Acórdão nº 50037742420208210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022
Data de Julgamento | 23 Fevereiro 2022 |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50037742420208210023 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001522602
24ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5003774-24.2020.8.21.0023/RS
TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários
RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR
APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)
APELADO: LUCENA MARIA MARTINS (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por CREFISA S.A. CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS nos autos da ação revisional proposta por LUCENA MARIA MARTINS em face da sentença que assim dispôs:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a reconvenção ofertada pela parte ré e JULGO PROCEDENTE, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, a ação movida por LUCENA MARIA MARTINS em face de CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS para REVISAR os contratos ora analisados, a fim de limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado à época da contratação, conforme fundamentação acima.
Em caso de adimplemento total, os valores pagos a maior devem ser devolvidos na forma simples, com atualização pelo IGP-M desde o desembolso e juros de 1% ao mês a partir da citação. Resta, ademais, descaracterizada a mora, pelo que determino que a ré se abstenha de incluir o nome da requerente nos serviços de proteção ao crédito.
Em face da sucumbência da parte ré e reconvinte, condeno-a ao pagamento da totalidade das custas processuais da ação originária e da reconvenção, bem como honorários ao FADEP, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa e 10% sobre o valor da reconvenção, com base no art. 85, §2º do CPC.
Publicação, registro e intimações realizadas pelo sistema eletrônico.
Em razões recursais, discorre acerca da inexistência de lei que limite a cobrança de juros remuneratórios pelas instituições financeiras. Assevera que a revisão das taxas cobradas a título de juros remuneratórios é cabível apenas quando caracterizada a abusividade na relação de consumo, não sendo este o caso dos autos. Sustenta que as taxas médias previstas pelo Bacen não podem ser a única ferramenta para mensurar eventual abusividade. Aduz que não há abusividade nas taxas de juros pactuadas. Alega a inexistência de cobrança indevida que autorize a restituição dos valores. De forma alternativa, postula a aplicação da taxa média de mercado divulgada para contrato na modalidade de empréstimo pessoal não consignado aos contratos de n. 032330016379, 033240020368, 095000534192, 032330024131 e 032330025695, assim como, a minoração dos honorários advocatícios, com a fixação destes com base no proveito economico da demanda. Requer a procedência da reconvenção. Pede provimento (evento 49).
Foram apresentadas contrarrazões (evento 53).
É o relatório.
VOTO
A apelação do evento 49 é tempestiva, pois a parte recorrente tomou ciência da sentença em 04/11/2021 (evento 43) e o recurso foi interposto em 2511/2021. Além disso, restou comprovado o pagamento do preparo (evento 49 - OUT3).
Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação, a qual passo ao exame.
Inicialmente, saliento que são objeto da revisão os seguintes contratos:
Contrato de Empréstimo Pessoal – confissão de dívida - nº 032330016379, firmado em 17/11/2015, no valor de R$ 722,41, contendo previsão de juros remuneratórios de 19,00% ao mês e 706,42% ao ano (Evento 1 – CONTR4);
Contrato de Empréstimo Pessoal – confissão de dívida - nº 033240020368, firmado em 18/06/2020, no valor de R$ 2.273,05, contendo previsão de juros remuneratórios de 22,00% ao mês e 987,22% ao ano (Evento 1 – CONTR10);
Contrato de Empréstimo Pessoal – confissão de dívida - nº 095000534192, firmado em 12/02/2020, no valor de R$ 2.183,08, contendo previsão de juros remuneratórios de 22,00% ao mês e 987,22% ao ano (Evento 1 – CONTR14);
Contrato de Empréstimo Pessoal – confissão de dívida - nº 032330024131, firmado em 16/08/2017, no valor de R$ 1.614,61, contendo previsão de juros remuneratórios de 18,50% ao mês e 666,69% ao ano (Evento 1 – CONTR15);
Contrato de Empréstimo Pessoal – confissão de dívida - nº 032330025695, firmado em 17/01/2018, no valor de R$ 1.678,83, contendo previsão de juros remuneratórios de 18,50% ao mês e 666,69% ao ano (Evento 1 – CONTR16);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 095000160376, firmado em 21/08/2018, no valor de R$ 1.289,48, contendo previsão de juros remuneratórios de 18,00% ao mês e 628,76% ao ano (Evento 1 – CONTR2);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 032330038053, firmado em 29/11/2018, no valor de R$ 803,38 , contendo previsão de juros remuneratórios de 18,00% ao mês e 628,76% ao ano (Evento 1 – CONTR3);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 032330024132, firmado em 16/08/2017, no valor de R$ 279,99, contendo previsão de juros remuneratórios de 22,00% ao mês e 987,22% ao ano (Evento 1 – CONTR5);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 032330018707, firmado em 25/05/2016, no valor de R$ 1.000,00, contendo previsão de juros remuneratórios de 14,00% ao mês e 381,79% ao ano (Evento 1 – CONTR6);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 032330022603, firmado em 18/04/2017, no valor de R$ 1.768,33, contendo previsão de juros remuneratórios de 16,50% ao mês e 525,04% ao ano (Evento 1 – CONTR7);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 095010463319, firmado em 15/10/2019, no valor de R$ 2.088,99, contendo previsão de juros remuneratórios de 22,00% ao mês e 987,22% ao ano (Evento 1 – CONTR8);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 095010328815, firmado em 28/05/2019, no valor de R$ 1.170,67, contendo previsão de juros remuneratórios de 19,00% ao mês e 706,42% ao ano (Evento 1 – CONTR9);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 032330016390, firmado em 18/11/2015, no valor de R$ 671,90, contendo previsão de juros remuneratórios de 22,00% ao mês e 987,22% ao ano (Evento 1 – CONTR12);
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 032330013051, firmado em 01/04/2015, no valor de R$ 737,51, contendo previsão de juros remuneratórios de 14,50% ao mês e 407,77% ao ano (Evento 1 – CONTR13); e,
Contrato de Empréstimo Pessoal nº 032330040038, firmado em 14/08/2019, no valor de R$ 792,85, contendo previsão de juros remuneratórios de 22,00% ao mês e 987,22% ao ano (Evento 1 – CONTR20).
1. JUROS REMUNERATÓRIOS.
Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posicionou-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, restou afastada a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.
Inclusive, a Súmula n° 596/STF dispõe que: “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.
O STJ já sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade.
Esse posicionamento, inclusive, ensejou a formulação da Súmula 382, in verbis:
A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.
Cito precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. JUROS REMUNERATÓRIOS. SÚMULA N° 382/STJ.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. MORA CONFIGURADA.
1. "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade" (Súmula n° 382/STJ).
2. "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (2ª Seção, REsp 973.827/RS, Rel. p/ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 24.9.2012). No caso dos autos, houve previsão de taxa mensal de 1,80%, e de taxa efetiva anual de 23,91% (fl. 276). Dessa forma, legítima a cobrança da taxa efetiva anual de juros remuneratórios, tal como convencionada.
3. O reconhecimento da cobrança indevida dos encargos exigidos no período da normalidade contratual descaracteriza a mora do devedor.
No presente caso, contudo, os encargos discutidos em Juízo para o período da adimplência são regulares, resultando que a cobrança, sob esse aspecto, faz-se sobre valores realmente devidos, não havendo motivo para afastar tais consectários, que também estão harmônicos com os parâmetros admitidos pelo STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1295204/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS EM 12% AO ANO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N° 382 DO STJ.
1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que, nos contratos bancários, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, e de que não se pode aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado.
2. Agravo regimental a que se dá provimento.
(AgRg no REsp 889.820/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07/05/2013, DJe 14/05/2013)
Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes. Desta forma, somente há que...
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