Acórdão nº 50036674320208210002 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50036674320208210002
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003143851
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003667-43.2020.8.21.0002/RS

TIPO DE AÇÃO: Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

RELATÓRIO

PAULO S.S., 47 anos na data dos fatos (DN 13/03/1972), foi denunciado por incurso nos artigos 150, caput, do Código Penal, 21, caput, da Lei das Contravenções Penais, e o 24-A, da Lei nº 11.340/06.

Os fatos foram assim descritos na denúncia, recebida em 03/03/2020 (abreviaturas ausentes no original):

1° FATO:

No dia 18 de setembro de 2019, entre as 09 horas até às 9h30min, na Avenida E.B.M., n.° 2740, Bairro Cidade Alta, Alegrete/RS, o denunciado PAULO S.S. entrou contra a vontade tácita na residência de DORALICE X.S., sua ex-esposa.

2° FATO

Na mesma circunstância de espaço, logo após o 1° FATO, o denunciado PAULO S.S. praticou vias de fato contra DORALICE X.S. ao agarrar a vítima pelo pescoço, sufocando-a.

3° FATO

Nas mesmas condições de tempo e local descritas nos fatos anteriores, denunciado PAULO S.S., devidamente intimado acerca do deferimento das medidas protetivas em favor de Doralice X.S., sua ex-esposa – fixadas nos autos da MP n.° 02/2.19.0001321-0 (fls. 16-19 da MP em apenso) -, descumpriu a ordem judicial ao praticar contravenção penal de vias de fato descrita no 1° fato.

DESCRIÇÃO COMUM AOS FATOS:

Na oportunidade, o denunciado ingressou na residência da vítima, a qual estava apenas com a porta encostada, surpreendendo DORALICE X.S. no banheiro da residência, aonde agarrou-a pelo pescoço, passando a esganá-la.

O denunciado apenas interrompeu o iter criminis quando viu a filha do casal, PAOLA, configurando-se, assim, a desistência voluntária.

O denunciado praticou a contravenção penal com o emprego de violência contra a mulher, prevalecendo-se das relações domésticas que mantinha com a vítima, sua ex-esposa.

Ultimada instrução, foi proferida sentença de parcial procedência da ação penal para condenar PAULO por incurso no artigo 24-A da Lei 11.340/2006.

A DEFESA apelou, deduzindo pretensão absolutória, alegando insuficiência probatória. Sustenta que a palavra da vítima deve ser recebida com reserva. Subsidiariamente, busca redução da pena e afastamento da indenização. Prequestiona a matéria.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença (abreviaturas ausentes no original, contrariando as recomendações do Of. Circ. 001/2016-CGJ, art. 25, XVIII da Cons. Normativa Judicial, e Resolução 01/2017-OE/TJRS):

DA MOTIVAÇÃO:

DO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS:

LEI MARIA DA PENHA (Lei 11.340/2006)

Seção IV [incluída pela Lei 13.641/2018, em vigor a contar da sua publicação em 04/04/2018 (artigo 3º)]

Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência

Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência

Artigo 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: [incluído pela Lei 13.641/2018, em vigor a contar da sua publicação em 04/04/2018 (artigo 3º)]

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. [incluído pela Lei 13.641/2018, em vigor a contar da sua publicação em 04/04/2018 (artigo 3º)]

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. [incluído pela Lei 13.641/2018, em vigor a contar da sua publicação em 04/04/2018 (artigo 3º)]

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. [incluído pela Lei 13.641/2018, em vigor a contar da sua publicação em 04/04/2018 (artigo 3º)]

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. [incluído pela Lei 13.641/2018, em vigor a contar da sua publicação em 04/04/2018 (artigo 3º)]

A previsão legal veio para acabar com a controvérsia sobre a aplicação do artigo 330 do Código Penal (desobediência) no caso de descumprimento de medidas protetivas, contudo, por se tratar de novatio legis in pejus é inaplicável antes da entrada em vigor da Lei 13.641 em 04 de abril de 2018.

O crime é próprio (somente podendo ser cometido por quem está submetido a decisão concessiva de medidas protetivas), tem como bens jurídicos protegidos a Administração da Justiça e a mulher vítima de violência de gênero (pluriofensivo), em consequência, como sujeitos passivos têm o Estado (primário) e a pessoa beneficiada pela medida protetiva (secundário).

O crime é doloso, por ser plurissubsistente admite tentativa, de forma livre, instantâneo e unissubjetivo. O crime é formal (de consumação antecipada ou de resultado cortado) que se consuma, em consequência, independentemente de qualquer resultado naturalístico.

Renato Brasileiro de Lima (in Legislação criminal especial comentada: volume único – 8. ed. rev., atual. e ampl. - Salvador: JusPODIVM, 2020) explicita:

Essa nova figura delituosa vem ao encontro do princípio da proporcionalidade, mas precisamente em sua vertente de vedação à proteção deficiente. Explica-se: sob a ótica do entendimento jurisprudencial dominante até a criação dessa figura delituosa, o descumprimento das medidas protetivas de urgência, isoladamente considerado, não era crime. Assim, supondo que o juiz tivesse determinado uma protetiva de modo a impedir que o agressor se aproximasse da ofendida, fixando um limite mínimo de distância entre os dois, se acaso esse indivíduo fosse surpreendido descumprindo essa medida, permanecendo a um metro de distância da mulher, sua prisão em flagrante não poderia ser efetuada, salvo, logicamente, se estivesse em situação de flagrância em relação a outro delito (v.g., ameaça, lesão corporal, homicídio, etc.). Ou seja, a Polícia era chamada até o local pela vítima, mas nada podia fazer, senão comunicar o fato à autoridade judiciária, para que esta – e somente esta – deliberasse sobre a decretação de uma medida mais extrema, como, por exemplo, a prisão preventiva (CPP, art. 313, III). Com a criação do novo tipo penal, o legislador pôs fim a essa proteção deficiente à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Isso porque, doravante, a autoridade policial responsável pelo atendimento a ocorrências dessa natureza poderá, de imediato, efetuar a prisão em flagrante pelo crime do art. 24-A, independentemente da prática de qualquer outro delito. [pág. 1.309]

O crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha é punido exclusivamente a título doloso (direto ou eventual). Como o dolo deve abranger todos os elementos constitutivos do tipo penal, é imprescindível que o agente tenha consciência de que uma medida protetiva de urgência fora contra ele determinada e que tal medida ainda estava em vigor por ocasião de seu descumprimento, ou seja, não havia sido revogada.

Na eventualidade de se demonstrar que o agente não tinha consciência de que a medida protetiva de urgência ainda estava em vigor – a título de exemplo, é extremamente comum que ocorra a reconciliação do casal, sem que haja, todavia, o cancelamento judicial da medida – ter-se-á verdadeiro erro de tipo (CP, art. 20, caput), capaz de excluir o dolo e a culpa, se invencível, ou apenas o dolo, se vencível, restando a culpa, se prevista em lei, o que não é o caso do art. 24-A da Lei n. 11.340/2006. [pág. 1.310]

Da violência doméstica:

LEI MARIA DA PENHA (Lei 11.340/2006)

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 5º – Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

A Lei 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos (RHC 55.030/RJ, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 23/06/2015, DJe 29/06/2015), em consequência, para incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra de: (a) ação ou omissão baseada no gênero; (b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; decorrendo daí (c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (HC 500.627/DF, Relator Ministro Ribeiro Dantas, QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019), sendo que a definição do gênero sobre o qual baseada a conduta comissiva ou omissiva decorre do equivocado entendimento/motivação do sujeito ativo de possuir "direitos" sobre a mulher ou de que ela lhe pertence, evidenciando vulnerabilidade pela redução ou nulidade da autodeterminação, caracterizando-se, assim, conduta baseada no gênero para efeitos da Lei 11.340/2006 (RHC 108.350/RN, Relator Ministro Ribeiro...

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