Acórdão nº 50036249620218213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50036249620218213001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002348523
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003624-96.2021.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: CLINICA BELA VISTA DE SERVIOS MEDICOS LTDA (RÉU)

APELADO: PAMELA GRAZIELA DE SOUZA PRATES (AUTOR)

APELADO: THALES NATANAEL LIRA DE MATOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela CLÍNICA BELA VISTA DE SERVIÇOS MÉDICOS LTDA., nos autos da ação de indenização ajuizada por PÂMELA GRAZIELA DE SOUZA PRATES e THALES NATANAEL LIRA DE MATOS, contra sentença que julgou procedentes os pedidos deduzidos na exordial, para o fim de condenar a ré a pagar aos autores o valor de R$ 30.000,00, sendo R$ 15.000,00, para cada autor, com correção monetária pelo IGP-M a contar dp arbitramento, e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (06/08/2021). A parte ré restou condenada, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários do procurador da parte autora, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

A demandada, em suas razões recursais, arguiu cerceamento de defesa pelo indeferimento de produção de prova testemunhal. Suscitou nulidade da sentença por violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Alegou a existência de expressão ofensiva à apelante na sentença recorrida. Disse que as expressões deveriam ser riscadas e extraída a respectiva certidão. No mérito, referiu que o juízo a quo não considerou a situação fática vivenciada pelo preposto da clínica, asseverando que a conversa travada entre as partes no aplicativo Whatsapp se deu em um momento crítico para o médico e foi gerado pelo total desrespeito dos apelados que marcaram e confirmaram o procedimento, mas não compareceram ou desmarcaram. Requereu, assim, o provimento do recurso. Subsidiariamente, a redução do quantum indenizatório.

Apresentadas contrarrazões, foram os autos remetidos a esta Corte e vieram a mim distribuídos por sorteio.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

No tocante à preliminar de cerceamento de defesa, não merece prosperar, uma vez que a prova documental produzida nos autos permite o deslinde da controvérsia.

Ressalte-se que o juiz tem a faculdade de, na condução do processo, determinar, deferir ou indeferir a produção das provas requeridas pelas partes, afastando as desnecessárias; inclusive, as diligências que ele julgue inúteis ou meramente protelatórias, velando, portanto, pela rápida solução do litígio (art. 370 do CPC).

No que tange à alegação da parte demandada de nulidade da sentença pela inobservância do devido processo legal, de igual modo, entendo que não merece prosperar a irresignação.

Observo que a parte autora colacionou, em sua réplica, fotografias a fim de demonstrar que a demandante tem origem negra, ao contrário do que foi mencionado na contestação. Vale dizer, para contrapor a alegação deduzida na defesa.

De fato, as partes devem ser intimadas para serem ouvidas quando houver a alegação de fato novo ou a juntada de documento aos autos, momento em que poderão ser arguidas as causas de inadmissibilidade das provas acostadas ou contraditado seu conteúdo, devendo as alegações serem justificadas, adequadas e específicas, não se admitindo alegações genéricas.

Conforme destacado por Marinoni, Arenhart e Mitidiero1:

Contraditório. Ressalvados os documentos juntados com a petição inicial ou com a contestação – sobre os quais a parte contrária deve manifestar-se, respectivamente, na contestação e na réplica – o prazo que a parte tem para falar sobre a prova documental juntada pela outra é de quinze dias. Se há litisconsórcio com procuradores diferentes, o prazo deve ser contado em dobro (art. 229, CPC). Trata-se de concretização no campo específico da prova documental do direito fundamental ao contraditório (art. 5.º, LV, CF). A regra tem aplicação tanto no primeiro como no segundo grau de jurisdição: o que interessa é que tenha havido juntada de documentos, fato que impõe a oitiva da parte contrária sobre a sua eventual admissão como meio de prova e/ou sobre o valor que deve merecer no conjunto probatório dos autos (STJ, 1.ª Turma, REsp 601.309/SC, rel. Min. Denise Arruda, j. 12.12.2006, DJ 01.02.2007, p. 394).

Entretanto, a ausência de intimação sobre a juntada de documentos aos autos pela parte adversa não acarreta necessariamente a nulidade do julgado. Se a prova é irrelevante para o deslinde do feito, se parte já teve a oportunidade de se pronunciar sobre os fatos alegados ou se resta evidente a ausência de prejuízo, não há que se falar em nulidade dos atos processuais subsequentes. Ao revés, havendo prejuízo processual pela não abertura de vista à parte contrária a fim de que se manifeste acerca dos novos documentos juntados aos autos, imperiosa se mostra a decretação da nulidade do processo2.

No caso dos autos, não obstante a ausência de intimação da parte ré acerca da réplica apresentada pela parte autora, houve logo em seguida intimação para que as partes especificassem se pretendiam produzir outras provas, momento em que a demandada se limitou a mencionar que pretendia a produção de prova testemunhal [Evento 34, PET1].

Não se pode esquecer, ademais, que, não obstante o atual Código de Processo Civil tenha inovado, trazendo a vedação a não surpresa, no sentido de que todas decisões definitivas do juízo se apoiem em questões previamente debatidas pelas partes, não quer dizer que a máxima do iura novit curia, segundo a qual as partes devem se preocupar em provar os fatos alegados de acordo com os fundamentos do pedido, cabendo ao juiz, a partir do que ficou provado, aplicar o direito, tenha deixado de viger. Sua aplicação, apenas, passou a ser condicionada ao prévio diálogo com as partes, o que, no caso concreto, foi observado.

Destarte, afasto as preliminares suscitadas e passo ao exame do mérito.

Superada essa questão, destaco que a relação jurídica entabulada entre as partes está agasalhada pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois a parte autora figura como consumidora (art. 2º), e a demandada, como fornecedora de produtos e serviços (art. 3º). Logo, a responsabilidade civil da demandada deve ser analisada sob a ótica objetiva.

Desta forma, conheço a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso em exame.

Disso decorre que a responsabilidade da ré pelos danos sofridos pela consumidora é objetiva (art. 14, CDC), ou seja, não se perquire a respeito de culpa do réu, que só se exime do dever de indenizar nas hipóteses do artigo 14, § 3º, da legislação consumerista.

Ademais, por força da redação do artigo 953 do Código Civil, “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.

No caso concreto dos autos, a partir dessas premissas e pelo que se extrai da prova produzida nos autos, imperativo que se mantenha a sentença de procedência da pretensão deduzida, uma vez que os fatos constitutivos da parte autora restaram sobejamente demonstrados nos autos.

Isso porque não há dúvidas e nem qualquer controvérsia acerca da injúria racial perpetrada pelo médico preposto da demandada quando a autora comunicou o motivo pelo qual seu marido, codemandante, não havia comparecido à cirurgia de vasectomia agendada.

Neste momento, como referiu o juízo de origem, o médico, ao invés de postular a reparação do prejuízo eventualmente experimentado pela ausência do paciente à cirurgia marcada, preferiu enviar...

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