Acórdão nº 50036918520148210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 25-05-2022

Data de Julgamento25 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50036918520148210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002174784
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003691-85.2014.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Doença Acidentário

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ARI CANISIO HANAUER (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelação cível interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra sentença (evento 3, SENT6, do processo originário) que, nos autos da ação movida por ARI CANÍSIO HANAUER, julgou parcialmente procedente o pedido inicialmente deduzido, conforme parte dispositiva abaixo transcrita:

"(...) Ante o exposto, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e com fundamento no art. 86 da Lei nº 8.213/1991, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido, para condenar o INSS ao pagamento dos valores atrasados relativos ao auxílio-acidente devido ao autor, sendo vedada, entretanto, a acumulação do referido benefício com a aposentadoria ora percebida pelo segurado.
As parcelas vencidas encerram-se no dia anterior ao início da aposentadoria por tempo de serviço recebida pelo demandante, sendo necessário observar, ainda, a incidência da prescrição quinquenal; logo, nenhum valor anterior a 23/07/2009 é devido pela autarquia demandada.

O débito deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), a contar do vencimento de cada prestação.
A data da citação, por sua vez, marca o início da incidência de juros moratórios aplicáveis à caderneta de poupança (Súmula nº 204 do Superior Tribunal de Justiça).
Considerando a sucumbência mínima do requerente, condeno a Fazenda Pública ao pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais, nos termos do Ofício-Circular nº 060/2015-CGJ.
Também é devido o pagamento de honorários advocatícios ao procurador do demandante, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, conforme teor da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. (...)"

Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta, em apertada síntese, que é caso de observância da regra de prescrição constante do artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, com consequente extinção da ação com base no artigo 487, inciso II, do vigente Código de Processo Civil. Sucessivamente, pugna pela limitação das parcelas pretéritas à data da citação. Pede o recebimento e o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça, por sua vez, opinou pelo desprovimento da apelação interposta.

Vieram conclusos para julgamento.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O presente recurso reúne condições de admissibilidade, razão por que dele conheço.

De antemão, registro a minha compreensão de que a nova normatização do duplo grau obrigatório de jurisdição é suficientemente clara quanto à dispensa da remessa oficial nos casos em que a sentença for impugnada mediante recurso voluntário da Fazenda Pública.

Ora, é de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.

E dúvida não há, nesse passo, de que o Código de Processo Civil de 2015 constitui um dos exemplos mais atuais da legislação nacional em que as diversas mutações implementadas no respectivo texto normativo devem ser analisadas eficaz e criteriosamente, à luz do próprio espírito de transformação estrutural do processo que a codificação nova buscou infundir nos seus intérpretes e aplicadores.

No caso do reexame necessário, observam-se relevantes mudanças em sua disciplina normativa no âmbito do novo Código, cabendo destacar, nesta específica análise, a expressa eliminação do seu cabimento quando identificada a interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública sucumbente.

Repare-se que a alteração operada na redação do artigo 475, § 1º, do velho CPC, embora seja aparentemente sutil, materializa o intuito inequívoco do legislador de extinguir a possibilidade de trâmite conjunto da remessa oficial com apelações voluntariamente interpostas por entes fazendários.

Com efeito, assim dispunha a norma revogada:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. (Grifei)

Como dito, a modificação textual acima sublinhada revela o propósito claro do legislador de limitar a incidência do duplo grau obrigatório aos casos em que a Fazenda Pública deixa de recorrer voluntariamente da sentença. Deve-se apreendê-la, a valer, em sentido condicional, com a consequente inferência de que o juiz só deve ordenar a remessa oficial dos autos se não houver interposição de apelação no prazo legal, isto é, desde que não sobrevenha apelo tempestivo da pessoa jurídica de direito público.

A meu sentir, a inovação em comento é bastante compreensível se considerarmos o atual estágio de estruturação e desenvolvimento dos sistemas de representação judicial das Fazendas Públicas. Como cediço, as pessoas de direito público dispõem, nos dias de hoje, de aparato material e humano suficientemente capaz de assegurar a defesa judicial de seus direitos e interesses por meio da atuação exclusiva de advogados públicos.

Nesse contexto, é bem de ver que o reexame necessário de sentenças proferidas contra entes públicos representados por profissionais especializados e organizados em carreira não mais se justifica – na sistemática e conjuntura atuais – quando interposta apelação pela Fazenda Pública, uma vez que a tutela judicial dos interesses fazendários não padece, hodiernamente, de deficiências estruturais relevantes que sejam capazes de legitimar a coexistência de dois mecanismos de proteção – no caso, a presença constante do reexame necessário ao lado de apelações interpostas por procuradores que, em regra, possuem o dever funcional de promover (em todos os graus de jurisdição) a defesa judicial das Fazendas a que se vinculam.

Por conseguinte, entendo que o novo CPC considera descabida a sobreposição de duas medidas indutoras da reapreciação da sentença sempre que a Fazenda Pública recorrer voluntariamente da decisão (devolvendo, com isso, o exame da controvérsia ao Tribunal competente). Por sua vez, a impugnação recursal de apenas parte da decisão pelo patrono da Fazenda corresponde, no ordenamento vigente, à aceitação tácita dos demais capítulos do pronunciamento recorrido, evidenciando, assim, uma renúncia implícita do ente público ao seu direito de impugnar o restante da sentença em grau recursal.

É nesse sentido, por sinal, que a doutrina especializada vem assentando o seu posicionamento em torno da temática sob enfoque, conforme abalizada preleção que reproduzo, abaixo, para contribuir com a compreensão da matéria, ad litteris et verbis:

A novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. A sistemática do Código anterior complicava o julgamento do tribunal, que tinha de se pronunciar sobre dois incidentes – a remessa necessária e a apelação –, o que, quase sempre, culminava com a declaração de ter restado prejudicado o recurso da Fazenda Pública diante da absorção de seu objeto pelo decidido no primeiro expediente. Andou bem, portanto, o novo Código em cogitar da remessa necessária apenas quando a Fazenda Pública for omissa na impugnação da sentença que lhe for adversa (art. 496, § 1º).1

(Grifei)

Diversa não é, aliás, a posição de outro importante setor da moderna doutrina processualista civil, consoante transcrição literal que segue:

Veja que o § 1º do art. 496 dispõe que só haverá remessa necessária se não houver apelação. Havendo apelação, não haverá remessa necessária. Haveria aí a aplicação da regra da singularidade: não é possível a remessa necessária e a apelação ao mesmo tempo. Se não há apelação, há remessa necessária. Essa não é a explicação nem a causa para afirmar que a remessa necessária ostenta natureza recursal. Esse não é um detalhe que componha o conceito de recurso. Na verdade, essa é uma consequência da natureza recursal da remessa necessária, que se pode confirmar pelas normas do direito positivo brasileiro.2

(Grifei)

Nesse norte, por compreender que a regra contida no artigo 496, § 1º, do novo CPC não se compatibiliza com a tramitação simultânea de remessas oficiais e apelações fazendárias, e considerando a atual necessidade de priorização de posturas...

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