Acórdão nº 50037428720218210086 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50037428720218210086
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001496294
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5003742-87.2021.8.21.0086/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

APELADO: SERGIO AUGUSTO DA ROSA BARBOSA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por BANCO BRADESCO S/A em face da sentença prolatada nos autos da ação de revisão de cláusulas contratuais em que contende com SÉRGIO AUGUSTO DA ROSA BARBOSA. Constou na sentença apelada (Evento 27):

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por Sérgio Augusto da Rosa Barbosa contra Banco Bradesco S.A., com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC/2015, para o efeito de REVISAR o contrato e declarar que o regime da dívida passa a vigorar com as seguintes alterações:

a) limitar os juros remuneratórios à taxa média do mercado na data da contratação, nos termos da tabela do BACEN, para operações da mesma espécie;

b) declarar descaracterizada a mora;

c) determinar a compensação de valores, caso seja verificado um crédito em favor da parte autora, bem como a repetição do indébito na forma simples;

Em razão da sucumbência, CONDENO a parte ré ao pagamento das custas processuais, bem como de honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, os quais fixo em R$ 1.500,00, considerando o tempo de tramitação do feito, a natureza da ação e o trabalho desenvolvido pelo causídico, com base no art. 85, §2º e §8º, do CPC/2015.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, baixe-se em definitivo

Em razões recursais (Evento 34), a parte apelante ressalta a ausência de elementos que maculem o contrato que é objeto da demanda. Refere o princípio da força obrigatória dos contratos. Pondera que o contrato não possui qualquer mácula e, por isso, deve ser respeitado e cumprido pela parte apelada. Salienta que a prova deve ser realizada por quem faz a alegação, ao menos de forma mínima, não podendo a inversão do ônus da prova ser utilizada de forma absoluta. Destaca, dessa forma, que a inversão do ônus da prova não pode se dar de forma automática, mesmo em se tratando de relação de consumo. Assevera a ausência de abusividade dos juros remuneratórios pactuados no contrato de empréstimo. Sinaliza a ausência de discrepância substancial entre a taxa de juros remuneratórios contratada e a taxa média divulgada pelo Bacen para as operações da espécie na época da contratação. Pugna, assim, pela manutenção da taxa de juros remuneratários contratada. Insurge-se contra a descaracterização da mora, assim como em face da possibilidade de compensação de valores e de repetição do indébito. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Pede, ao final. o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 38.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta no Evento 34, é tempestiva, pois o prazo para a parte ré recorrer da sentença iniciou em 09/11/2021 e findou em 30/11/2021 (Evento 28), sendo que o recurso foi interposto em 30/11/2021 (Evento 34). Além disso, a parte apelante realizou o recolhimento do preparo (Evento 34 – CUSTAS2).

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

Inicialmente, saliento que é objeto da revisão de cláusulas contratuais o Contrato de Empréstimo Consignado nº 806632429, firmado em 04/04/2016, no valor de R$ 4.240,06, a ser pago em 84 parcelas mensais de R$ 129,64, com previsão de juros remuneratórios de 2,59% ao mês e 35,91% ao ano (Evento 12 – CONTR4).

1. POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL.

Em que pese as alegações da parte ré de que uma vez firmado o contrato as partes são obrigadas ao seu fiel cumprimento, a revisão judicial do contrato em comento é juridicamente possível, calcada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum.

Encontra-se arraigado na Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXXV), dispositivo que assegura a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito da parte.

Em se tratando de relação de consumo, esta intervenção encontra-se reforçada pelo inciso XXXII do art.5º da Carta Magna, e pelas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, entre as quais aquelas elencadas no art. 51 da Lei Consumerista.

Cito precedente desta Câmara acerca do tema:

APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CHEQUE ESPECIAL, EMPRÉSTIMO DE CAPITAL DE GIRO E DESCONTO DE TÍTULOS. DO APELO DA PARTE AUTORA DESERÇÃO. Deve ser declarada deserta a apelação quando a parte recorrente, após indeferimento do pedido de gratuidade judiciária nesta Instância, deixa de efetuar o respectivo preparo no prazo legal, conforme dispõe o art. 101, § 2º, c/c o art. 1.007, ambos do CPC. Recurso não conhecido. DO APELO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO. Ausente interesse recursal no que tange à pretensão de manutenção dos juros remuneratórios, pois não houve revisão destes pela sentença. Recurso não conhecido quanto a essa questão. POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, permitindo a revisão de cláusulas contratuais abusivas, na forma da Súmula 297 do STJ. TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO. Possibilidade de cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) estipulada apenas nos contratos bancários celebrados antes de 30.04.2008 (fim da vigência da Resolução CMN nº 2.303/1996), conforme entendimento do STJ (REsp 1.251.331/RS - repetitivo). No caso, deve ser excluída a cobrança da TAC, pois os contratos foram celebrados posteriormente a 30.04.2008 e há previsão da cobrança do encargo. Mantida a sentença no ponto. REPETIÇÃO DE INDÉBITO/COMPENSAÇÃO DE VALORES. Cabimento da repetição do indébito, na forma simples, e compensação de valores diante das modificações impostas na revisão dos contratos. Desprovido no particular. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA NÃO CONHECIDA E APELO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70073418923, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em 30/08/2017)

Nesse prisma, eventualmente constatada a abusividade ou onerosidade excessiva de uma das partes em prejuízo da outra, adequada e pertinente a intervenção do Poder Judiciário para adequá-las ao ordenamento jurídico vigente.

2. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

Conforme entendimento sedimentado, tanto no STJ como neste Tribunal, tendo sido inclusive sumulado (Súmula 297), o CDC é aplicável às instituições financeiras.

Com relação à produção de provas, a inversão do ônus não é automática. Cabe ao juiz a apreciação da verossimilhança da alegação do consumidor, assim como de sua hipossuficiência.

Nas demandas envolvendo revisão de contratos bancários e de cartão de crédito, diante da dificuldade do consumidor em trazer todos os contratos pactuados e demais documentos necessários que, por vezes, sequer lhe são fornecidos, e, em contrapartida, à facilidade da instituição financeira e das administradoras de cartão de crédito, que possuem registro de toda a contratação, aliada à obrigatoriedade das mesmas em manter os arquivos pelo prazo de 20 anos, aplica-se o princípio da inversão do ônus da prova, consagrado pelo artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, a fim de possibilitar a defesa dos direitos do consumidor.

Este entendimento encontra-se pacificado nesta Câmara:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA. MANUTENÇÃO. I - Segundo a Súmula 297 do STJ, o CDC é aplicável às instituições financeiras, permitindo a inversão do ônus da prova, com vedação, porém, de enfrentamento de matérias de ofício pelo Judiciário, na forma da Súmula 381 do STJ, sendo, portanto, possível a inversão do ônus da prova. II - É plenamente cabível a fixação de multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial que deferir liminarmente a antecipação de tutela envolvendo obrigação de fazer ou não fazer, porém seu valor deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e evitar enriquecimento indevido da parte beneficiária, podendo o magistrado, de ofício, adequá-lo quando se tornar insuficiente ou excessivo, conforme arts. 287 e 461, §§ 3º, 4º e 6º, ambos do CPC/73. No caso, o valor da multa diária fixada mostra-se exagerado, superando o montante da obrigação principal, comportando redução, sem prejuízo de eventual reexame do valor posteriormente, vencido o Relator quanto à limitação temporal ao prazo de 30 dias para sua incidência. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO, VENCIDO O RELATOR QUANTO À LIMITAÇÃO TEMPORAL DA MULTA. (Agravo de Instrumento Nº 70068322247, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em 25/05/2016) (grifei)

APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. Contrato de Crédito de Financiamento; Contrato de Conta Corrente Especial n° 4547 - 010007567; Contrato de Cartão de Crédito n°5447 xxxx xxxx 1019; Contrato de Cartão de Crédito n° 4415 xxxx xxxx 5497; Contrato de Financiamento n° 00334547320000012670; e Contrato de Financiamento n° 00334547320000013790. (...). INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: Na revisão de contratos submetidos à disciplina jurídica do CDC, admite-se a inversão do ônus da prova, em favor do tomador do crédito, quando constatada a hipossuficiência deste ou a verossimilhança das suas alegações. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70059762831, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge...

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