Acórdão nº 50037784020198210009 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 01-09-2022

Data de Julgamento01 Setembro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50037784020198210009
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002478348
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5003778-40.2019.8.21.0009/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes contra a Ordem Tributária (art. 1º ao 3º da Lei 8.137/90 e art. 1º da Lei 4.729/65)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

APELANTE: ELISANDRO PETRY (RÉU)

APELANTE: REGIS PETRY (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação dos réus Elisandro Petry e Régis Petry, contra sentença do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Carazinho/RS que acolheu parcialmente denúncia do Ministério Público para condená-los como incursos nas sanções do art. 1º, inc. II, c/c o art. 11, ambos da Lei nº 8.137/90, na forma do art. 71, caput, do CP, às penas de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 10 (dez) dias-multa, à razão de 14 BNT's, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária consistente no pagamento de cinco salários mínimos), pela prática do seguinte fato:

DA INSCRIÇÃO DOS DÉBITOS EM DÍVIDA ATIVA E DO INÍCIO DA FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL

O crédito tributário atinente ao fato delituoso, referentes à ação penal proposta, foi inscrito em Dívida Ativa nº 0250814315, em 13/06/2017, relativo ao Auto de Lançamento nº 0038843102 encerrando-se, a partir de então, o procedimento administrativo-fiscal, conforme o demonstrativo oriundo da tela do sistema (PROCERGS) da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul (vide pág. 3, Evento nº 0011).

No mais, avocando a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal corporificada no RHC 122.7741 (1 1/06/2015), a fluência do prazo prescricional somente se dá com o encerramento do recurso administrativo que discute o débito tributário. Situação, ademais, que é consequência lógica da súmula vinculante 242, a qual obsta a instauração de ação penal antes de constituído o crédito tributário, através do lançamento definitivo, o qual se dá com a inscrição do débito em dívida ativa.

Assim, in casu, o prazo prescricional somente começou a correr a partir de 13/06/2017.

FATO DELITUOSO

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

CRÉDITOS INDEVIDOS

ART .1º, INC. II, DA LEI Nº 8.137/90

Nos meses de abril a outubro de 2014, fevereiro, março, maio a agosto de 2015, em horários diversos, na sede da empresa ABATEDOURO BOI GORDO FRIGORÍFICO LTDA., situada na VL São Bento, S/N, Bairro São Bento, Carazinho-RS, estabelecida na atividade Frigorífico, abate e comércio atacadista de carnes bovinas, suínas e ovinas, preparação e industrialização de carnes e subprodutos, os denunciados ELISANDRO PETRY e REGIS PETRY, dolosamente, na condição de administradores da pessoa jurídica em questão (consoante Alteração Contratual arquivada na Junta Comercial em 23/05/2012, cláusula 7ª do Capitulo IV — Administração e Gerência, pág. 17-20, Evento nº 0009), suprimiram elou reduziram tributo estadual (ICMS), fraudando a fiscalização tributária, ao inserirem elementos inexatos na escrita fiscal, consistente nas GJAs (Guias de Informação e Apuração de ICMS), pág. 3-54, Evento nº 0010 da NF.02362.OOO.382/2019, apropriando-se indevidamente de créditos presumidos de ICMS em período em que a empresa possuía débitos de ICMS inscritos em dívida ativa.

Ao agir, os acusados, contrariando expressa previsão legal (vide nota 05 do art. 32 do Livro I do Regulamento do ICMS Decreto nº 37.699/97)3, ardilosamente, adjudicaram-se de créditos presumidos de ICMS, mesmo possuindo débitos inscritos em DAT (dívida ativa), não parcelados e não garantidos por depósito em dinheiro, fiança bancária, hipoteca ou penhora de bens imóveis4.

Consoante dados retirados do sistema de cobrança da Receita Estadual, ficou demonstrado que a empresa autuada adjudicou-se de créditos presumidos de ICMS em períodos em que possuía débitos de ICMS inscritos em Dívida Ativa, não parcelados, nem garantidos, consoante segue.

Discriminados abaixo os débitos que impedem o aproveitamento dos créditos presumidos por parte do sujeito passivo.

Tabela 1. Créditos Presumidos Glosados por Impedimento Decorrente de Débito com Inscrição em Dívida Ativa e ICMS Devido.

[...]

Nos períodos acima, onde a empresa possuía créditos tributários inscritos em DAT sem exigibilidade suspensa e de acordo com a vedação prevista na Nota 5, do caput do artigo 32, do Livro l, do RICMS, não poderia se valer do benefício previsto no inciso XI do mesmo dispositivo legal, lançados no campo 04, do Quadro "A", das Guias de Informação e Apuração do ICMS (GIA).

Segue o histórico de fases dos débitos inscritos em dívida ativa (DAT), no qual se identifica em qual fase impeditiva o débito se encontrava no período.

[...]

VALOR SONEGADO, CLASSIFICAÇÃO PENAL E REQUERIMENTOS

Ao todo, os acusados sonegaram tributo estadual de ICMS no montante de R$ 2.893.563,96 (dois milhões, oitocentos e noventa e três mil, quinhentos e sessenta e três reais e noventa e seis centavos), já com os acréscimos legais até 27 de junho de 2019, conforme o demonstrativo oriundo das telas do sistema (PROCERGS) da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul (vide pág. 3 Evento nº 0011 da NF 02362000.379- 2019).

Nas razões (evento 3, DOC9 - p. 40/45), a Defesa dos réus alegou, preliminarmente, a nulidade da notificação em sede administrativa, preliminar já arguida em memoriais. Asseverou que houve omissão dos agentes da SEFAZ/RS, visto que, erroneamente, notificaram pessoas estranhas a administração da empresa dos acusados, sem poderes para receber a documentação. No mérito, postulou a absolvição do réu. Sustentou que em razão do pagamento da folha de salários, da energia elétrica, da manutenção de instalações e exigências da fiscalização sanitária, entre outros, restavam pendentes os pagamentos de tributos; por conseguinte, aduziu que, em face dos prejuízos financeiros, tal situação caracteriza inadimplência fiscal, com a inscrição do tributo devido em dívida ativa, passível de execução fiscal, de modo que não podem ser condenados na esfera criminal. Alegou que a justificativa dos acusados não configura o tipo penal pelo qual foram denunciados, vez que ausente o dolo na conduta. Subsidiariamente, requereu o afastamento da agravante prevista no art. 12, inc. I, da Lei nº 8.137/90.

Nas contrarrazões (evento 3, DOC9 - p. 49/50 e evento 3, DOC10 - p. 01/05), o Ministério Público rejeitou a preliminar e, no mérito, o improvimento do apelo defensivo.

Nesta instância, a Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli, opinou pelo desprovimento do recurso.

VOTO

Em termos de antecedentes, os réus são primários (ev. 3- PROCJUDIC4 e 5, fls. 48/50 e fls. 01/03)

Inicialmente, em relação a preliminar de nulidade do processo administrativo, cumpre destacar que as notificações do procedimento tributário restaram confirmadas mediante A.R, que foram encaminhadas ao endereço da empresa e recebidas por Cinara Regina Petry e Vera M. Petry, familiares dos acusados, razão pela qual ausente irregularidade, como bem consignado na sentença (fls. 246/247):

"Com efeito, verifica-se que as Cartas AR de notificação do auto de lançamento foram enviadas para o endereço da empresa Abatedouro Boi Gordo - Frigorífico Ltda, localizada na VL São Bento, s/nº, bairro São Bento, em Carazinho/RS, oportunidade em que foram recebidas por Cinara Regina Petry e Vera Marina PEtry (fls. 42-v e 58), as quais, são, respectivamente, esposa e genitora do acusado Elisandro, ou seja, pessoas de confiança dos acusados, visto que recebiam as correspondências da empresa."

Desse modo, comprovada a entrega da correspondência no domicílio tributário do contribuinte, via AR, fornecido pelo próprio devedor ao Fisco, válida a intimação, ainda que o recebimento seja feito por terceira pessoa (REsp n. 2.015.102, Ministro Sérgio Kukina, DJe de 22/08/2022).

Verifica-se que a materialidade dos delitos está consubstanciada no Procedimento Administrativo, auto de lançamento nº 0038843102, que apurou o prejuízo no valor de R$ 2.536.456,35 (dois milhões, quinhentos e trinta e seis mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais e trinta e cinco centavos), assim como a autoria, igualmente ficou devidamente esclarecida, repousando sobre a figura dos acusados, conforme o contrato social e alterações, elencando poderes de administração e totalidade das cotas em seu nome (ev. 3, PROCJJUDIC3, fls. 14/31)– e a prova oral produzida em juízo.

Interrogado, o réu Régis Petry declarou que em razão dos investimentos feitos na empresa e pagamento de salários aos funcionários, não foi possível pagar os tributos. Foi necessário readequar o frigorífico diante das exigências do meio ambiente, bem assim após o advento da Lei do Ministério do Trabalho. Não falsificou as guias. Destacou que trabalha na área administrativa da empresa, sendo que todas as informações são repassadas à contabilidade. Esclareceu que o CNPJ da empresa ainda está ativo, porém, o frigorífico não funciona mais. Mencionou que houve a tentativa de pagar a totalidade dos tributos, contudo, apenas uma ou duas parcelas foram pagas. Que Cinara é companheira de seu irmão Elisandro e Vera é sua genitora. Referiu ter mais de trinta processos de fornecedores não pagos.

Por sua vez, o acusado Elisandro Petry, confessou a prática delitiva. Alegou que em razão de mudanças na gestão do órgão fiscalizador, foi necessária uma restruturação na empresa Batedouro Boi Gordo Frigorífico LTDA, oportunidade em que investiram na linha de produção e abate. Referiu que tinha as opções de: realizar esses investimentos, parar de trabalhar ou pagar impostos. Mencionou que a conta da luz elétrica estava em um valor alto, assim como a folha de pagamento dos funcionários, sendo que na...

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