Acórdão nº 50038191720228210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 15-03-2023

Data de Julgamento15 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50038191720228210101
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003379192
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003819-17.2022.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A. (RÉU)

APELADO: DEBORA SIMONE KILPP (AUTOR)

APELADO: WILLIAM PALESE THIES LOPES (AUTOR)

RELATÓRIO

GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES S.A., como demandada, interpõe apelação à sentença (Evento 23 do processo originário), que julgou parcialmente procedentes os pedidos feitos na ação de resolução contratual, cumulada com restituição de valores pagos e inversão da cláusula penal, ajuizada por WILLIAM PALESE THIES LOPES e DEBORA SIMONE KILPP.

Transcrevo a criteriosa sentença, que serve ao relatório e ao voto:

WILLIAM PALESE THIES LOPES e DEBORA SIMONE KILPP ajuizaram ação de rescisão de contrato contra GRAMADO PARKS INVESTIMENTOS E INTERMEDIACOES LTDA. Na inicial, alegaram, em síntese, que, em 10/03/2017, celebraram com a ré contrato de promessa de compra e venda tendo por objeto unidade imobiliária, no regime de multipropriedade (frações), no empreendimento denominado Gramado Buona Vitta Resort Spa, registrado sob a matrícula nº 32.786 do Registro de Imóveis da Comarca de Gramado/RS. Disseram que, no ano de 2019, sem a anuência dos adquirentes, a ré alterou o projeto original apresentado, acrescentando o número de unidades autônomas, que passaram de 445 para 553, ocasionando a redução das áreas comuns. Narraram que a ré, também, adquiriu o terreno do empreendimento imobiliário em Área de Preservação Permanente (APP), destinada à compensação ambiental, sendo que tal informação foi omitida no contrato. Discorreram sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Requereram, ao final, a procedência da ação para o fim de ser declarada a rescisão dos contratos por culpa da ré, bem como a condenação desta à restituição dos valores adimplidos. Juntaram documentos.

Citada, a ré apresentou contestação, sustentando a inexistência de vício de vontade, pois a parte autora recebeu todas as informações necessárias e pertinentes a viabilizar a ampla e prévia análise dos termos do contrato, bem como cópia da integralidade dos documentos que firmou, não tendo a parte adquirente manifestado o direito de arrependimento no prazo legal. Destacou que a contratação não viola a legislação consumerista, inexistindo cláusula que preveja indevida vantagem a seu favor. Aduziu que o acréscimo das unidades habitacionais não alterou a área privativa da unidade adquirida e a expectativa de lucro, representando, ainda, uma real expectativa de redução no valor do condomínio a ser pago pelos multiproprietários. Teceu considerações sobre as particularidades da multipropriedade, regulamentada pela Lei n° 13.777/2018. Ressaltou que a exigência de prévia anuência dos promitentes compradores para alteração da incorporação limita-se àqueles que possuem registro na matrícula. Reconheceu a possibilidade de rescisão do contrato por interesse da parte autora, desde que obedecidas as cláusulas estabelecidas. Por fim, impugnou o pedido de indenização por danos morais. Requereu a improcedência da ação. Juntou documentos.

Houve réplica.

É o relatório.

Decido.

O processo tramitou regularmente, com a observância de todas as formalidades legais, estando isento de vícios.

Trata-se de ação através da qual pretende a parte autora a rescisão do contrato de promessa de compra e venda por culpa da parte ré, postulando, em decorrência disso, a condenação à restituição dos valores adimplidos.

A relação negocial havida entre as partes está comprovada através do contrato firmado em 10/03/2017, consistente na promessa de compra e venda da unidade imobiliária D-301-CDA no empreendimento denominado Gramado Buona Vitta Resort Spa, no regime de multipropriedade (frações), sendo ajustado o preço de R$ 89.901,00, a ser pago de forma parcelada (evento 14, CONTR4).

Indiscutível se torna consignar a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, uma vez que a relação existente entre as partes caracteriza efetiva relação de consumo, enquadrando-se a parte ré no conceito de fornecedora e a parte autora na definição jurídica de consumidora, pois destinatária final do bem e serviços fornecidos pela empresa, a teor do que estabelecem os arts. e , §2º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, o que conduz à inversão do ônus probatório, nos moldes do art. 6º, inc. VIII, do mesmo diploma legal.

O art. 1.358-C do Código Civil, introduzido pela Lei nº 13.777/2018, assim dispõe: “Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.

Sobre a aplicabilidade das disposições do microssistema consumerista aos contratos de multipropriedade, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. REGIME DE MULTIPROPRIEDADE (FRAÇÕES). RELAÇÃO DE CONSUMO. PRESENÇA DA FIGURA DO CONSUMIDOR FINAL. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SISTEMA DE TIME-SHARING E MULTIPROPRIEDADE. DIFERENÇAS CONCEITUAIS. CLÁUSULA PENAL. RETENÇÃO DE SEU MONTANTE. PERCENTUAL. 10% SOBRE AS PRESTAÇÕES PAGAS. Limitação, no caso concreto, da cláusula penal – que é a pré-determinação das perdas e danos –em 10% do total pago, devidamente corrigido, na forma do art. 924 do Código Civil. Impossibilidade, de outro lado, de sua fixação em 10% sobre o valor total do contrato ou 25% sobre o valor das prestações pagas, pois que, ao lado de excessiva, não encontra guarida nas cláusulas do contrato. ARRAS. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, POIS QUE FIRMADA SOB A NATUREZA DE CONFIRMATÓRIAS, QUE, COMO O PRÓPRIO NOME DIZ, APENAS CONFIRMA A AVENÇA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. MOMENTO EM QUE CONSTITUÍDA EM MORA A PARTE RÉ. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE AS PARCELAS A SEREM DEVOLVIDAS. NECESSIDADE. MANUTENÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70079941688, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em: 25-04-2019)

Feitas essas considerações, cabe analisar se presente no caso concreto causa imputável à parte ré a ensejar a resolução contratual e suas consequências em razão disso.

Alteração da incorporação imobiliária

Incontroverso que, depois de celebrado o contrato, o empreendimento imobiliário sofreu alterações substanciais em seu projeto. Com previsão inicial de 445 unidades imobiliárias, segundo ampla propaganda e averbação na matrícula nº 32.876 do Registro de Imóveis da Comarca de Gramado/RS, houve retificação do empreendimento em 20.11.2019, com o acréscimo de mais 138 unidades autônomas, totalizando 583 apartamentos, conforme averbação na matrícula.

As alterações decorrentes da retificação do empreendimento imobiliário foram procedidas por iniciativa exclusiva da incorporadora e sem a anuência dos adquirentes das frações de tempo das unidades autônomas, entre os quais, a parte autora, fato inconteste nos autos, pois confirmado pela ré e verificado em inúmeros outros processos similares em tramitação nas duas Varas Judiciais desta Comarca envolvendo multiproprietários das unidades do resort.

Embora os adquirentes não possuam direitos reais registrados na matrícula do imóvel e decorrentes do empreendimento, uma vez que o instrumento particular de promessa de compra e venda não foi levado a registro no Cartório Imobiliário, o que, aliás, possibilitou a averbação da retificação da incorporação sem afronta ao disposto no art. 43, inc. IV, da Lei nº 4.591/1964, tal situação não afasta o dever da parte ré de informar à parte autora sobre as alterações parciais ocorridas, especialmente no que diz respeito à unidade autônoma.

Isso porque a previsão de aumento das unidades imobiliárias impactou, de modo direto, nas dimensões da fração adquirida pela parte autora.

A parte ré, em sua defesa, sustenta que os adquirentes das frações imobiliárias não sofreram quaisquer danos.

Da análise da prova documental, é possível concluir, sem sombra de dúvidas, que houve efetiva redução na área comum, na área global e na fração ideal da unidade imobiliária adquirida pela parte autora no regime de multipropriedade.

Conforme se observa dos elementos expostos na exordial e na matrícula do imóvel onde está localizado o emprendimento, com as alterações do projeto do empreendimento, a unidade imobiliária cuja fração de tempo foi adquirida pela parte autora teve redução.

Veja-se que todas as medidas da unidade imobiliária constam expressamente do contrato particular de promessa de compra e venda. Não há como negar que, a despeito da previsão contratual de que se trata de negócio na modalidade “ad corpus” (cláusula terceira), tais metragens foram, também, determinantes para a fixação do preço da fração adquirida pela parte autora, não podendo ser consideradas meramente enunciativas, ainda mais quando levada em conta o fato de que a fração foi negociada na planta com específica medida de extensão (“ad mensuram”).

Nesse contexto, o acréscimo de mais 138 unidades às 445 já existentes no projeto inicial configurou, a toda evidência, diminuição patrimonial de todos os adquirentes dos imóveis no regime de multipropriedade, na medida em que as alterações parciais ocorreram não só na fração ideal de terreno de cada...

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