Acórdão nº 50036748420158210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50036748420158210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001922910
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5003674-84.2015.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

RECORRENTE: KELVIN CANOFRE MACIEL (ACUSADO)

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por KELVIN CANOFRE MACIEL em face de decisão que o pronunciou por incurso nas sanções dos artigos 121, §2º, inciso III, e artigo 157, §2º, incisos I e II, ambos na forma do artigo 14, inciso II, e todos do Código Penal (evento 2, SENT24)

Eis o teor da acusação:

“1º Fato:

No dia 13 de novembro de 2015, sextafeira, pouco antes das 19 h, em via pública, na Avenida Independência, nas proximidades do prédio n.º 1.280, bairro Cristo Redentor, em Caxias do Sul, os denunciados KELVIN CANOFRE MACIEL e WILLIAN DOS SANTOS FRANCISCHELLI, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, tentaram subtrair, para si, um veículo automotor I/MMC ASX 2.0 4WD, de cor prata, modelo 2011/2012, placas ISN-5661, da posse da vítima Vânia Panizzi Prior, não se consumando o crime por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados, ou seja, diante da recusa da vítima em ingressar no automóvel para acompanhá-los e, também, diante da intervenção de terceira pessoa, Adair Paulo Prior, a qual gritou com os denunciados, chamando a atenção para o fato.

Nessa oportunidade, os denunciados KELVIN e WILLIAN, ao avistarem a vítima Vânia, a qual estacionava o veículo antes descrito junto à via pública, dela se aproximaram, tendo WILLIAN contra ela apontado uma arma de fogo, anunciado que se tratava um assalto e determinando que ela entrasse no automóvel do qual acabara de desembarcar, ao que ela se recusou.

Por sua vez, o denunciado KELVIN, que acompanhava seu parceiro, abordou Paulo Henrique Prior, filho de Vânia e que também acabara de descer do veículo, a ele ordenando a entrega das chaves do carro, o que não foi aceito. Então, quando os denunciados ouviram que Adair Paulo Prior gritava da janela de um prédio situado ali próximo, chamando a atenção para a ação que se desenrolava, empreenderam fuga do local.

O bem foi avaliado em R$ 62.145,00 (auto de avaliação da fl. 61/IP).

2º Fato:

No dia 13 de novembro de 2015, sextafeira, por volta das 19 h, em via pública, na Rua 13 de Maio, em Caxias do Sul, os denunciados KELVIN CANOFRE MACIEL e WILLIAN DOS SANTOS FRANCISCHELLI, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, fazendo uso de arma de fogo, tentaram matar a vítima Fabiano Oliveira, policial militar no exercício de suas funções, contra ela desferindo disparos, sem, contudo, atingi-la, não se consumando o crime por circunstância alheia à vontade dos denunciados, qual seja, erro de pontaria.

Na ocasião, os denunciados KELVIN e WILLIAN, após a frustrada tentativa de roubo anteriormente descrita, caminhavam pela Rua 13 de Maio, quando avistaram o policial militar Fabiano, o qual já tinha conhecimento daquele crime. Então, quando os denunciados estavam próximos da vítima, KELVIN apontou contra ela uma arma de fogo e passou a desfechar vários tiros, não logrando atingi-la.

Na sequência, a vítima reagiu e acabou por imobilizar KELVIN, sendo que WILLIAN foi preso em outra via pública, quando buscava se afastar do local.

O denunciado WILLIAN concorreu para o crime, ao acompanhar ostensivamente KELVIN na empreitada criminosa, emprestando-lhe, com isso, encorajamento moral para a consecução do propósito ilícito.

O crime foi cometido mediante meio do qual resultou perigo comum à vida e à integridade física e patrimonial de um número indeterminado de pessoas, tendo em vista a conduta de deflagrar vários tiros em via pública de área central e densamente habitada da cidade.

Outrossim, o crime foi cometido contra policial militar, em pleno exercício de suas funções, agente da Brigada Militar (Polícia Militar).

3º Fato:

Em data ainda não suficientemente esclarecida, mas por volta do mês de novembro de 2015, em Caxias do Sul, os denunciados KELVIN CANOFRE MACIEL e WILLIAN DOS SANTOS FRANCISCHELLI, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, conduziram, em proveito próprio, o revólver de calibre 38, marca Taurus, n.º 0D550940 (auto de apreensão da fl. 11/IP), sabendo que se cuidava de coisa produto de crime. Nesse período de tempo, ambos os denunciados, mesmo sabendo que se tratava de bem proveniente de crime, já que coisa que não se comercializa nem se adquire ou recebe sem a observância de formalidades próprias, passaram a conduzir o revólver em questão. A arma de fogo antes descrita havia sido furtada de seu proprietário, na data de 05 de julho de 2005, na cidade de Campo Bom/RS.”

Em suma, pretende seja afastada a competência do Tribunal do Júri, com a desclassificação do crime de homicídio imputado ao acusado, ao argumento de ausência de animus necandi; e, subsidiariamente, a exclusão da qualificadora do perigo comum. Com relação aos crimes conexos, postula a absolvição afirmando a ausência de indícios suficientes de autoria e materialidade com relação aos crimes de roubo e receptação dolosa, bem assim a necessidade de observância da consunção com relação a esta infração, por aquela absorvida. Subsidiariamente, pleiteia o afastamento da majorante do crime de roubo, ao argumento de que revogada pela lei n. 13654/2018, e o reconhecimento da participação de menor importância.

Com as contrarrazões, vieram os autos a esta instância, onde exarou promoção o Procurador de Justiça, manifestando-se no sentido do desprovimento do do recurso.

VOTO

Anoto, por primeiro, que, ao contrário do alegado, tem-se que o brocardo in dubio pro societate, contemplado na doutrina e na jurisprudência, relativamente judicium accusationis atinente aos processos da competência do Tribunal do Júri, resulta, em verdade, da circunstância de que, nessa fase, não vige o princípio (este sim) do in dubio pro reo. E pela singela razão de que se está diante de mera admissibilidade da pretensão acusatória, pois a decisão de condenação ou absolvição do acusado compete, modo exclusivo, ao Conselho de Sentença.

Mais, o princípio do favor rei não se confunde com o da presunção de inocência insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal1, mas dele decorre e constitui um aspecto que guarda relação com a avaliação da prova cuja insuficiência, quer para evidenciar a existência do fato, quer a da autoria desse, impõe a prolação de decisão absolutória.

Oportuno salientar que a legislação infraconstitucional traz dispositivo que, expressamente, contempla o princípio do in dúbio pro reo, o art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal2, estabelecendo que fundada dívida acerca da presença de causa que exclua o crime ou a culpabilidade determina solução absolutória.

Claro está, outrossim, que a previsão tem a ver, tão-somente, com resultado final da ação penal, que leva à condenação ou à absolvição do acusado e, por isso, guarda relação com o estado de inocência.

Todavia, como no judicium accusationis, não há possibilidade de prolação de decisão condenatória, senão que apenas a de admissibilidade da acusação, pois reservada aquela, modo exclusivo e por disposição constitucional, ao Tribunal do Júri, não há cogitar da observância do favor rei na fase de pronúncia, pois nessa, em hipótese alguma, poderá o réu ser condenado.

De outra banda, poderá o juiz singular, isto sim, absolver o acusado, o que constitui exceção à regra constitucional que confere ao Tribunal do Júri competência para o julgamento dos processos que envolvam a prática de crimes contra a vida. Mais, tanto se afigura permitido em quatro hipóteses3, tão-somente, e passam elas ao largo da dúvida.

Aliás, as hipóteses de absolvição sumária foram retiradas daquelas previstas no art. 386 do Código de Processo Penal que trata de decisão absolutória nos processos da competência do juiz singular. Contudo, não foram reproduzidas no art. 415 do precitado diploma legal as que guardam relação com eventual dúvida, a saber: não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; houver fundada dúvida acerca da existência de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena; não existir prova suficiente para a condenação.

Resulta evidente, portanto, que o legislador infraconstitucional afastou a incidência do princípio do in dúbio pro reo na fase do judicium accusationis dos processos instaurados pela prática de crimes contra a vida. E o fez, repise-se, em virtude da competência, de previsão constitucional, conferida ao Tribunal do Júri, para julgamento das ações penais instauradas em virtude do cometimento de tais infrações.

E doutrina e jurisprudência, definiram, inapropriadamente, tal situação, criando o brocardo (de princípio não se trata) in dubio pro societate, hoje largamente utilizado quando presente dúvida que, diante da não observância (repita-se, estabelecida pelo legislador) do favor rei, não enseja a impronúncia, senão que impõe a sujeição do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Registro, ainda, que de presunção (a favor da acusação) não se trata, tampouco de inversão no ônus da prova, senão que de permitir que os elementos probatórios sejam aferidos por quem é competente para realizar o julgamento, o Tribunal do Júri.

Mais, tratando-se o judicium accusationis de mero juízo de admissibilidade da acusação, revela-se anódina a questão, sempre ventilada na ausência de outros argumentos, atinente à presunção de inocência, mesmo porque nenhuma decisão de pronúncia atribui ao réu a condição de culpado, senão que admite a acusação, o...

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