Acórdão nº 50037797220228214001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50037797220228214001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002911687
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003779-72.2022.8.21.4001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

LUCIANO BERNARDO BONATO GUSMAO e BANCO AGIBANK S.A interpõe recurso de apelação em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo primeiro em face do segundo:

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para revisar os contratos nº 879137, 813129 e 974068, para o fim de:

a) acolher a impugnação ao valor da causa, determinando a sua retificação para o valor do somatório dos contratos – R$ 7.000,03;

b) limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado à época das contratações (3,22% a.m., 6,79% a.m. e 3,77% a.m.) e condenar o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Sucumbência parcial e recíproca, autoriza a divisão, metade para cada parte, das custas processuais. Honorários de cada patrono, fixados em R$1000,00 (um mil reais) custeados pela parte adversa.

Em suas razões, o banco apelante sustenta a impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios, devendo prevalecer aqueles livremente pactuados. Refere que a modalidade contratual é diversa da série utilizada para cotejo dos encargos remuneratórios. Assevera o alto risco da contratação e disserta sobre o princípio da boa-fé. Pugna pela conexão de processos.

Por sua vez, o consumidor pleiteia a descaracterização da mora e a majoração dos honorários advocatícios.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Eminentes colegas.

Os recursos interpostos atendem aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprios e tempestivos, havendo interesse e legitimidade das partes para recorrerem, merecendo conhecimento.

Assim, passo à análise dos méritos recursais.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação revisional de três contrato de empréstimos, na qual a sentença limitou os juros remuneratórios em todos os contratos nºa 879137 ( série 25465), 813129 (série 25464) 974068 (série 25465) e autorizou a repetição do indébito.

Em recurso de apelação, insurge-se o banco, defendendo a cobrança do encargo nos moldes pactuados. Requer que seja utilizada à série 25464 em todos os contratos revisandos. Sustenta a necessidade de conexão entre demandas com as mesmas partes (autor e réu). Disserta sobre alto risco na contratação e discorre sobre o princípio de boa-fé.

O consumidor, por sua vez, pede a descaracterização da mora e a majoração dos honorários advocatícios, levando em consideração a quantidade de pactos em um único processo.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

CONEXÃO.

Sustentou a parte ré a reunião do presente processo com outros cinco em que há identidade de pedidos e de causa de pedir ajuizadas pela parte autora.

Sem razão, uma vez que as demandas mencionadas se encontram em fases processuais diferentes em virtude da celeridade processual, o que afastou a reunião das ações revisionais.

Vai desprovido o recurso.

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. PACTA SUNT SERVANDA. CONTRATAÇÃO DE ALTO RISCO.

Sustenta o banco apelante que as cláusulas pactuadas devem se manter hígidas, diante do princípio da boa-fé, visto que deve ser levado em consideração o alto risco da operação.

Em que pesem as bem elaboradas razões de defesa e sua consistência, não vejo como acolhe-las, e tampouco como reconhecer ofensa a qualquer principio constitucional.

Cumpre salientar, que o Código de Defesa do Consumidor, através do art. 6º, inciso V, consagrou o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do “Pacta Sunt Servanda” e permitindo ao consumidor a revisão do contrato não apenas por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente, mas por abuso presente à contratação.

Dessa forma, o argumento de que o elevadíssimo risco de inadimplemento na contratação obriga a recorrente a enfrentar riscos maximizados na realização de seus créditos, não elide nem neutraliza a evidência de que está cobrando taxas superiores à média mensal aferida pelo BACEN. E isso a enquadra nos precedentes do STJ que consideram a ultrapassagem daquela média como indicativa da abusividade na cobrança dos encargos do empréstimo.

Além disso, a financeira que realiza empréstimos para clientes de "alto risco", assume os riscos respectivos, que não podem ser repassados justamente para o tomador do crédito.

Importante referir que o paradigma do STJ (Recurso Repetitivo nº 1.061.530/RS), não faz distinção para casos específicos, mas ao contrário, estabelece um critério único e objetivo a ser observado no exame da abusividade da cláusula de pactuação dos juros remuneratórios em todos os contratos de empréstimo.

Por esse prisma, não se pode criticar a eleição dessa taxa média como referencial pelo STJ, eis que, a priori, não se vislumbra, por ora, outra mais adequada do que esta para operar como padrão médio.

Recurso desprovido no ponto.

LIMITAÇÃO DOS JUROS. TAXA DO BACEN.

A apelante, faz longa explanação acerca da impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios à taxa média divulgada pelo BACEN. Requer, em suma, a não aplicação, na aferição da abusividade contratual (taxa do BACEN), porquanto os juros foram livremente pactuados.

Em que pesem as bem elaboradas razões de defesa e sua consistência, não vejo como acolhê-las.

O argumento de que as taxas foram livremente pactuadas, no qual obriga a recorrente a enfrentar riscos maximizados na realização de seus créditos, não elide nem neutraliza a evidência de que está cobrando taxas superiores à média mensal aferida pelo BACEN. E isso a enquadra nos precedentes do STJ que consideram a ultrapassagem daquela média como indicativa da abusividade na cobrança dos encargos do empréstimo.

Importante referir que o paradigma do STJ, não faz distinção para casos específicos, mas ao contrário, estabelece um critério único e objetivo a ser observado no exame da abusividade da cláusula de pactuação dos juros remuneratórios em todos os contratos de empréstimo.

Por esse prisma, não se pode criticar a eleição dessa taxa média como referencial pelo STJ, eis que, a priori, não se vislumbra, por ora, outra mais adequada do que esta para operar como padrão médio.

Diante disto, passo ao exame da existência ou não da abusividade dos juros, sob o enfoque do Recurso Repetitivo nº 1.061.530/RS.

JUROS REMUNERATÓRIOS

Sabe-se que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não mais sofrem as limitações da Lei da Usura, consoante determinando na Súmula nº 596 do STF:

Súmula nº 596: As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

No mais, a limitação dos juros remuneratórios a partir da aplicação do Código de Defesa do Consumidor depende da comprovação da abusividade, verificada caso a caso, a partir da taxa média de mercado registrada pelo BACEN à época da contratação e conforme a natureza do crédito alcançado (crédito pessoal, cheque especial, capital de giro), ou seja, que não se caracteriza somente pelo fato da pactuação ser em percentual superior a 12% ao ano. Esse, ademais, é o sentido da Súmula n.º 382 do STJ: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Consequentemente, quando restar demonstrada a exorbitância do encargo, admite-se o afastamento do percentual de juros avençado pelas partes contratantes.

Nesse contexto, o Julgamento efetuado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.061.530/RS, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos:

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

Assim, no norte trilhado pelo eg. STJ, para verificação da configuração, ou não, de abusividade, deve-se fazer o confronto entre as taxas de juros cobradas pela instituição financeira e as constantes da tabela divulgada pelo BACEN para as mesmas operações de crédito1.

A parte ré sustenta que as séries utilizadas nos pactos nº 813129 e nº 974068 não estão de acordo com a modalidade contratual.

Com razão.

Ao analisar os pactos, verifico que os descontos realizados do montante total financiado são despesas vinculadas à concessão de crédito (IOF, seguros e tarifas).

Por essa razão, aplica-se a série 25464 (Crédito pessoa não consignado) em todos os contratos.

Dito isso é que, no presente caso, em consulta as ferramentas disponibilizadas pelo BACEN, verifica-se que os encargos praticados nos pactos excedem à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, sendo, portanto, abusivos...

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