um empréstimo na modalidade consignado.

Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.

Conforme já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, (Súmula 297/STJ) a relação ora debatida é típica de consumo.

Cumpre salientar que, ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e, subsidiariamente, dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida para análise.

Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. e da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratados.

A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.

Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirma que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios, que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, os concretizando através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.

Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo como elemento básico e não se confunde com a hipossuficiência (outra questão jurídica).

Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade1, nesse sentido:

“É um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. O princípio da vulnerabilidade decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem.2”

O consumidor, considerado em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos), é o vulnerável desta relação jurídica, a parte mais fraca e quem, na maioria das vezes, sofre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns e, diria, indispensáveis para a vida na moderna sociedade de consumo.

Ressalte-se, em tempo, que a Lei 8078/90 é de interesse público e social, sendo as suas disposições fundamentais não apenas para o crescimento da economia, mas para que haja o devido respeito ao consumidor. Por isso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do art. 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, do Princípio da Repressão Eficiente aos Abusos, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado. Mais que isso, devem ser respeitados os direitos básicos do consumidor, contidos no art. 6º, com especial atenção aos incisos V, VII, VIII, X.

Sendo que nas práticas comerciais e nos contratos deve haver a harmonia das relações de consumo - que também é um princípio básico -, nas quais se deve sempre buscar o Equilíbrio Contratual e os Fins Sociais dos Contratos, como bem demonstram as disposições do art. 39, incisos, V, X e art. 51, incisos IV, XXIII, XV e parágrafo 1º, incisos I, II e III.

Assim, uma vez que o caso trata de típica relação de consumo, o comportamento do banco requerido deve respeito aos axiomas e premissas do Código de Defesa do Consumidor. O raciocínio que se deve desenvolver, portanto, não é puramente civilista - com base da liberdade contratual conferida pelo princípio da autonomia privada-, mas sim de proteção ao correntista como consumidor dos serviços que é.

Do erro substancial presente na contratação.

Nos termos do art. 138 do CC/023, é anulável o negócio jurídico toda vez que as declarações de vontade emanarem de erro...

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