Acórdão nº 50035969520188210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50035969520188210039
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002323739
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003596-95.2018.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: AZUL COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS (RÉU)

APELADO: DIEGO MILLIS DA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por AZUL COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS contra a sentença objeto do Evento 3, PROCJUDIC4 - fls. 32-41 da origem que, nos autos da ação de cobrança de seguro ajuizada por DIEGO MILLIS DA SILVA, julgou a demanda nos seguintes termos:

ISTO POSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados no presente feito, com base no artigo 487, I do CPC, para:

a) condenar a parte ré ao pagamento da indenização securitária prevista na apólice no valor de R$ 33.370,00 (trinta e três mil trezentos e setenta reais), correspondente a perda total do veículo segurado. Tais valores deverão ser monetariamente corrigidos pelo IGP-M, a partir do evento danoso e os juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação.

b) determinar que o autor entregue o veículo salvado à Seguradora, livre de quaisquer ônus, transferindo-lhe o domínio do bem, no prazo de noventa dias do trânsito em julgado da presente decisão;

Diante da sucumbência mínima do autor, condeno a parte ré ao pagamento integral das custas e honorários ao procurador da parte adversa, os quais fixo no percentual de 10% sobre o valor da condenação, firme no art. 85, § 2º do CPC.

Em suas razões (Evento 3, PROCJUDIC4 - fls. 43-50 e PROCJUDIC5 - fls. 01-13), elabora relato dos fatos e defende a aplicação da tese firmada no REsp 1.631.270/PR. Afirma que o condutor não se desincumbiu do encargo de demonstrar que o acidente ocorreria independentemente do estado de embriaguez. Refere que a alegação de temor de ser assaltado não restou minimamente comprovada. Acrescenta que o exame do etilômetro resultou em 0,78 mg/l de álcool no sangue, que justifica a manobra (cruzamento com o sinal vermelho) sem constatar a aproximação de veículo pelo lado direito, às 06 horas da manhã de uma sexta-feira. Discorre sobre os efeitos da concentração de álcool no sangue do condutor do veículo, notadamente a diminuição da atenção da vigilância e redução da tomada de decisões racionais ou discernimento. Pontua que a deficiência ocular recomendava ainda mais atenção do demandante. Tece considerações acerca da Lei n. 12.760/12, que tornou mais rígido o critério de alcoolemia. Menciona que os sinais de embriaguez do condutor foram constatados pelas autoridades e testemunhas. Conclui pela hipótese de perda dos direitos do segurado, consoante cláusula 12, "e", das condições gerais do seguro. Aduz a licitude da cláusula restritiva, que está redigida de forma clara e de fácil compreensão. Colaciona doutrina e jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões (Evento 3, PROCJUDIC5 - fls. 20-34), no sentido da manutenção da sentença, subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e está acompanhado do comprovante de pagamento (Evento 3, PROCJUDIC5 - fls. 16-18). Assim, passo ao enfrentamento.

Para melhor compreensão da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

DIEGO MILLIS DA SILVA ajuizou a presente ação indenizatória contra AZUL COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS, ambas as partes qualificadas nos autos. Disse ter firmado contrato de seguro com o réu, no mês de agosto de 2017, para o veículo de sua propriedade, CHEVROLET ÔNIX, ano 2013, modelo 2013, placas IUH0279. Referiu que a proposta de seguro estava acompanhada de um questionário, o qual foi respondido de forma condizente com a realidade vivida. Comentou que, no dia 20/10/2017, por volta das 06 horas, envolveu-se em acidente de trânsito com o veículo segurado, na Avenida Farrapos, em Porto Alegre/RS, o qual acarretou danos materiais também ao veículo de terceiro, um táxi VW VOYAGE, ano e modelo 2015, placas IWN5391. Informou que o sinistro ocorreu ao avançar o semáforo fechado no cruzamento com a Rua Gaspar Martins, asserindo que alguns indivíduos parados junto à esquina o estavam observando atentamente. Apontou, ainda, que um fato preponderante para a ocorrência do sinistro foi a sua deficiência visual do olho esquerdo, a qual dificultou a visualização do impacto iminente. Alegou que o sinistro foi atendido pela Brigada Militar e pela SAMU. Aduziu que comunicou o sinistro à requerida, a qual procedeu as vistorias nos automóveis envolvidos e solicitou a documentação, sobrevindo negativa de pagamento sob a alegação de que o veículo segurado estava sendo conduzido por pessoa sob a influência de álcool, drogas ou entorpecentes. Rechaçou a negativa apresentada pela ré, apontando que o sinistro ocorreu pelo temor de ser assaltado em plena via pública. Discorreu acerca dos prejuízos decorrentes da negativa da ré, mencionando a perda total do seu veículo e a ação judicial intentada pelo terceiro envolvido no sinistro. Salientou não ter sido informado acerca da possibilidade de perda de direitos previstos no contrato. Destacou a nulidade das cláusulas abusivas. Postulou pela procedência, com a declaração de nulidade das cláusulas abusivas, especialmente, o “item 12 – Perda de Direitos – Alínea 'e'”, com a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais no montante de R$ 33.370,00, correspondente a perda total do seu veículo, sendo declarada a responsabilidade da demandada pelo pagamento de eventual condenação nos autos do processo 902632394.2018.8.21.001, em trâmite no 2º Juizado Especial Cível da Comarca de Porto Alegre. Pediu a gratuidade judiciária e juntou documentos.

Deferida a gratuidade da justiça e invertido o ônus da prova, fl. 42.

Citado, o réu contestou nas fls. 46/72. Sintetizou os fatos narrados na inicial. Alegou que exarou carta negativa de indenização tanto para o terceiro quanto para o autor, pois foi constatada a embriaguez do condutor do veículo segurado pela Polícia Civil. Apontou que tal recusa restou alicerçada na cláusula contratual que versa sobre perda de direitos. Refutou os fatos alegados pelo autor, mencionando que o terceiro veículo veio pelo lado direito do demandante e que este tentou fugir do local do sinistro quando seu automóvel sofreu perda mecânica. Destacou que dirigir embriado constitui delito criminal. Rechaçou a pretensão indenizatória diante da perda de direitos, asserindo que, no caso de eventual condenação, o salvado deve lhe ser repassado. Postulou pela improcedência da ação. Juntou documentos.

Replicou a parte autora.

Instada à parte ré para acostar aos autos documentos referente a contratação entre as partes, bem como intimadas as partes para informarem o interesse na realização de audiência de conciliação, fl. 153.

A ré acostou documentos nas fls. 156/163, acerca dos quais teve vista o autor.

Vieram os autos conclusos.

Sobreveio sentença de parcial procedência, razão da interposição do presente recurso pela ré.

Pois bem. O contrato de seguro, regulado pelo art. 757 e seguintes do Código Civil vigente, foi firmado entre as partes com o objetivo de garantir o pagamento de indenização para a hipótese de ocorrer evento danoso decorrente de acidente de trânsito, mediante o pagamento do respectivo prêmio.

A norma acima citada prevê o pagamento de prêmio ao segurador, cuja contraprestação deste será a de indenizar o segurado na hipótese de ocorrer acontecimento danoso incerto, mas possível de se verificar.

Acerca do assunto, transcrevo os ensinamentos de Cavalieri Filho1:

Três são os elementos essenciais do seguro – o risco, a mutualidade e a boa-fé –, elementos, estes, que formam o tripé do seguro, uma verdadeira, ‘trilogia’, uma espécie de santíssima trindade.

Risco é perigo, é possibilidade de dano decorrente de acontecimento futuro e possível, mas que não depende da vontade das partes. Por ser o elemento material do seguro, a sua base fática, é possível afirmar que onde não houver risco não haverá seguro. As pessoas fazem seguro, em qualquer das suas modalidades – seguro de vida, seguro de saúde, seguro de automóveis etc. –, porque estão expostas a risco.

(...)

Em apertada síntese, seguro é contrato pelo qual o segurador, mediante o recebimento de um prêmio, assume perante o segurado a obrigação de pagar-lhe uma determina indenização, prevista no contrato, caso o risco a que está sujeito se materialize em um sinistro. Segurador e segurado negociam as consequências econômicas do risco, mediante a obrigação do segurador de repará-las.

Frise-se que, em se tratando de contrato de seguro, a seguradora só poderá se exonerar de sua obrigação se ficar comprovado o dolo ou a má-fé do segurado. Da mesma forma, o agravamento do risco pode servir de fundamento para o não pagamento do sinistro, haja vista o desequilíbrio da relação contratual, onde o segurador receberá um prêmio inferior ao risco que estará cobrindo, em desconformidade com o avençado.

Nos termos do art. 768 do CC, o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. Ou seja, para que tal situação ocorra, deve haver intenção do segurado, não bastando mera negligência ou imprudência deste.

Com efeito, ainda que o segurado aja com culpa, caberá ao segurador arcar com o ônus do sinistro ocorrido, tendo em vista que a cobertura à culpa é parte integrante do contrato e deste não pode ser afastada.

A esse respeito, novamente, é esclarecedora a lição de Cavalieri Filho2 ao asseverar que:

Somente o fato exclusivo do segurado pode ser invocado como excludente de responsabilidade do segurador, mesmo assim quando...

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